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A presença de Madame de Staël nos escritos dos intelectuais do oitocentos: um

Depois de apresentarmos um rápido panorama sobre a presença de Madame de Staël nas publicações do Jornal do Commercio e nos catálogos de livrarias do Rio de Janeiro, pretendemos agora, apresentar um levantamento de obras que tratam ou que trazem, em alguma medida, as ideias da escritora francesa. Tais obras mostram o diálogo presente entre aquelas ideias e o pensamento dos escritores brasileiros do século XIX. Recorremos ao acervo digital da Bilbioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, cujo repositório possui um acervo diverso e categorizado. Não é nosso intuito apresentar aqui uma pesquisa rigorosa ou um levantamento completo, mas sim, uma visão geral, baseada em várias publicações, às quais tivemos acesso. Assim, buscamos compor um “desenho”, cujos traços ilustrarão caminhos de investigação sobre esse intercâmbio de ideias via material impresso circulando no contexto da sociedade carioca do século XIX. Para uma melhor verticalização no nosso objeto de estudo, deixamos para a próxima parte os escritos de Machado de Assis, razão pela qual, eles não aparecerão no momento.

56 O texto intitulado “Ensaio sobre a Historia da Litteratura do Brasil”42, escrito por Gonçalves de Magalhães, publicado no periódico Nitheroy, Revista Brasiliense: Sciencias, Lettras e Artes, além de citar diretamente Madame de Staël em dois momentos, traz o tom crítico da autora, relacionando a literatura de um povo aos aspectos morais, políticos, espirituais, filosóficos e culturais. Em De l’Allemagne, Staël sistematiza a sua crítica entrelaçando todos esses aspectos e contribuindo para uma historiografia dos povos. Madame de Staël aparece também na obra “Colecção de Algumas Maximas, Sentenças e Pensamentos, Parte fruto da Leitura de Vários Autores, Parte da Meditação do Compilador”43.

Na obra Modulações Poeticas44, de Joaquim Norberto de Souza Silva, publicada em 1841, a menção a Mme. de Staël aparece junto a Chateaubriand, caracterizando ambos como criadores da “nova eschola do christianismo”, e chama-nos atenção o fato de que essa referência se encontra na primeira parte do estudo, intitulada “Bosquejo da Historia da Poesia Brasileira”, o que confirma uma leitura de Staël como fundamento não só do romantismo europeu, mas como referência básica à poesia brasileira. Ora, no prólogo de Olgiato: Tragédia em Cinco Atos45, de Domingos José Gonçalves de Magalhães, também há uma citação direta a Madame de Staël, referenciada à obra De la littérature considérée dans ses rapports avec les institutions sociales. Isso aponta não só a circulação da obra entre esses intelectuais, mas também a apropriação de ideias por parte dos mesmos enquanto leitores da escritora.

Outro estudo crítico que faz referência a Madame de Staël é o volume Estudos Criticos e Litterarios: lance d’olhos sobre a comedia e sua critica – Correspondencia Litteraria46, de Quintino Bocayuva, figura com a qual Machado de Assis manteria proximidade na ideias e amizade pessoal. O citado volume também alude ao par Chateaubriand e Madame de Staël como “dous grandes vultos, recordações vivas e gloriosas da resistência do pensamento livre contra a compressão despotica do poder”. Aqui, mais uma vez, Staël é lembrada pelo caráter engajado da mesma na causa social e humana da liberdade, uma “depositaria augusta das tradicções grandiosas da revolução, a regenéradora” do espirito, a restauradora da liberdade do pensamento e da gloria das letras” (BOCAYUVA, 1858, p. 47).

42 NITHEROY, tomo primeiro, n° 1, Paris, Dauvin et Fontaine Libraires, 1836, p. 130-159 (Acervo Digital

Brasiliana)

43 Rio de Janeiro, Typogfraphia Nacional, 1841, citação na página 38. (Acervo Digital Brasiliana) 44 Rio de Janeiro, Typogfraphia Franceza, 1843, citação na página 50. (Acervo Digital Brasiliana)

45 Rio de Janeiro, Typographia Imparcial de F. Paula Brito, 1841, citação na página 7. (Acervo Digital

Brasiliana).

57 Nísia Floresta tece, em sua obra Opusculo Humanitario (1853)47, diversos comentários sobre Madame de Staël, muitas vezes fazendo um paralelo com a escritora George Sand. Em um desses comentários, Nísia Floresta destaca o aspecto da melancolia, no pensamento staeliano, como incentivo para encontrar a verdade sobre as coisas.

No estudo Physilogia das Paixões e Afecções (1855)48, assinado pelo Dr. A. J. de Mello Moraes, as referências à Baronesa de Staël-Holstein são de cunho mais filosófico e atentam para as reflexões sobre a razão e sobre a alma. O autor da obra referencia a página 45 de Influência das Paixões.

Se vamos encontrar na literatura machadiana, em especial a de sua chamada segunda fase, diferentes aspectos do feminino, quase sempre atrelados à imagem da mulher que luta pelas suas vontades e que emerge perante uma sociedade patriarcal, ou a imagem da mulher forte, enigmática e decidida, convive com essa visão, uma outra, contrária, a da mulher submissa, vivendo à sombra do marido ou do pai. Se uma Corina pode representar uma espécie de embate entre essas duas visões, muitas vezes, o texto de Madame de Staël aparece como modelo de educação da mulher. Na obra Ilustração, Virtudes e Perfeita Educação da Mulher como Mãi, e Esposa do Homem (1853)49, Zaira Americana, pseudônimo de Maria Benedita de Oliveira Barbosa, defende que

Madame de Stael era contra a opinião da emancipação da mulher! Delicada, nobre, virtuosa, não pode viver separada do homem, que deverá sempre ser seu protector, que como Pai, que como Esposo, filho, ou irmão. A Dama delicada precisa encostar-se á coluna protectora, assim como a flôr mimosa á haste que a sustenta (AMERICANA, 1853, p. 136-137)

Esse viés de leitura e compreensão da obra de Madame de Staël será retratado também em textos machadianos da chamada fase romântica, como no conto Felicidade Pelo Casamento (1866), publicado no Jornal das Famílias, periódico com um perfil moralizador e mais direcionado ao público feminino da época. No conto há, ainda, uma referência direta ao romance Corina de Madame de Staël (abordaremos isso mais adiante).

47 Rio de Janeiro, Typographia de M. A. Silva Lima, citação na página 132. (Acervo Digital Brasiliana)

48 Rio de Janeiro, Emp. Typ. Dous de Dezembro de P. Brito, impressor da Casa Imperial (Acervo Digital

Brasiliana)

49 Rio de Janeiro, Emp. Typ. Dous de Dezembro de P. Brito, impressor da Casa Imperial (Acervo Digital

58 No volume intitulado Brasileiras Celebres50, de J. Norberto de Souza Silva, há apenas uma modesta menção a Madame de Staël, mas percebemos claramente uma forma de sistematização e constituição da obra bastante semelhante ao estilo staeliano. Tal como em De l’Allemagne e em Corina ou a Itália, o livro de J. Norberto segue o mesmo estilo ao apresentar no índice os seguintes tópicos: “Introdução Histórica”, I. “Amor e Fé”; “II. Armas e Virtudes”; “III. Religião e Vocação”; “IV. Genio e Gloria”; “V. Poesia e Amor”; “VI. Pátria e Independencia”; “Epílogo: Louvor e Critica”. A proximidade é aparente nos temas abordados e no estilo de composição da obra, organizada em aspectos inerentes a um povo enquanto indivíduo e coletividade.

Em 1868, a Typographia Paula Brito lança à luz um volume com o título Tratado sobre Emancipação Política da Mulher e Direito de Votar, assinado com as iniciais A. R. T. S, que se refere a Anna Rosa Termacsics dos Santos, autoria revelada por estudo de Cristiane de Paula Ribeiro sobre tal obra. O documento reivindica os direitos da mulher defendendo que elas merecem a oportunidade de discutir as decisões políticas da sociedade bem como legislar e governar. O texto atesta a capacidade das mulheres de desempenharem as mesmas funções dos homens e reclama: “[...] dae ás irmãs de Stael a mesma occasião para cultura de espirito que o homem tem: deixae o resultado provar quaes são a[s] sua capacidade [de] intelligencia (A.R.T.S., 1868, p. 10). Como comprovamos, as leituras de Staël variam, ora enfatizando a dependência da mulher ao homem ou ao casamento (como vimos na opinião de Zaira Americana), ora defendendo a emancipação da mulher e o direito de tomar decisões na política.

O volume de poesias Voos Icarios (1872)51, de Rozendo Moniz Barretto faz alusão a uma Corina, nome da personagem mais famosa de Madame de Staël. Embora, esse registro não comprove efetivamente que se trata de uma menção à personagem de Corina ou a Itália, a personagem parece ter inspirado outros poetas, que, como Rozendo M. Barretto e Machado de Assis (nos Versos a Corina), utilizaram seu nome para expressarem seus sentimentos a prováveis admiradoras, opinião esta que é objeto de questionamento de Jean Michel-Massa (2009), da qual trataremos mais adiante.

Outras referências a Staël aparecem em romances. É o caso de Os Dous Amores (1887), de Joaquim Manoel de Macedo, publicado por Garnier. A referência é tímida, mas contribui para esse panorama que desejamos demonstrar. O comentário da personagem

50 Rio de Janeiro, Livraria de B. L. Garnier, 1862. (Acervo Digital Brasiliana)

51 Rio de Janeiro, Imperial Instituto Artistico, 1872. Menção no poema “Extasis”, p. 236. (Acervo Digital

59 Salustiano, “o céo devia ao Brazil uma Staël, uma George Sand” (MACEDO, 1872, p. 101) evidencia a admiração do romancista pela escritora francesa, apontando-a como exemplo ao gênio nacional.

Na famosa obra “Machado de Assis: estudo comparativo de Litteratura Brasileira” (1897), Sílvio Romero faz uso de um comentário de Staël para construir sua crítica sobre o estilo de conversação brasileira, crítica estendida especificamente, aos críticos que defendiam a genialidade e maestria literária de Machado de Assis. De acordo com Romero,

Em um acesso de orgulho nacional, Madame de Staël disse: a conversação com o talento só existe em França. Póde ser. Mas uma cousa é igualmente certa, ou pelo menos provável: a conversação como vicio só existe no Brasil.52

Silvio Romero volta a mencionar Madame de Staël em sua obra intitulada Novos Estudos de Litteratura Contemporanea, de 1898. Neste volume, agora editado por Garnier, o estudioso entende que “O classicismo, para só fallar da poesia, o classicismo da época napoleonica cedeu logo o passo aos primeiros ensaios românticos de Stael e Chateaubriand [...]”. Desse modo, Romero reconhece o papel de Madame de Staël na evolução e na transformação dos preceitos literários. E ainda aponta a litteratura francesa como “nossa mestra”53.

Os poucos registros apresentados neste tópico não são, de forma alguma, os únicos, nem talvez os mais reveladores. Porém sinalizam e comprovam, no campo do trânsito de ideias, o diálogo manifestado através da leitura e da escrita de inúmeros intelectuais brasileiros do século XIX.

Todas essas referências, somadas aos registros comprovados da presença das obras de Madame de Staël em circulação no meio culto carioca, revelam a importância desses escritos para a um pensamento em formação e para uma classe de intelectuais e leitores que, apropriando-se das ideias que transitam por entre jornais, livrarias, anúncios, catálogos, romances, conferências, gabinetes de leitura, bibliotecas e estudos críticos, dialogam com a literatura francesa e com a de outras partes do mundo, como a Alemanha. Nesse contexto, Madame de Staël desempenha um papel de grande importância, pois, além e atuar com pensadora, romancista, espírito aberto ao intercâmbio entre as nações e a defesa dos direitos

52 ROMERO, Silvio. Machado de Assis. Rio de Janeiro, Laemmert e C. – Editores, 1897. Citação na página 222.

(Acervo Digital Brasiliana)

60 individuais através do gênio criador e da instrução, traduz, interpreta e divulga as literaturas além das fronteiras de seu país.

2.5 Reflexos da recepção da obra de Madame de Staël no contexto da conduta moral das