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CAPÍTULO 4 DESIGN INSTRUCIONAL E-LEARNING

4. Apresentação do capítulo

4.4. O design de conteúdo multimídia e os processos cognitivos

Apesar de questões econômicas ainda serem um impeditivo para o uso de recursos multimídia no material didático e-learning, ultimamente, a criação de recursos multimídia tem se tornado cada vez mais facilitada em relação ao passado. O barateamento e facilidade para construção de conteúdo multimídia facilitou a aplicação desses recursos, que tiveram um exponencial crescimento na última década, tornando ainda mais importante compreender como eles incrementam a construção da aprendizagem, no âmbito do design e-learning. Outro fator que tem tido um impacto positivo para ampliação de multimídia no ensino digital é o movimento em favor de REAs (Recursos Educacionais Abertos) que promove uma disseminação, compartilhamento e reuso desses materiais.

Embora sejam questões conectadas, é importante refletir que as estratégias de design multimídia e transmídia, no contexto da cultura de convergência, possuem uma preocupação diferente se comparadas com o design de multimídia no contexto de projeto instrucional. Apesar de ser um processo cognitivo, as estratégias da cultura de convergência enfocam a mídia utilizada na apresentação da informação, isto é, destacam e exploram as propiciações de cada tecnologia e serviço empregado para a entrega da informação (há um enfoque mais tecnológico). Em contrapartida, o design multimídia está preocupado com a

forma como o conhecimento é construído e retido, a partir dos canais integrados/selecionados para apresentar uma informação (enfoque no processamento cognitivo humano).

É fundamental fazer essa distinção de enfoque, pois durante a segunda metade do século XX, a inserção de tecnologia multimídia no ensino-aprendizagem seguiu um ciclo de focalização tecno-centrada: em resumo, primeiramente, o aparato tecnológico aparecia como uma grande promessa para revolucionar a educação, o que se seguia à urgência em encaixar forçosamente as tecnologias de ponta dentro das escolas (sem base em um estudo cognitivo prévio), o que terminava em um grande fracasso das expectativas iniciais (MAYER, 2009). O design instrucional multimídia possui uma preocupação reflexiva que supera a ânsia de implementar o instrumental tecnológico ofertado, por isso a focalização se desloca do poder tecnológico para “um interesse em promover a cognição humana” (MAYER, 2009, p. 12)74.

É preciso ponderar que vivemos imersos em ambientes informacionais complexos e isso, certamente, tem um impacto no modo como as novas gerações executam processos cognitivos. Em pesquisa recente, Han-Chin Liu (2017) apontou que a dependência de conteúdo multimídia pode afetar as habilidades para identificar e localizar elementos, portanto transformando a construção de modelos mentais.

Efetivamente, diferentes autores já mencionam o conceito de mindsets multimídia (PERRIN, 2012), para fazer referência a novas práticas, novas formas de percepção e processamento cognitivo. Assim, temos novos esquemas mentais que funcionam quando indivíduos processam informação por conteúdo multimídia e multimodal, em ambientes informacionais complexos.

Nesse contexto, o enfoque que o design instrucional multimídia oferece às abordagens cognitivas, em detrimento das abordagens tecno-centradas, é um enfoque que prioriza entender como a seleção de técnicas multimídia é capaz de estimular a retenção de informação no cérebro. Richard Mayer define aprendizagem multimídia como:

Aprendizagem multimídia refere-se a aprender com palavras e imagens. A instrução multimídia refere-se à apresentação do material usando palavras e figuras, com a intenção de promover o aprendizado. O caso da aprendizagem multimídia se baseia na premissa de que os aprendizes podem entender melhor uma explicação quando ela é apresentada em palavras e imagens do que quando é apresentada apenas com palavras. Mensagens multimídia podem ser baseadas na mídia de entrega (por exemplo, alto-falante amplificado e tela de computador), modo de apresentação (por exemplo, palavras e imagens) ou modalidades sensoriais (por exemplo, auditivas e visuais). O design de mensagens instrucionais de multimídia pode se basear em uma abordagem centrada na tecnologia que se concentra nas capacidades

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de tecnologias avançadas ou em uma abordagem centrada no aluno que enfoca a natureza do sistema cognitivo humano. O aprendizado multimídia pode ser visto como fortalecimento da resposta (em que ambientes multimídia são usados como sistemas de treinamento), aquisição de informação (em que mensagens multimídia servem como veículos de entrega de informação) ou como construção de conhecimento (em que mensagens multimídia incluem ajuda para produção de sentido). (MAYER, 2009, p.3)75 Richard Mayer tornou-se um dos mais citados expoentes do design multimídia, em desenho instrucional, e é professor de psicologia da Universidade da California. Após desenvolver longas pesquisas sobre a percepção cognitiva da informação, no contexto multimidiático e multimodal, Mayer consolidou uma das máximas mais citadas entre designers multimídia: “as pessoas aprendem melhor com o uso de palavras e imagens combinadas, do que apenas por meio do uso de palavras isoladamente” (MAYER, 2009, p.1).76

Para compreender como essa melhora acontece, faz-se necessário entender como a informação multimídia é processada cognitivamente, por meio da teoria de aprendizagem cognitiva multimídia. A teoria de aprendizagem cognitiva multimídia se baseia em três premissas fundamentais: o processamento cognitivo possui canais duais, uma capacidade limitada e um processamento ativo.

Esta teoria acredita que a mente humana recebe informações a partir de dois canais duplos de processamento informacional, parcialmente independentes: (a) visual / pictórico e (b) auditivo / verbal, ambos os canais possuem uma capacidade limitada. O canal visual- pictórico atua como principal responsável por processar imagens, enquanto o canal auditivo-verbal concentra fundamentalmente o processamento de palavras. No caso de palavras impressas, a informação primeiro atravessa o canal visual, para somente depois alcançar o verbal. Dentro da memória, o processamento cognitivo dos canais atravessa etapas de seleção, organização, e por fim integração do conteúdo informacional junto a outras representações já arquivadas no conhecimento prévio.

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Tradução nossa: Multimedia learning refers to learning from words and pictures. Multimedia instruction refers to the presentation of material using bothwords and pictures, with the intention of promoting learning. The case for multimedia learning rests on the premise that learners can better understand an explanation when it is presented in words and pictures than when it is presented in words alone. Multimedia messages can be based on the delivery media (e.g., amplified speaker and computer screen), presentation mode (e.g., words and pictures), or sensory modalities (e.g., auditory and visual). The design of multimedia instructional messages can be based on a technology-centered approach that focuses on the capabilities of advanced technologies or on a learner- centered approach that focuses on the nature of the human cognitive system. Multimedia learning may be viewed as response strengthening (in which multimedia environments are used as drill-and-practice systems), information acquisition (in which multimedia messages serve as information delivery vehicles), or as knowledge construction (in which multimedia messages include aids to sense-making).

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O processamento e o armazenamento informacional ocorrem em três memórias diferentes: memória sensorial, memória de trabalho e memória de longo prazo.

Primeiramente temos a informação do mundo exterior, a memória sensorial é a porta de entrada para esta informação. Cabe à memória sensorial perceber o conteúdo externo por meio dos sentidos visual (canal A) e auditivo (canal B), os estímulos são processados por esses canais separadamente, de modo que o estímulo visual e auditivo são transformados em informação. Esta memória captura o registro do mundo exterior e faz uma retenção da informação, por um período breve entre 1 e 3 segundos.

Na sequência, a informação adentra naquela que é chamada de memória de curto prazo ou a memória de trabalho. Conforme postula Richard Mayer, a memória de trabalho é o coração do processamento multimídia, pois ela realiza um processo cognitivo de organização, tal manipulação informacional ocorre em períodos de 15 a 30 segundos, e suas atividades ocorrem em um nível consciente (CLARK; NGUYEN; SWELLER, 2006).

Esta memória possui uma capacidade de processamento limitada e George Armitage Miller (1956), postulou que só pode assimilar de cinco a sete novos conhecimentos por turno (MAYER, 2009; ANDRADE-LOTERO, 2012). Para compreendermos essas operações, é preciso entender que a memória de trabalho pode ser simbolicamente dividida em dois hemisférios, o lado esquerdo é aquele no qual a informação nova entra, e será processada mediante operações mentais de seleção e organização do conteúdo percebido.

Em contrapartida, o lado direito representa um conhecimento arquivado, pois mantém um repositório de modelos mentais pictóricos, verbais e auditivos. Toda informação que entra pelo lado esquerdo para o direito será filtrada, com base nesses modelos mentais, de modo que memória de trabalho seja capaz de encontrar representações coerentes da informação nova.

Por fim, ao fazer sentido com uma representação coerente, o processo cognitivo cria e encontra conexões entre informação nova e modelos antigos, produzindo sentido para o novo conteúdo, tal conteúdo informacional pode ser integrado associativamente e ser arquivado na memória de longo prazo. A capacidade de armazenamento da memória de longo prazo seria ilimitada, esta memória retém a informação em pacotes informacionais, melhor definidos como “construtos cognitivos que incorporam múltiplas unidades de informação dentro de uma unidade singular de nível maior” (ANDRADE-LOTERO, 2012, p. 79)77.

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Tradução nossa: [...] o constructos cognitivos que incorporan múltiples unidades de información dentro de una unidad singular de mayor nivel.

A figura seguinte traz uma representação do modelo cognitivo de aprendizagem multimídia, proposto por Mayer, o qual ilustra o sistema humano de processamento de informações:

Figura 8 - Processamento cognitivo multimídia

Fonte: Elaboração própria, inspirado em MAYER, 2009, p. 61.

A combinação da teoria da aprendizagem cognitiva multimídia junto à teoria da carga cognitiva (SWELLER, 1994) tem por objetivo fazer com que o desenho do material instrucional multimídia esteja mais compatível com a arquitetura cognitiva do cérebro humano (ANDRADE-LOTERO, 2012).

De acordo com a abordagem teórica da Arquitetura Cognitiva Humana (ACH), a informação nova é processada numa estruturação de três memórias (sensível ou sensorial, de trabalho, e de longo prazo). Toda a informação nova pode abranger três tipos de carga cognitiva (DELEEUW, MAYER, 2008): carga extrínseca, também denominada como irrelevante e alheia; carga intrínseca, também chamada essencial; e carga relevante, também denominada como natural ou generativa.

A carga cognitiva extrínseca pode ser compreendida como ruído, e excesso, é aquela que não serve ao propósito de aprendizagem do desenho projetado, por isso tem capacidade para atrapalhar o objetivo, prejudicar assimilação, gerar confusão na aprendizagem e distrair. Em geral, designs mal elaborados apresentam grau elevado de carga extrínseca.

Em contrapartida, a carga intrínseca é aquela inerente ao conteúdo que se quer assimilado, é uma carga que todo processo cognitivo irá essencialmente demandar em esforço cerebral, durante as operações mentais de seleção.

Por fim, a carga cognitiva relevante é aquela que de fato promove o processo cognitivo de aprendizagem, provocando um entendimento profundo da informação quando ela é integrada à memória de longo prazo, unindo-se a conjuntos de outras unidades informacionais similares.

No contexto atual, em que estamos imersos em ambientes informacionais complexos, é fundamental sopesar o quanto nossos esquemas mentais estão se habituando a trabalhar com carga cognitiva extrínseca. Enquanto o aluno navega, é possível que na mesma aba do navegador, ele capte o conteúdo instrucional, ao passo que seleciona e desvia o olhar de uma enorme quantidade de banners, janelas poup-ups indesejáveis, sons inesperados e outros elementos que, a despeito de não integrarem o projeto original de desenho multimídia, sobrecarregam e compartilham os canais de entrada, constituindo carga cognitiva, talvez prejudicando a aprendizagem.

Todavia, mostra-se complicado fazer essas inferências com base em pesquisas pregressas, sem considerar os novos mindsets desses alunos. Por exemplo, numa pesquisa amparada por rastreamento ocular sobre tela digital, Hang Liu (2017) detectou que, embora um grupo de alunos investisse menor tempo de fixação e se detivesse em menos pontos da tela (um processo de captação visual mais rápido e distribuído), ainda assim eles revelaram maior eficiência de busca visual.

Nesse ambiente de sobrecarga e super complexidade, faz-se necessário entender que a atenção dos alunos é muito mais fragmentada (como mostram os mecanismos de captação visual), prova disso é a vertiginosa expansão de conteúdo estruturado em pílulas, um formato de fragmentos de conteúdo ultracondessado que é uma tendência informacional moderna.

Richard Mayer também foi criador dos princípios de design multimídia, aplicados no exercício de desenho instrucional. De acordo com o teórico, as pesquisas sobre design multimídia têm atuado simultaneamente para melhorar a prática de desenho instrucional (teorias prescritivas) e para complementar as teorias de aprendizagem.

Nesse sentido, os princípios de design multimídia buscam aprimorar técnicas e atingir objetivos em ambas as áreas, porém, como o próprio Richard Mayer destaca em sua revisão posterior: os princípios dependem de condições individuais diversas e embora “sejam efetivos para iniciantes, podem não ter mais tão eficazes para alunos mais experientes” (MAYER, 2009, p. xi)78.

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Tradução nossa: [...] design principles that are effective for beginners may not be effective for more experienced learners.

Considerando o funcionamento da memória, baseado na teoria de carga cognitiva, Richard Mayer desenvolveu princípios em design multimídia, com vistas a produzir aprendizagem mediada por tecnologias que favoreça à arquitetura cognitiva humana. Na sessão seguinte, examinamos esses princípios mais detalhadamente.