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A pesquisadora Lúcia Granja tem se dedicado em rastrear indícios históricos e refletir sobre a atuação deste profissional francês no Brasil. O trabalho da pesquisadora visa, de determinado ângulo, – a saber, por meio das relações estabelecidas por Garnier tanto com o comércio de livros e as novidades francesas quanto com o seu trabalho como comerciante livreiro-editor de autores brasileiros –, contribuir para a história de Garnier no Brasil dada a sua importância no campo das letras brasileiras no século XIX.

Assim como Lúcia Granja, o pesquisador francês Jean-Yves Mollier se detém à investigação sobre o trabalho dos irmãos Garnier no século XIX. Em artigo publicado em 2019 na Revista Letras Raras, ele nos traz um panorama da constituição do empreendimento dos Garnier desde a origem da editora “Garnier Frères”, passando pelo estabelecimento da casa editorial “Garnier Hermanos” até a livraria B. L. Garnier, esta última implantada no Rio de Janeiro. Apoiado em dados levantados pela pesquisadora brasileira, Mollier nos revela que, já em 1838, o irmão caçula, Baptiste-Louis Garnier, com apenas dezesseis anos, chega ao Brasil para sondar o mercado leitor/consumidor carioca. Garnier retorna à Europa, mas no início da década de 1840 vem novamente ao Rio de Janeiro para, desta vez, em 1844, instalar na Rua do Ouvidor, número 29, “a sucursal da casa Garnier frères de Paris sob o nome de Livraria Garnier Irmãos” (MOLLIER, 2019, p. 19). Para Mollier, em consonância com Granja (2018), “Baptiste-Louis Garnier construiu para si não apenas um império no mundo das letras, mas também uma reputação de mediador sagaz e conselheiro atento”. No Brasil, o editor francês ganha fama e reputação ao importar os clássicos franceses e passar a editar e publicar, a partir de 1864, os escritores nacionais, de onde terá como “vedete incontestável” Machado de Assis (idem, p. 20-21).

Lúcia Granja entende que Garnier, “além de fornecedor de livros franceses e estrangeiros em geral, e de variada gama, foi o grande editor dos escritores brasileiros do XIX (Gonçalves de Magalhães, Araújo Porto- Alegre, Macedo, Alencar, Bernardo Guimarães, Taunay, Machado de Assis, entre dezenas deles)” (GRANJA, 2013, p. 33). Essa informação

33 comporta dois caminhos de análises do papel deste homem e da Livraria B. L. Garnier: antes de mais nada, como aponta Espagne (2017), Garnier, transpondo suas atividades profissionais para o Rio de Janeiro, configura-se como “vetor de transferência cultural”, um mediador que, por meio de sua atividade econômica, possibilita a movimentação e conexão cultural Brasil- França através do transporte de livros; de outro modo, Garnier assume uma posição central na produção editorial brasileira ao concentrar, em torno dele, grande número de intelectuais, leitores, clientes, autores brasileiros, favorecendo a divulgação dos mesmos ao mesmo tempo em que contribuía para a consolidação do gênero romance na literatura brasileira do século XIX.

Granja destaca que, “ao longo de todos esses anos em que se ocupou do mercado editorial e comércio de livros a partir da capital Imperial do Brasil, o livreiro-editor manteve ligações comerciais estreitas com a França” (GRANJA, 2013, p. 34), o que nos ajuda a compreender, ainda, o seu importante papel na circulação de obras francesas no ambiente carioca a partir de meados do oitocentos. A Livraria Garnier torna-se o principal ponto de encontro dos escritores e intelectuais da época e local escolhido por eles “para suas conversas literárias”, dentre tantos,

o grupo composto por Machado de Assis, José de Alencar, Joaquim Manoel de Macedo, José Veríssimo, Sílvio Romero, Joaquim Nabuco, Rui Barbosa, Constâncio Alves, Olavo Bilac, Alberto de Oliveira, Raimundo Correa, Coelho Neto, Medeiros e Albuquerque, Araripe Júnior, Rodrigo Otávio, Mário de Alencar, Clóvis Bevilacqua, entre outros (GRANJA, 2013, p. 42)

Não é difícil imaginar, pois, um intelectual como Machado de Assis a caminhar pela Rua do Ouvidor, – rua esta que se projetava “como um espaço concorrido, elegante, local de encontro, onde as inovações chegavam primeiro e a vida literária carioca progredia” –, adentrar ao “mais famoso dos estabelecimentos da admirável rua, a Livraria Garnier”, caminhar entre as estantes, folhear livros e sentar ao lado de tantos intelectuais que discutiam as literaturas que chegavam principalmente da França (PEREIRA, 2010, p. 3). De fato, é quase impossível não imaginar tal cena, dada a importância de tal rua e de tal estabelecimento na vida intelectual de Machado. Frequentar os estabelecimentos da Rua do Ouvidor, principalmente o de número 69, então, endereço da Livraria Garnier,

constituía-se numa espécie de enriquecimento intelectual, um prolongamento dos seus escritos e, ainda, uma forma de divulgação dos trabalhos, ou seja, passar uma tarde em uma livraria ou num café reunido com grupos de amigos letrados

34 fazia parte da produção e promoção de uma obra (PEREIRA, 2010, p. 7).

Garnier reunia os atributos necessários à atratividade de intelectuais e escritores brasileiros no seu caráter profissional múltiplo; mantinha intenso comércio livreiro entre Paris e Rio de Janeiro, enviava obras brasileiras para serem impressas na França (onde dispunha de um especialista em língua portuguesa de modo a garantir a integridade por meio da revisão dos textos) (HALLEWELL, 1985, p. 129); o próprio Machado de Assis, conhecedor da arte tipográfica, na qual atuou, reconhece a qualidade do trabalho empreendido pelo livreiro-editor francês, ao se referir a uma crônica do dia 17 de outubro de 1864, publicada no Diário do Rio de Janeiro, em que menciona o novo volume de poesias de Gonçalves de Magalhães:

Os Cantos fúnebres encontrarão da parte do público brasileiro o acolhimento a que têm direito. Tanto mais devem procurar o novo livro quanto que este volume é o sexto da coleção das obras completas do poeta, que o Sr. Garnier vai editar. O volume que tenho à vista é nitidamente impresso. A impressão é feita em Viena, aos olhos do autor, garantia para que nenhum erro possa escapar; sendo esta a edição definitiva das obras do poeta é essencial que ela venha limpa de erros.

Um bom livro, uma bela edição, — que mais pode desejar o leitor exigente? (Machado de Assis, Ao Acaso, Diário do Rio de Janeiro, 17 de outubro de 1864, p. 1, rodapé. Cf. GRANJA, 2016, p. 1211).

O elogio de Machado de Assis, a despeito da sua íntima relação pessoal e profissional com seu editor, logicamente nos leva a deduzir, de certa forma, prováveis preferências suas na leitura e aquisição de livros. Os livros editados por Garnier atraíam o escritor carioca não só pela temática ou pelos autores em circulação nas suas prateleiras, mas ainda, pela qualidade tipográfica e editorial da obra. Contudo, Machado também frequentava e adquiria obras de outras livrarias, como a dos irmãos Laemmert.

Para Jean-Yves Mollier, a especificidade de Garnier no Brasil foi a sua visão de profissionalização dos escritores brasileiros bem como a modernização do trabalho editorial no Brasil; “ele importa para o Brasil o modelo francês de editor, recrutando uma autêntica equipe de autores, o que explica sua posição de destaque no Panteão das letras brasileiras” (MOLLIER, 2014, p. 87). Se tomarmos um exemplo interessante para este trabalho, a saber, o papel do editor como vetor de transferência cultural entre escritores franceses e Machado de Assis, justifica-se aí essa “posição de destaque” do livreiro-editor francês no “Panteão das letras brasileiras”, isto é, Garnier congrega-lhe em torno “uma autêntica equipe de autores”, em idioma original e/ou em traduções para o português e, por outro lado, intelectuais e

35 escritores, acima de tudo, leitores assíduos e capazes de assimilar, do ponto de vista da defesa de uma autenticidade literária, as literaturas que lhe chegam por meio dele, em especial, as grandes obras francesas, promovendo um diálogo transcultural que abrange uma malha de relações as mais diversas. Desse modo, convém tomamos Garnier enquanto imerso num contexto da “constituição paralela de um campo literário autônomo, o qual supõe um sistema editorial desenvolvido, onde o mediador entre o público e os escritores desempenha um papel central”, como bem argumenta Mollier (2014, p. 88).

O destaque dado a Garnier até aqui não encerra jamais as fontes de trocas culturais entre França e Brasil. A imigração de profissionais do livro ou comerciantes gerais que traziam em suas bagagens esses objetos culturais, não se restringe apenas a editores ou a representantes de livrarias. O que estamos querendo dizer, especificamente, é que, certamente, não foi somente Garnier a “fonte” de obras que alimentavam as leituras de Machado de Assis e isso ficará explícito no decorrer do trabalho. Porém, é inegável a grande importância da Livraria Garnier no que tange à circulação de obras no meio intelectual carioca, como também é inegável o estreitamento pessoal e profissional entre Garnier e Machado. Uma questão, inclusive, que poderia ser estudada, não com pouco trabalho, seria talvez a de possíveis contribuições do escritor carioca para os catálogos ou a constituição das prateleiras da Garnier; uma vez que Machado de Assis, como profundo conhecedor dos costumes e das preferências de leitura dos cariocas, principalmente de seus colegas intelectuais, do seu ciclo de amizades, além do mais, leitor cuidadoso e conhecedor de grandes nomes da literatura mundial, sem falar na sua experiência como tipógrafo de Paula Brito, sem dúvida poderia influir nas escolhas de Garnier.

O contrário era verdadeiro e será bem observado por Marcos Túlio Fernandes (2019). Se Machado influía na seleção de obras é caso ainda carente de esclarecimento, entretanto, tinha Garnier o poder de modificar o enredo de alguma narrativa machadiana que por ventura viesse ferir a moral convencional das famílias brasileiras, leitoras, por exemplo do Jornal das Famílias (1863-1878), periódico de perfil feminino editado por B. L. Garnier. Conforme o pesquisador, Machado “não se portou como um gênio indômito cujas narrativas escapavam à vigilância do editor” (FERNANDES, 2019, p. 39) cabendo ao escritor a adequação do enredo de suas narrativas às diretrizes do periódico.

As pesquisas de Fernandes (2019) apontam que, dentre uma série de narrativas de cunho fantástico inspiradas em E. T A. Hoffmann (1766-1822), recepcionado por Machado mediante traduções francesas durante a moda do gênero no Brasil, três passaram por

36 mudanças no enredo ao serem publicadas nas páginas do Jornal das Famílias. Marcos Túlio Fernandes percebeu que os contos “O país das Chimeras. Conto fantástico.” “Ruy de Leão” e “Uma visita de Alcibíades” foram submetidos a mudanças diversas, ora no título, ora na assinatura ou no enredo, quando de suas publicações no periódico de Garnier, dadas as suas saídas em outros periódicos. Diante disso, fica comprovado o “poder editorial de Garnier” com relação ao seu colaborador.

Daqui em diante, convém nos atermos numa outra questão que é crucial para as intenções deste trabalho. As investigações sobre o papel de Garnier num projeto de nacionalização e de constituição de um sistema literário autenticamente brasileiro devem considerar: a) objetivos econômicos e políticos; b) propósitos alinhados, nas palavras de Lúcia Granja (2016, p. 1209), com escritores nacionais e atenção à formação de um público leitor, bem como, um outro alinhamento no campo de uma germinante crítica literária brasileira; c) um processo sistematizado de editoração e divulgação de livros e, paralelamente a isso, o fornecimento de obras estrangeiras, principalmente francesas, no seu acervo e nos catálogos publicados em periódicos.

Nas palavras de Granja (2016, p. 1208) “Garnier tornou-se o grande editor dos escritores brasileiros do século XIX; foi livreiro oficial do imperador e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro”, além de ter sido condecorado pelo imperador Dom Pedro II com a “ordem honorífica mais importante do Brasil”, “graças aos serviços prestados às letras brasileiras” (idem, p. 1206), destacando-se em duas atividade fundamentais: fornecimento de livros estrangeiros, na sua maior parte, franceses; e pelo trabalho de impressão, edição e circulação de autores brasileiros. Em outras palavras, a então capital imperial já concentrava intelectuais cuja carência de serviços especializados, qualificados na área da impressão e edição, dificultava a produção de obras nacionais condizentes com a demanda de um público leitor, consumidor de obras estrangeiras. Baptiste Louis, experiente no ramo, representante de uma casa editorial francesa de grande prestígio, tornou-se a peça essencial no motor de configuração de um sistema literário nacional. No entanto, Granja (2016), dialogando com Bourdieu (1992), enfatiza que “o nosso patrimônio literário constituiu-se a partir de uma curiosa associação entre sujeitos e interesses” e que

a estruturação de um público-leitor e consumidor de literatura brasileira, no século XIX, contou com uma espécie de grande esforço conjunto dos atores ligados ao mercado (editor), dos artistas (escritores) e do próprio mecenas (o imperador), o que salta aos olhos quando analisamos as ações da livraria e editora de Garnier no Brasil (GRANJA, 2016, p. 1207)

37 Essas observações permitem-nos compreender alguns aspectos do projeto impulsionado pela circulação e produção de livros por Garnier sob a ótica do “alinhamento” de que fala Lúcia Granja (2016).

Já sabemos que é, notadamente, a partir da segunda metade do século XIX, que se intensificam as atividades de produção e comercialização de livros no Brasil, mediante o aumento nas instalações de bibliotecas, casas editoriais, gabinetes de leitura (QUEIROZ, 2008, p. 199) livrarias e outros estabelecimentos comerciais que vendiam, entre outras mercadorias, os livros, processo resultante das ações de livreiros-editores, escritores e do próprio imperador. E que é neste contexto que se sobressai o livreiro-editor Garnier, pelo esmero de seu trabalho de edição, mas, fundamentalmente, no moderno uso de estratégias mercadológicas e no “alinhamento” entre, por um lado, o trato no intercâmbio de impressos Europa-Brasil (com foco nas publicações francesas) e, por outro, um projeto de configuração de um sistema literário autônomo no Brasil.

Analisando as estratégias mercadológicas de Garnier, a partir da maneira como são apresentadas as obras editadas por ele em um de seus catálogos8, Juliana Maia Queiroz (2008) nos fornece indícios importantes para compreendermos o papel do livreiro-editor que, segundo Lúcia Granja (2016, p. 1206), “dominou o comércio de livros no Rio de Janeiro na segunda metade do século XIX”. As observações de Queiroz (2008) apontam um englobamento de atitudes e objetivos bastante harmoniosos com uma ideia de nacionalidade literária brasileira, precipuamente, no trato com as suas publicações e com os escritores selecionados para isso.

As especificações de “romance brasileiro”, “lenda do Ceará” e “romance histórico” atribuídas às suas edições de Til, Iracema, O Guarany e As Minas de Prata, obras de José de Alencar, denominações utilizadas como estratégias de apelo de Garnier, parecem “destacar o fato de se tratarem de romances que abordavam questões relativas à cultura e à sociedade brasileira no retrato de seu passado ou presente, bem como ao projeto de constituição de uma literatura nacional” (QUEIROZ, 2008, p. 204). Logicamente, se valendo de nomes de prestígio no meio intelectual carioca, Garnier mantém a condição de editor de autores de conhecido padrão estilístico condizente com os preceitos da crítica literária da época, para

8 Catálogo de livros de que é editor b. L. Garnier e de outros que se achão em grande número na mesma livraria.

69 – Rua do Ouvidor – 69. Rio de Janeiro. s/d. Fonte biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. (citado pela autora). Este documento está disponível em

http://www.circulacaodosimpressos.iel.unicamp.br/arquivos/catalogosLivreiros/RiodeJaneiro/Catalogos_Garnier /4_Catalogo_dos_livros_de_que_e_editor_B_L_Garnier_e_de_outros_que_se_acham_em_grande_numero_na_ mesma_livraria.pdf

38 quem, a qualidade do romance estava associada a “um gênero de eloquência”, “uma das partes da Retórica”,

O que porém torna mais digno de recomendação este mesmo Gênero de composições, é a pintura dos caracteres, conformes à Natureza, desenhados por um modo vivo e atrevido, e sempre tendentes nas suas feições a inspirarem sentimentos de bondade, de humanidade, por meio de cuja pintura, quanto é louvável, deixando-lhes na alma impressões úteis, decentes e virtuosas (CARVALHO, 1856.9 apud QUEIROZ, 2008, p. 205)

Nesse catálogo, os elogios dispendidos a Alencar estão totalmente em consonância com as concepções literárias vigentes adotadas pela crítica da época, o que aponta a empatia de Garnier como figura de notável papel nesse contexto de configuração de uma literatura brasileira. O outro lado que se deixa revelar nesta história, envolta por relações comerciais e políticas, é o do “alinhamento entre os objetos culturais brasileiros e europeus” (GRANJA, 2016, p. 1207) via o intercâmbio de ideias promovido pela circulação transatlântica de obras, do ponto de vista do diálogo entre esses textos. É importante notar, a propósito, que autores como François de Chateaubriand e Mme de Staël já circulam no Brasil no início do século XIX e suas obras encontram, em determinados momentos, calorosa recepção do público intelectual brasileiro ao compartilharem visões e sentimentos afáveis ao momento histórico e literário do Brasil. Alencar, inclusive, demonstra admiração confessa por Chateaubriand apontando-o como modelo de poesia americana “com a elegância e beleza que jamais poderia dar” no momento em que “senti a necessidade de crear uma individualidade litteraria” (ALENCAR, 1893, p. 30). No caso de Staël, cuja circulação de obras veremos mais adiante, é possível notar dois movimentos de recepção: a censura e a aceitação no meio intelectual.

Nesses dois casos de trocas culturais mediante a circulação de obras, veremos que, com Chateaubriand, referenciam-se os ideais da cor local, a exaltação das qualidades puras e edificantes na figura do herói nativo e da natureza; com Mme. de Staël, os ideais de liberdade e de diálogo entre as nações, bem como os debates sobre a constituição da imagem da mulher na sociedade ganharão corpo nas discussões sobre a nacionalidade brasileira e o papel da mulher. Curiosamente, esses dois nomes estão juntos, mencionados no conto Felicidade pelo

9 Lições elementares de eloquência nacional para uso da mocidade de ambos os hemisférios que falla o idioma portuguez. A autora menciona esta obra como ilustração dos preceitos da crítica da época, apontando sua

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casamento, de Machado de Assis, publicado em 1866, no Jornal das Famílias, periódico editado por Garnier.10 Mas, isso será desenvolvido mais à frente.

O romance brasileiro, que se constitui como gênero literário durante o século XIX, despontando na gênese do movimento e do pensamento romântico e no seio as discussões sobre o desenvolvimento de uma consciência nacional identitária, ao mesmo tempo também em que florescem atitudes críticas na literatura brasileira, vê-se tomado como gênero que tem em vista “instruir e mostrar ao leitor, através das ações das personagens, os padrões morais a serem seguidos e aqueles a serem repudiados” (QUEIROZ, 2008, p. 206). Logicamente, essa concepção vai transformar-se no final do século XIX, em decorrência, em parte, de mudanças sociais e históricas, do movimento transnacional de ideias e novas perspectivas teóricas, mediante o avanço das ciências e a divulgação de tendências filosóficas e sociológicas.

O texto de Queiroz (2008) agrega tanto a temática envolvendo o papel social e histórico de B. Garnier na literatura brasileira, perscrutações de Lúcia Granja, quanto a emergência das pesquisas em transferências culturais que “reforçam, portanto, a noção de deslocamento, de circulação e de mobilidade de pessoas, de ideias, de objetos e de valores” (RODRIGUES, 2010, p. 207). Desse modo, utilizando como fonte de pesquisa os comentários que acompanham as obras divulgadas nos catálogos de Garnier, Queiroz (2008, p. 206) demonstra “o quanto a visão mercadológica de Garnier estava bem sintonizada com o discurso crítico da época”.

A “visão mercadológica de Garnier” é o que o faz abrir espaço ao jovem escritor Machado de Assis, ao lado de figuras consagradas como José de Alencar e Joaquim Manoel de Macedo. Mas como defende Granja (2016, p. 1209), “no caso das relações entre o livreiro- editor francês radicado no Brasil e o então jovem Machado de Assis” há um “alinhamento” “em seus objetivos e ações: o livreiro-editor precisava, necessariamente, de um bom escritor, e o escritor em formação, precisava, necessariamente, de formas de veiculação para sua literatura”. Esse movimento de Garnier, em diálogo com os intelectuais da época, ilustra, portanto, os seus esforços e investimentos “para a configuração da vida literária brasileira, considerando a circulação (nacional e transnacional) dos textos, a profissionalização dos escritores e mesmo as escolhas e reavaliações estéticas dos nossos homens de letras” (GRANJA, 2013, p. 92). Tais observações atestam a total dedicação mútua de Garnier e