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CAPÍTULO 2 Cultura de convergência e práticas de produsagem: novas mídias e

2.3. A produsagem e o produsuário

2.3.2. Princípios de produsagem

As práticas de produsagem executadas por usuários são baseadas em princípios- chave. As características de trabalho colaborativo, que permeiam processos de colaboração e

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Tradução nossa: Perhaps even more central to the case for Multiliteracies today is the changing nature of everyday life itself over the past decade. We are in the midst of a profound shift in the balance of agency, in which as workers, citizens and persons, we are more and more required to be users, players, creators and discerning consumers rather than the spectators, delegates, audiences or quiescent consumers of an earlier modernity. [...] They are content with being no less than actors rather than audiences, players rather than spectators, agents rather than voyeurs, users rather than readers of narrative. (COPE ; KALANTZIS, 2009, p 8)

criação de conteúdos, podem ser encontradas nos ambientes de produsagem, independente dos objetivos de seus usuários. De acordo com Axel Bruns:

Estes princípios emergiram de alguns dos primeiros ambientes de produsagem no mundo on-line, e especialmente das comunidades de desenvolvimento de software livre; as suas raízes também remontam às comunidades de pesquisa e inovação, com trabalho baseado em pares, que inspiraram a própria fonte aberta e evoluíram para abranger mais do que o software colaborativo - ou mais amplamente, o desenvolvimento do conhecimento e hoje também se aplicam a práticas tão diversas como o jornalismo cidadão e jogos on-line multiusuários.

(BRUNS, 2007. Disponível em: http://produsage.org/node/11) 23

Estes princípios são:

(a) Trabalho baseado em Comunidade: ou também definido como participação aberta e avaliação comunitária. Este princípio determina que quanto maior e mais diversificada é a comunidade, maior é sua capacidade produtiva e seu potencial de criação, de fato, esse princípio se opõe a uma noção de equipe fechada. Cabe salientar que a diversidade de participantes está relacionada à maior diversidade de habilidades, ou seja, haverá uma gama maior de letramentos, ideias e conhecimentos disponíveis e seus participantes poderão intercambiar e complementar saberes, unidos num esforço compartilhado.

(b) Papéis Fluidos: um princípio também chamado de heterarquia fluída ou meritocracia ad Hoc. Na distribuição de trabalho, ocorre uma mobilidade–liquidez nas funções dos participantes, os sujeitos transitam entre funções de acordo com seus letramentos e contribuições, saberes, ou inclinações pessoais. Os papéis fluídos são um resultado da equipotencialidade na capacidade para contribuir.

Segundo Bruns (2007), a prática de produsagem acontece em conseqüência de um princípio definido como equipotencialidade. A teoria da produção Peer to Peer (BAUWENS, 2005) postula que se usuários possuem proficiências e habilidades diferentes, então eles podem fazer contribuições igualmente dignas.

Os projetos P2P são caracterizados por equipotencialidade ou "anticredencialismo". Isso significa que não há uma seleção a priori para a

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Tradução nossa: These principles have emerged from some of the earliest environments of produsage in the online world, and especially the open source software development community; they also trace their roots to the peer-based research and innovation communities which inspired open source itself, and have evolved to cover more than collaborative software - or more broadly, knowledge - development and today also apply to practices as diverse as citizen journalism and multi-user online gaming.

participação. A capacidade de cooperação é verificada no próprio processo de cooperação. Assim, os projetos estão abertos a todos os participantes, desde que tenham as habilidades necessárias para contribuir para um projeto. Essas habilidades são verificadas, e validadas em comum, no processo de produção em si. [...] A filtragem é a posteriori, não a priori. O anticredencialismo deve, portanto, ser contrastado com a análise tradicional por pares, em que as credenciais são um pré-requisito essencial para participar.

(BAUWENS, 2006, p.2)24. Apesar do anticredencialismo, as comunidades de produsagem não são ambientes destituídos de lideranças. Longe disso, há complexos sistemas de governança baseados em contribuições e méritos, nos quais o papel do líder é mais reduzido. Os líderes da comunidade “são contribuintes dignos que ganham gradualmente maior proeminência entre seus pares” 25 (BRUNS, 2007, s/ página).

Por ser baseada em rede de contribuições, a produsagem possui um controle mais horizontal, menos hierarquizado, e sempre em mudança, de acordo com as necessidades:

As comunidades de produsagem organizam seus processos através de formas ad hoc de governaça: como Toffler previu na década de 1970, o que emerge é uma 'Ad-hocracia'. No entanto, essas “ad-hocracias” de produsagem não são anarquias: elas têm seus líderes, tanto para o projeto geral como para aspectos específicos dele, mas o poder desses líderes é muito diminuído. Ao invés de formar uma hierarquia rígida de comando e controle, eles operam em uma heterarquia muito mais frouxa que até permite a existência de múltiplas equipes de participantes, trabalhando simultaneamente em uma variedade de direções possivelmente opostas. (BRUNS, 2007, s/ página. Disponível em: http://produsage.org/node/11 )26

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Tradução nossa: P2P projects are characterized by equipotentiality or 'anti-credentialism.' This means that there is no a priori selection to participation. The capacity to cooperate is verified in the process of cooperation itself. Thus, projects are open to all comers provided they have the necessary skills to contribute to a project. These skills are verified, and communally validated, in the process of production itself. This is apparent in open publishing projects such as citizen journalism: anyone can post and anyone can verify the veracity of the articles. Reputation systems are used for communal validation. The filtering is a posteriori, not a priori. Anti-

credentialism is therefore to be contrasted to traditional peer review, where credentials are an essential prerequisite to participate.

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Tradução nossa: [...] worthy contributors gradually rise to greater prominence among their peers.

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Tradução nossa: produsage communities organise their processes through ad hoc forms of governance: as Toffler predicted in the 1970s, what emerges is an 'Ad-hocracy'. Such produsage adhocracies are no anarchies, however: they do have their leaders both for the overall project and for specific aspects of it, but the power of those leaders is much diminished. Rather than forming a strict hierarchy of command and control, they operate in a much looser heterarchy which even allows for the existence of multiple teams of participants working simultaneously in a variety of possibly opposing directions. Leadership is determined through the continuous communal evaluation of participants and their ideas, and through the degree of community merit they are able to build in the process; in this sense, then, produsage heterarchies constitute not simply adhocracies, but ad

No contexto desta tese, é importante refletir sobre como essa questão de papéis fluídos pode se relacionar à crise de reconfiguração da agência e das relações de autoridade, que mencionamos na seção anterior. Podemos supor, aplicando o conceito de transliteracias, que os alunos são capazes de transferir letramentos oriundos das comunidades de produsagem e apropriação de modo a “aplicar e transferir uma série de habilidades e percepções” 27 (SUKOVIK, 2016, p. 29), oriundas dessas comunidades virtuais para dentro de outros ambientes informacionais complexos da web, quiçá um curso em um AVA, no qual essas novas práticas e configurações causarão potencial atrito com o tutor, devido às configurações de autoridade convencionalizadas.

(c) Artefatos inacabados: o resultado da produsagem caracteriza-se como inacabado, pois projetos das comunidades permanecem em constante desenvolvimento, sempre com mais contribuições a serem adicionadas e revisadas pelos membros. Devido a esses processos sociais de trabalho e uso coletivo, os resultados da produsagem são mais semelhantes a artefatos culturais do que produtos comerciais (BRUNS, 2007). Na produsagem, ocorre um processo de construção e contribuição sem um final definido, pois a “produsagem não trabalha com a conclusão dos produtos (para usuários finais ou consumidores)” (BRUNS, 2007, s/p28).

Considerando que muitos objetos de produsagem são objetos digitais, eles podem ser alvo de apropriação, resultando em aperfeiçoamentos, versões variadas de um mesmo projeto, objeto ou novos objetos, isso é o que se conhece como percursos palimpsésticos.

No decorrer da tese, durante a análise do estudo de caso selecionado, observamos que esse princípio de artefatos inacabados, de certo modo, foi integrado ao design do curso cMOOC Connected Courses, por meio de um script de retroalimentação. Essa estratégia de design não somente promoveu o pertencimento entre os alunos (que puderam ver o conteúdo de seus blogs, vlogs e twittes integrados ao portal), mas também fez com que o portal continuasse indefinidamente atualizado, alimentado por alunos, inacabado, anos após o término do curso on-line.

(d) Propriedade comum e mérito individual: a colaboração do usuário pode receber destaque e ser desfrutada por diversos outros sujeitos, pertencer a um coletivo ou estar

27 Tradução nossa: [...] to apply and transfer a range of skills and contextual insights to a variety of settings 28

Tradução nossa: Produsage does not work towards the completion of products (for distribution to end users or consumers). Disponível em: http://produsage.org/node/11 .

na web aberta. Apesar de não haver um conceito de propriedade, ele pode ser gratificado com várias formas de menção (distintas da autoria como a conhecemos), fomentando um ganho emocional, reconhecimento e status social etc. Desta maneira, as chances de recompensas diretas são menores, pois a recompensa surge como um capital emocional subjetivo. Isto é, o produsuário recebe o reconhecimento de seus pares; recebe a motivação em participar de um objetivo compartilhado por uma comunidade (e estar integrado a ela, um pertencimento).

Durante as práticas de trabalho colaborativo, parte-se da idéia de que cada um está apto a colaborar com alguma habilidade distinta, complementando o todo, assim, existe uma valorização das competências do indivíduo, uma evidência, além de um estimulo indireto para que ele se aperfeiçoe em outras práticas que possam ser úteis.

Este princípio ilustra também que o resultado da produsagem é um bem coletivo, que deve permanecer aberto e livre de quaisquer formas de exploração comercial e, portanto, diante de uma continua vigilância contra sua desvirtuação.

Acreditamos que o objeto analisado possui certas características que se aproximam desse princípio de colaboração. Além do script de retroalimentação do portal, que detalharemos nos capítulos 5 e 6, notamos que os alunos foram convidados a fazer transcrições, produzir vídeos ou postagens e desenvolver outras formas de autoria e participação. Acreditamos que há nessas atividades, decididamente, uma nuance de produção dedicada ao coletivo com reconhecimento individual, que apontam novas formas de colaboração.