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Ideias em trânsito e as páginas do Jornal do Commercio: a circulação de obras de

Neste ponto daremos foco aos registros de circulação dessas obras no ambiente carioca, levando em consideração momentos anteriores ao aparecimento de Machado de Assis como homem de letras até a data da publicação de seu penúltimo romance Esau e Jacó (1908), já que é neste último que encontramos uma referência direta à Madame de Staël,

11 Disponível em:

http://www.circulacaodosimpressos.iel.unicamp.br/arquivos/catalogosLivreiros/RiodeJaneiro/Catalogos_Garnier /1_Catalogo_da_livraria_de_B_L_Garnier_n_2_Secao_Literatura_novelas_romances_narrativas_critica_literaria _poesias_pecas_de_teatro_etc.pdf. Acesso em 01 de maio de 2019.

41 crucial aos objetivos deste trabalho. Esses registros alimentarão a pesquisa na medida em que comprovarão a circulação de obras de Mme. de Staël no cenário carioca já nas primeiras décadas do século XIX, seja por meio da presença em anúncios de vendas ou leilões de livros e mercadorias, em bibliotecas e gabinetes de leitura, passando por várias menções do meio intelectual em escritos de jornal e chegando num ponto de cruzamento de ideias e no diálogo empreendido em escritos diversos de Machado de Assis. Os dados aqui apresentados foram, majoritariamente, consultados, nos arquivos da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional, onde podem ser acessados. No intuito de apresentarmos e discorrermos sobre tais registros de modo mais claro e mais útil a esta pesquisa, selecionamos as páginas do Jornal do Commercio, tendo em vista a sua longevidade no cenário carioca e brasileiro, o seu papel nos assuntos e acontecimentos históricos e políticos, bem como a sua importância para a literatura brasileira e para a circulação de ideias. Logicamente, muitos outros periódicos espalhados pelo Brasil ficarão de fora por questões de limitação de tempo. Em outros suportes impressos do contexto carioca será possível encontrar referências de Machado a Staël, porém partimos da ideia de que nos limitando a um periódico dessa natureza (comercial) e de ampla circulação, podemos vislumbrar um panorama sólido da presença de obras da autora em circulação no Brasil. Recorrer a outros tantos jornais, cremos, serviria, no momento, apenas para o aumento quantitativo de menções e recorrências, mas o Jornal do Commercio já nos dá condições de comprovar a presença frequente de obras da autora franco-suíça no contexto de Machado de Assis.

No período que nos interessa, ou seja, aproximadamente em oito décadas de publicação, a consulta ao acervo mostra a sua importância como vetor de divulgação de obras e ideias, o que contribui para o discernimento literário da sociedade carioca do século XIX. Nas suas páginas, livreiros e editores, colecionadores e comerciantes anunciavam as obras que chegavam em livrarias, gabinetes de leitura e estabelecimentos comerciais do Rio de Janeiro. A visita a esse acervo valioso nos permite compreender diversas facetas da circulação de obras estrangeiras no cenário carioca, bem como o trato intelectual com as ideias veiculadas, contribuindo para um entendimento acerca da recepção dessas obras do ponto de vista das trocas e transferências culturais, questão crucial para o estabelecimento de uma historiografia literária capaz de refletir efetivamente sobre aspectos da consolidação de um ambiente literário brasileiro.

Segundo consta em artigo de apresentação do Jornal do Commercio em página da Biblioteca Nacional Digital, o jornal, de “caráter estritamente comercial [...] além de sua

42 tradicional linha conservadora” começa a ser publicado em 1827 pelo francês Pierre Plancher “fugido de seu país por convicção bonapartista”, angariando aqui, amizades com o imperador Dom Pedro I, tornando-se Impressor Imperial. Torna-se muito interessante esse panorama e esses aspectos explicitados acerca do Jornal do Commercio; dentre outras questões, a sua “tradicional linha conservadora” explica, em parte, a harmonia com os interesses do império em consonância com a “convicção bonapartista” de Plancher.12 Nas análises que vamos empreender daqui para frente, ficará evidente, na contramão desses aspectos, a presença de Mme de Staël em suas páginas. Uma escritora romântica de ideias republicanas, inimiga política de Napoleão Bonaparte. O que explica esse contraponto? Como entender quase um século de presença explícita de uma liberalista, inimiga do império francês, num periódico conservador brasileiro, comandado por um bonapartista? Não dá para ignorar o fator comercial nessa questão, nem a “dinâmica de ressemantização” das transferências culturais, ao agregar “sistemas conceituais que, dependendo do contexto receptor, modifica sua significação” (ESPAGNE, 2017, p. 136-144).

Ao todo, de 1827 a 1908, período que engloba o contexto de aprendizado e produção literária de Machado de Assis, contabilizamos um número em torno de 220 menções explícitas ao nome de Madame de Staël nas páginas do Jornal do Commercio. O número pode parecer pouco expressivo, dado o extenso período analisado. No entanto, se a quantidade por si só não diz muita coisa, essa presença revela aspectos cruciais da circulação da autora romântica naquele contexto.

Na maioria desses registros, tais menções se fazem por meio de anúncios de vendas de livros da autora em livrarias do Rio de Janeiro, o que deixa óbvio, a propósito, o aspecto comercial do periódico. Em síntese, as obras da autora cujos anúncios são impressos na página do Commercio naquele período são as seguintes: Oeuvres Complètes/Obras; Corinne ou l’Italie/Corinne/Corina/Corina ou a Itália; Delphine/Delfina/Delphina; De l’Allemagne; Considérations sur la Révolution Française/Revolution Française/Revolução Francesa; De la littérature considérée dans ses rapports avec les institutions sociales/De la littérature; Esprit de Madame de Staël; Dix anées d’Exil; Influência das Paixões. Grafamos os títulos das obras exatamente igual às formas dos títulos dos livros nos anúncios. Essas diferenças, nas grafias dos títulos, podem assinalar, dentre outros prováveis fatores – como a abreviação –, estratégias de divulgação dessas obras; pesamos que os títulos divulgados em idioma nacional, poderiam, sem dúvida, atrair os cariocas, propagando mais claramente os

12JORNAL DO COMMERCIO (RJ). Disponível em http://bndigital.bn.gov.br/artigos/jornal-do-commercio-rio-

43 “produtos”. Pudemos notar que apenas os títulos De l’Allemagne, De la littérature considérée dans ses rapports avec les institutions sociales, Esprit de Madame de Staël e Dix anées d’Exil não aparecem traduzidos para o português, considerando esses anúncios. Por outro lado, apenas Influência das Paixões, que corresponde à obra De l'influence des passions sur le bonheur des individus et des nations, não apresenta o título em idioma original. Sob este aspecto, excetuamos dessas observações os escritos contidos nas Oeuvres Complètes, cujos títulos não conseguimos identificar. Uma ressalva deve aqui ser feita: os jornais não especificam traduções para o português dentre essas obras, mas temos conhecimento de, por exemplo, uma tradução portuguesa do romance Corinne ou l’Italie, a saber, a obra Corina ou a Itália, tradução de 1834, por Francisca de Paula Possolo da Costa. Resta saber se esta obra já circulava no Rio de Janeiro daquela época.

Esses dados preliminares apontam, ainda, para a importância da tradução na circulação e na propagação de obras e ideias no meio carioca oitocentista. Com efeito, convém lembrar, o que destaca Modenez (2016, p. 55) a respeito da quase simultaneidade da presença de publicações de uma mesma obra em idiomas diferentes, exaltando, neste contexto, o trabalho de Garnier. Para ilustrar isso, é possível encontrar circulando nos anúncios do Jornal do Commercio, por exemplo, com título da obra em português, o romance Corina ou a Itália, anunciado na edição de 24 de agosto de 1830 e à página 4 da edição de 17 de setembro de 1847, bem antes da obra com título em idioma original, este tal como consta na página 5 da edição de 16 de janeiro de 1849.13 Isso pode evidenciar como os empreendimentos na tradução de obras estrangeiras nesse contexto do século XIX correspondem à postura teórico- metodológica das transferências culturais, em que “a tradução constitui o veículo essencial de passagem de códigos estrangeiros, constituídos pela língua e pela linguagem”; desse ponto de vista, porém, não se pode compreender esse fenômeno como simples transposição linguística, uma vez que é “o contexto cultural que motiva uma criação intelectual” (RODRIGUES, 2010, p. 213). Desse modo, podemos dizer que, na convivência simultânea de obra original com obra traduzida, do ponto de vista da circulação transatlântica de ideias, poderia haver uma Corina circulando mediante tradução portuguesa e a Corinne francesa; ambas suscitando leituras que se diferem e incorporando públicos diversos.

A análise desses anúncios do Commercio nos permite perscrutar questões bastante interessantes. Em anúncio da edição do dia 13 de julho de 1835, vamos encontrar o romance Delphine, em seção intitulada “Obras em Francez, novamente chegadas, que se vendem em

44 casa de Seignot-Plancher e C.”. Isto remete à popularidade e ao sucesso de Mme. de Staël no contexto literário e social da época, ainda mais por estar presente nas prateleiras de Plancher, cujas ideias políticas parecem divergir das da autora francesa, como já apontamos. Talvez o sucesso da autora, refletindo-se para os livreiros na certeza de vendas, justifique a presença de Staël na casa Seignot-Plancher. Ou ainda, as condições históricas e sociais brasileiras da época podem ter motivado leituras, interpretações e apropriações mediante o fenômeno de “ressemantização” da obra e das ideias ali veiculadas. Ambas as esferas, a financeira e a cultural, atestam o papel ativo e definidor do contexto de recepção em contraponto ao sistema de referências aí contido. De uma forma ou de outra, ou no compasso das duas, fica notória a importância dos escritos de Madame de Staël no Rio de Janeiro daquele momento, uma vez que as pretensões e dinâmicas econômicas deixam transluzir debates e formações culturais, políticas e ideológicas.

No que tange ao campo da circulação literária, outrossim, vale ressaltar o lugar de destaque de Madame de Staël nas estratégias dos anúncios do Commercio. Na edição de 16 de janeiro de 1849, as obras Corinne ou l’Italie e De l’Allemagne são anunciadas ao lado de obras de bastante prestígio literário como Atala, Réné e Génie du Christianisme de Chateaubriand e Paul et Virginie, de Bernardin de Saint-Pierre. Esta última, aliás, citada por Márcia Abreu (2013) como uma das obras que se encaixam na preferência e no gosto dos leitores na França e no Brasil.14 Parece conveniente perceber que, disputando a preferência de determinado público leitor carioca com nomes de prestígio e de interesse deste público, Madame de Staël participava de todo um processo de formação leitora e de constituição cultural do Brasil, principalmente, por meio da literatura.

A presença de Corinne e De l’Allemagne nas páginas do Jornal do Commercio (RJ), exemplificam isso ao atestarem a circulação de Staël tanto na ficção, a saber no romance, quanto na crítica literária desenvolvida em De l’Allemagne. O caráter transcultural, transdisciplinar e transnacional dessas duas obras e das ideias de Mme. de Staël configuram uma visão moderna de crítica e de literatura na qual (o que está presente nas duas obras citadas) deve haver um entrelaçamento entre essas duas atividades em serviço de um autorreconhecimento de uma constituição literária nacional. É revelador, portanto, o fato de Madame de Staël circular através de sua literatura e de crítica literária no meio carioca do século XIX, envolvido com questões de nacionalidade que extrapolam as fronteiras geográficas na busca do diálogo com outras culturas. Aspecto este poetizado claramente na

14ABREU, Márcia. Conectados pela ficção: circulação e leitura de romances entre a Europa e o Brasil. O eixo

45 entrega de Corina a Oswald, ou na defesa de uma abertura ao outro, ideia preponderante na obra de Staël. A propósito, essa atitude do diálogo com o estrangeiro percorrerá toda a obra de Machado de Assis como ponto de conversão e dramatização na esteira de um nacionalismo literário e político que não seja fechado em assuntos, temas e procedimentos nacionais. Esse caráter da postura escrita machadiana (que discutiremos mais adiante) está embutido no trato metodológico dos estudos de transferências.

As páginas do Jornal do Commercio também anunciam leilões de livros em cujas coleções, estão presentes obras de Staël. Na edição de 02 de outubro de 1843, anuncia-se “GRANDE LEILÃO EXTRAORDINÁRIO da riquíssima biblioteca pertencente a S. Ex. o Sr. E. de Jaegher [...]” em que constam “Os autores de maior fama e conceito em poesia, litteratura e arte, taes como Corneille, W. Scott, G. Sand, Villemain, Mignet, Béranger, Hugo, Byron, Lesage, Chateaubriand, Mme. Abrantès, Tocqueville, Ducis, Mme. de Stael, etc, etc”15. Em outro leilão divulgado em 5 de junho de 1846, em que “AUGUSTO DESHAYS fará o leilão acima mencionado, de toda a dita livraria que se recommenda em particular aos SRS SCIENTIFICOS, na qual se achão as seguintes obras raras e de grande merecimento: [...] Ouvreges de Mme. Staël, de Schiller, de Lascases [...]”16. Em letras grandes, o jornal anuncia o leilão de livros “pertencentes ao gabinete de leitura da antiga livraria Belga-Franceza17, um dos mais completos conhecidos no Rio de Janeiro” propagandeando que “Esta variada e escolhida bilbiotheca reúne obras dos melhores romancistas como também de sciencias e de alta litteratura”,18 dentre as obras, Alexandre Dumas, Eugéne Sue, Walter Scott, George Sand, Paul de Kock, de Lamartine, Victor Hugo, Chateaubriand, Alfred de Vigny e Madame de Staël.

Sobre a seletividade feita pelos anunciantes, William de Oliveira Tognolo aponta que

não podemos perder de vista que este recorte de autores poderia ser uma imagem que os próprios leiloeiros tentavam criar, atrelando os membros da elite a nomes de romancistas que também pertenceriam a uma espécie de elite do gênero romanesco, ou seja, aqueles que já gozavam de certo prestígio no momento (TOGNOLO, 2018, p. 138)

15 JORNAL DO COMMERCIO, 2 de outubro de 1843, p. 2. (Acervo BN Digital) 16 JORNAL DO COMMERCIO, 5 de junho de 1846, p. 5. (Acervo BN Digital)

17 Sobre a Livraria Belga-Francesa, consultar SCHAPOCHNIK, Nelson. Pirataria e mercado livreiro no Rio de Janeiro: Desiré-Dujardin Livraria Belgo-Francesa, 1843-1851. rev. hist. (São Paulo), n. 174, p. 299-325, jan.-

jun., 2016. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/rh/n174/2316-9141-rh-174-00299.pdf. Acesso em 25 de maio de 2019.

46 Neste ínterim, é importante ressaltar, enfim, a participação de livreiros e comerciantes na vida literária e cultural do Rio de Janeiro oitocentista. Debruçando-se atentamente sobre as estratégias utilizadas por esses profissionais por meio dos anúncios de vendas, leilões e alugueis19 publicados nos jornais, é possível afirmar que se deve também a eles a circulação de Madame de Staël no intenso cruzamento de ideias naquele contexto.

As referências a obras e ideias de Madame de Staël no Jornal do Commercio atravessam praticamente todo o século XIX, percorrendo as páginas do periódico desde seus anos iniciais de atividade, adentrando o século XX. As décadas de 1870, 1880 e 1890 são os momentos em que mais encontramos menções e anúncios referentes a Staël. Esse quantitativo, paralelo ao momento de florescimento de grandes obras e autores, período de consolidação do romance brasileiro e do fortalecimento da crítica literária nacional, parece revelar um aumento na circulação de obras da autora francesa ou um momento culminante de entrelaçamento e cruzamento de ideias no campo intelectual e da produção literária brasileira. Circulam Corina ou a Itália,20 Considérations sur la révolution française21, De l’Allemagne e

Delphine22, Dix anées d’Exil23, só pra citar algumas referências. Algumas dessas obras reincidem em outros anúncios durante toda a década de 1880, coincidindo com acontecimentos históricos importantes para o Brasil, como a lei de abolição dos escravos e a proclamação da república, cujos princípios de liberdade e democracia associam-se às convicções de Staël, e cujos desdobramentos, Machado de Assis irá retratar e ficcionalizar em Esaú e Jacó (1904); e também coincidindo com o aparecimento de Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), do mesmo autor, marco nas concepções literárias de romance na crítica24 brasileiras.

Além dos muitos anúncios de obras de Madame de Staël veiculados no Jornal do Commercio do Rio de Janeiro, pudemos constatar diversas outras menções e referências à autora nos escritos de outra ordem, publicados no periódico, como artigos sobre literatura, política, moral, a mulher na sociedade moderna; outras menções através de máximas e

19 JORNAL DO COMMERCIO, 6 de fevereiro de 1850, p. 5. (Acervo BN Digital)

20 JORNAL DO COMMERCIO, 8 de outubro de 1881, p. 5; A obra circula em português também, conforme

edição de 3 de dezembro de 1884. O número da página, que parece ser um 3, está rasurado, de difícil compreensão. (Acervo BN Digital)

21 JORNAL DO COMMERCIO, 10 de novembro de 1884, p. 6. (Acervo BN Digital) 22 JORNAL DO COMMERCIO, 18 de outubro de 1884, p. 6. (Acervo BN Digital) 23 JORNAL DO COMMERCIO, 3 de julho de 1884, p. 4. (Acervo BN Digital)

24 Ver GUIMARÃES, Hélio de Seixas. O impacto da obra de Machado de Assis sobre as concepções de romance. Machado de Assis em linha, ano 1, n. 1, junho de 2008. Disponível em http://machadodeassis.net/download/numero01/num01artigo04.pdf Acesso em 27 de janeiro de 2019.

47 referências em folhetins do jornal e alguns escritos sobre a própria autora. O número de referências feitas é considerável.

Em texto intitulado “Manifesto da Maçonaria do Brazil”, publicado em edição de 1872, Mme. de Staël aparece entre nomes considerados “os mais distinctos vultos da historia moderna” e que “deixárão documentos honrosíssimos em favor da maçonaria”25. Esses relatos comprovam a importância das ideias de Mme. de Staël para o pensamento nacional ao mesmo tempo em que evidencia a dinâmica das trocas culturais no ambiente intelectual carioca. Vale ressaltar, neste contexto, a importância do periódico fluminense e sua grande circularidade.

A importância de Mme. de Staël nesse quadro mostra-se também através da pluralidade de espaços em que circulam as suas ideias. Com relação a isso, convém mencionar os eventos os quais o jornal designa como “Conferencias populares” e “Conferencia litteraria”. Em edição de 1874, o Commercio sintetiza e divulga a realização de uma conferência na qual o “Sr Dr. Thomaz Alves”, “na augusta presença do S. M. Imperador”,

ocupou-se particularmente com o importante papel que Mme. de Staël representou, já na política, já na literatura do seu tempo. Em política, sustentou os princípios de liberdade, inquietando o poderoso Napoleão I. Na literatura, seus escriptos tornão-se notáveis pela lucidez das idéas e elegância da fórma (JORNAL DO COMMERCIO, 13 de setembro de 1874, p. 4)

Esses registros apontam indícios da recepção de ideias de Staël, ou seja, como a sua fortuna intelectual era entendida e lida, interpretada e apropriada pelos intelectuais no cenário carioca brasileiro. De um lado, destacando o seu papel na política como signo da liberdade; de outro, exaltando o conteúdo e a forma estética de sua literatura. Quatro dias após a realização da Conferência de Thomaz Alves, o jornal publica um breve artigo assinado por uma “Admiradora de Mme. de Staël” elogiando o orador e exaltando a “vastíssima inteligência” de Staël bem como suas “convicções firmes” na política. A autora do artigo chega, por outro lado, a criticar a “indifferença” das mulheres ao ouvirem a conferência sobre a “imortal” Staël, lamentando o atraso no desenvolvimento intelectual do “bello sexo” ao optar pelo cultivo da vaidade e do luxo em detrimento do “amor à sciencia e o culto do gênio”.

Esses registros mostram como a comunidade intelectual carioca estava antenada nas ideias de Mme. de Staël, que aparece, nesse ínterim, como referência intelectual. Em um

48 artigo intitulado “Os theatros do Rio de Janeiro”26, o articulista reporta-se à escritora francesa assim: “‘O gênio não tem sexo’, disse-o Mme. de Staël; as ideias do século, porém, vão mais longe acrescentando: – nem pátria. Com effeito, assim é, ou pelo menos, o deve ser.” Neste trecho, o articulista faz mais do que apenas citar diretamente a autora; ele “completa” a máxima de Staël dando ênfase justamente aos preceitos de liberdade e diálogo entre os sexos e as nações, no que tange à circularidade da cultura naquele momento, uma vez, a propósito, que o artigo trata do contexto dos artistas cariocas. As referências ao pensamento de Mme de