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3 HABILIDADES GERAIS SOB A PERSPECTIVA DA TEORIA DE GALPERIN

3.1 Habilidade enquanto atividade

A concepção de habilidade, segundo a Teoria Histórico-Cultural, se relaciona à categoria atividade24 (considerada categoria central no Materialismo

24 Atividade - processo no qual ocorre a interação sujeito-objeto, Forma de relação dialética entre o sujeito e objeto, onde o sujeito se transforma ao transformar o objeto.

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Histórico Dialético). Dessa forma, para que se possa compreender o conceito de habilidade aqui assumido, torna-se necessário o entendimento dessa categoria.

A atividade traz, incorporada a sua ideia, o principio de que o condicionamento histórico-social do desenvolvimento do psiquismo humano se realiza no processo de apropriação da cultura mediante a comunicação com outras pessoas. Isto é, durante atividade, o indivíduo, em seu relacionamento com os outros, incorpora determinadas atitudes frente à realidade em que está inserido. Esse processo (o desenvolvimento do psiquismo) se efetiva primeiramente na atividade externa (interpessoal) que, em seguida, é internalizada (atividade mental) e, regulada pela consciência, passa a ser intrapsíquica. Para Leontiev (2014), esse fato é inquestionavelmente certo, quando observamos que o interno (intrapsíquico) depende das influências externas precedentes (interpsíquico). Nesse sentido, segundo Davidov (1988) a categoria atividade é a abstração teórica de toda a prática humana universal e por isso tem caráter histórico social. Para o autor, na atividade se esclarece a universalidade do sujeito humano.

Foi A. N. Leontiev quem sistematizou o conceito atividade, na teoria psicológica geral da atividade. Segundo o autor,

Cuando Marx indrodujo el concepto de actividad en la teoria del conocimiento le asignó un sentido rigurosamiente materialista: para él la actividad, en su forma inicial y básica, es la actividad sensorial práctica, durante la cual los hombres se ponen en contacto práctico con los objetos del mundo circundante, experimentan en sí mismos la resistência de esos objetos y actúan sobre ellos, subordinando-se a sus propriedades objetivas (LEONTIEV, 1978, p. 20).

Atividade é compreendida por este autor, como os processos mediantes os quais o indivíduo, respondendo às suas necessidades, se relaciona com a realidade adotando determinadas atitudes para com a mesma. Para ele, a atividade humana é objeto da psicologia, não como parte ou elemento adicional, mas como sua função especial, a unidade central da vida do sujeito concreto. Sua análise estabelece o ponto determinante e o principal método do conhecimento científico do reflexo psíquico da consciência.

Em se tratando do processo de ensino aprendizagem, Núñez (2009) expressa que é pela atividade que o estudante se relaciona com o objeto do conhecimento, se apropria dele e o transforma, transformando-se também. É mediante a atividade de estudo que o estudante assimila de forma subjetiva, ideal, os conceitos, juízos, princípios, leis, etc. (os conteúdos de ensino).

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Seguindo essa lógica, pode-se estabelecer que a atividade é sempre transformadora, pois visa à mudança real ou imaginária do seu objeto que se converte em produto dessa mesma atividade (NÚÑEZ, 2009).

Segundo Petrovsky (1980, p. 160), “La actividad del individuo siempre se realiza dentro de un sistema determinado de relaciones del individuo com otras personas.”

Sobre isso esclarece Leontiev (2014, p. 186), “Apesar de toda sua diversidade, todas as suas características especiais, a atividade do indivíduo humano é um sistema que obedece ao sistema de relações da sociedade. Fora destas relações, a atividade humana não existe”.

Assim, a atividade (sempre social) está relacionada com a interação das pessoas, ou seja, se realiza na relação sujeito-objeto e sujeito-sujeito, mediatizada pelas relações ativas estabelecidas nesse intercâmbio.

Nas proposições de Petrovsky (1980) e Leontiev (2014) é evidenciado o caráter obrigatório da comunicação, dado pela necessidade de satisfação “sensorial”, fonte de informação e estimulação. E nos leva a conceber que a existência social está determinada pela relação que se estabelece entre o sujeito (a personalidade) e o mundo material (com aqueles que o rodeiam), na atividade e na comunicação. É essa interação que permite o desenvolvimento do sujeito mediante a apropriação da experiência sócio-histórica em que ele está imerso.

A atividade pressupõe uma estrutura geral composta por características ou componentes centrais, são eles: orientação (componente estrutural) que guia o objetivo que se quer alcançar, execução (componente funcional) que desenvolve a independência cognitiva e controle (componente regulador) que oferece os elementos para alcançar o objetivo e estimular a realização da atividade. Cada um desses componentes se relaciona e completa o outro. Em se tratando de orientação, a atividade compreende as necessidades, os motivos, o objeto e as tarefas (condições – ferramentas); em se tratando de execução, a atividade é constituída pelas ações e suas operações; e o controle regula a qualidade da atividade que está diretamente relacionada ao objetivo e aos indicadores qualitativos da ação. Esse componente tem um significado importante na atividade cognoscitiva e pode ser coletiva ou individual, oral ou escrita e objetiva alcançar o autocontrole (momento superior de independência cognoscitiva).

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A característica constitutiva fundamental da atividade é sua natureza objetal. Segundo Núñez (2009), o objeto da atividade é para onde é dirigida a ação. Constitui a matéria prima necessária para que o sujeito da atividade possa obter um produto determinado. Nesse caso, em uma atividade de aprendizagem, o objeto da atividade é a aprendizagem, é para onde ela é dirigida. Em essência, segundo González Serra (2000), a aprendizagem ocorre quando uma determinada estruturação psíquica engendra processos e reflexos que conduzem à satisfação das necessidades e em consequência, esses processos e reflexos se afixam, se consolidam.

Em termos próprios, segundo Leontiev (2011), o objeto da atividade é sua motivação, ou seja, não existe atividade sem uma motivação e essa se relaciona ao objeto. Esses motivos, segundo Núñez (2009), têm que existir no sujeito e têm sua origem em uma necessidade. Esta determina a direção do comportamento para os objetivos apropriados a sua satisfação.

A psicologia Histórico-Cultural entende necessidade como um estado de carência do indivíduo que o leva à atividade. Essa atividade tem como meta a satisfação do indivíduo e depende das condições existentes para tal. Com base nesse entendimento se pode distinguir dois gêneros de necessidade a nível da vida psíquica:

a) As necessidades que não estão mediadas pelos objetos e se realizam em determinada função do organismo.

b) As necessidades que são satisfeitas com a ajuda de objetos.

De acordo com a teoria da atividade (LEONTIEV, 1978), todo indivíduo nasce dotado de necessidades. Mas estas, como força interna, só podem realizar-se dentro da atividade. Assim, a necessidade se manifesta como uma premissa, uma condição para a atividade. Mas por si só, como fenômeno puramente interior, não dirige nem orienta o sujeito, somente o faz agir. No momento que o sujeito começa a agir, devido seu contato com o mundo objetal (encontro da necessidade com o objeto), imediatamente se opera uma transformação na necessidade, deixando de ser o que era em si, para transformar-se em outro fenômeno (motivo), que é o que permite impulsionar e orientar a atividade. Desta forma, quanto mais avança o desenvolvimento da atividade, mais sua premissa se transforma em resultado. Isto significa que o encontro da necessidade com o objeto potencialmente capaz de satisfazê-la (que gera o motivo), já é a própria atividade.

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Para Leontiev (1978), o encontro da necessidade com o objeto é um fato extraordinário, é a objetivação da necessidade, de complemento da mesma com um conteúdo, que é retirado do mundo circundante e dirige a necessidade a um nível psicológico propriamente dito.

Sucede que en el próprio estado de necessidade del sujeito no está rigorosamente registrado el objeto que es capaz de satisfacer la necessidade. Hasta la primera vez que és satisfecha, la necessidade “no conece” su objeto, éste aún debe ser descubierto. Sólo como resultado de esse descubrimiento, la necessidade adquiere su objetividade y el objeto que es percebido, adquiere su atividade estimuladora y orientadora de la función, se convierte en motivo. (LEONTIEV, 1978, p. 146).

Desta forma, atrás de qualquer objetivo se encontra um motivo (TALÍZINA, 2000). Mas, mesmo que o homem se dê conta de seu objetivo na realização de uma atividade, pode não acontecer o mesmo com o motivo. Para a autora, normalmente a atividade do homem se caracteriza por ser poli motivacional, ou seja, é impulsionada por vários motivos. Devido a isso, alguns motivos formam os sentidos, enquanto os outros realizam o papel de motivos – estímulos. Ambos os tipos de motivo podem ser conscientes e atuar sem que seja descoberta sua função pelo sujeito.

A psicologia soviética define motivo como o reflexo subjetivo da possibilidade do sujeito alcançar um determinado objetivo necessário. Assim, o motivo incorpora a tensão ativa das necessidades que atuam sobre o sujeito, as quais, dirigidas por este dito objetivo, impulsionam a atividade para que este seja alcançado. Ou seja, podemos entender os motivos como sendo a resultante de um sistema de forças (as necessidades) que atuam sobre um determinado objetivo (meta).

Os motivos podem diferenciar-se atendendo a distintos critérios, dentre eles evidenciam-se os classificados por seu conteúdo, que podem ser cognoscitivos, laborais, artísticos, etc.

Os motivos da atividade escolar, que se encontram nos motivos cognoscitivos, classificam-se em externos e internos. Segundo Talízina (2000), os motivos externos são aqueles que não se relacionam com os conhecimentos que se assimila, nem com a atividade que se realiza. São, portanto, aqueles em que a aprendizagem pode servir como um meio para alcançar outros objetivos – como, por exemplo, ser reconhecido por sua sapiência. Na motivação interna, o interesse cognitivo, relacionado com o objeto dado, serve como motivo. Nesse caso, a

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atividade de aprendizagem satisfaz a necessidade cognitiva de maneira imediata. Mas, alerta a autora, a motivação para a aprendizagem, motivação cognitiva, na perspectiva da psicologia soviética, deve estar sempre submetida à motivação social, ou seja, o sujeito deve desejar conhecimentos para ser útil à sociedade.

Em se tratando dos componentes funcionais, a atividade é composta de: ações e operações, que se relacionam de maneira hierárquica e independente. Leontiev (2011) diferencia atividade, ação e operação quando analisa a estrutura da atividade especificamente humana. Segundo o autor, por ação se entende um processo subordinado à ideia de meta a se alcançar (um processo subordinado a uma meta executada conscientemente). Como operações, denominamos as formas de executar uma ação, e estas estão relacionadas às condições.

Assim, podemos relacionar os componentes funcionais e estruturais, da atividade, da seguinte forma, segundo o quadro 2:

Quadro 2 - Componentes funcionais

ATIVIDADE MOTIVAÇÃO

AÇÃO META (objetivo)

OPERAÇÃO CONDIÇÃO

Fonte: Maria da Glória Albino

Segundo Leontiev (2011), a atividade está constituída de ações, mas as ações não são particularidades que estão incluídas na composição de uma determinada atividade. Isto porque existe uma independência entre elas. Uma mesma ação pode realizar diferentes atividades, passar de uma atividade a outra.

Uma ação pode ser induzida por diferentes motivações, quer dizer, realizar atividades completamente distintas. E o contrário também pode acontecer, uma mesma motivação pode gerar diferentes metas e, consequentemente diferentes ações. Assim, qualquer processo concreto, tanto interno quanto externo, é atividade humana do ponto de vista da motivação; e uma ação ou um sistema de ações, são do ponto de vista da meta.

Desta forma, a ação é considerada a unidade da atividade humana, uma vez que contém todas as características essenciais da psique humana. É a menor parte que inclui todos os elementos do objeto de estudo (da atividade). Na ação são identificados os elementos estruturais invariantes, o motivo (objetivo), o objeto da

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ação, a base orientadora da ação, as operações e os seus meios de execução (GALPERIN, 2011c).

Para Galperin (2011c), toda ação se caracteriza antes de tudo pelas variações que produzem em seu objeto e pelo resultado a que conduz. A ação mental se caracteriza, então, por sua variação determinada e por seu caráter dirigido a um objeto mental. Por isso é que a ação mental pode ser determinada como a habilidade de realizar mentalmente uma transformação determinada do objeto.

Leontiev (1978) entende que a atividade teórica interna e a atividade prática externa mantêm a mesma estrutura geral. A atividade interna se origina a partir da atividade prática externa, não se separa dela, mas conserva uma relação fundamental e bilateral com a mesma.

Em sendo o objeto da atividade pedagógica a transformação dos indivíduos no processo de apropriação dos conhecimentos, materializa-se por meio dessa ação, que é teórica e prática, a necessidade humana de apropriar-se dos bens culturais como forma de promoção humana.

Segundo Núñez (2009), o processo de ensino e aprendizagem que possibilite a formação do aluno com base num processo de atividade como um sistema que inclui um conjunto de ações e finalidades conscientes, na qual coincidem os motivos com os objetivos de aprender, poderá permitir a aplicação do conhecimento assimilado na solução de tarefas determinadas, com o objetivo de proporcionar conhecimentos e habilidades vinculados à vida e às necessidades do aluno no seu contexto sócio histórico. Assim, “Uma habilidade pode ser considerada um tipo de atividade, uma vez que é um processo de solução, pelos estudantes, de uma situação- problema, motivados por um objetivo, cuja solução está orientada.” (NÚÑEZ; RAMALHO 2011, p. 87).

Em Núñez (2009), a Teoria da atividade desenvolvida por A. N. Leontiev (intitulada como teoria da atividade Histórico-Cultural por A. A. Leontiev e D. A. Leontiev – respectivamente, filho e neto de Leontiev), se apresenta como um recurso metodológico importante para o planejamento de estratégias de ensino. (O autor, assim como Quitanar Rojas e Solovieva (2011), integra também, nessa afirmativa, a teoria de Galperin). A Teoria possibilita uma análise do conteúdo da atividade da aprendizagem, ao delimitar a estrutura de seus componentes principais e as relações funcionais que entre eles podem estabelecer-se. Segundo Núñez (2009), o objetivo do processo de ensino e aprendizagem, nessa perspectiva, é

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garantir a assimilação da atividade, que o aluno deve desenvolver para a aprendizagem de determinado conhecimento (conceito, habilidade, valor).

Nesse sentido, assumir o processo de ensino e aprendizagem de uma habilidade como atividade, segundo a interpretação marxista atribuída por Leontiev, significa considerar o conhecimento como produto da atividade humana. Em cada conceito, ensinado/aprendido, está incorporado o processo sócio histórico de sua produção (ação). Desse modo, o encaminhamento teórico-metodológico do ensino deve respeitar o aspecto lógico-histórico do conhecimento que contempla, de forma articulada, o lado histórico do conceito, bem como a sua lógica, sua essência.

Nessa perspectiva, o tipo de pensamento que o ensino permite o estudante desenvolver, pode revelar como o conhecimento é apropriado dentro do ambiente de sala de aula. Isto significa que o objeto do conhecimento dos aprendentes deve ser considerado em seus dois aspectos: o plano da orientação e o operativo. Isto porque é no plano operativo que se revela a atividade cognoscitiva dos alunos, e que pode ocorrer a mudança do pensamento empírico para o teórico.

Para Núñez e Farias (2013), diferentemente do behaviorismo, para o qual se privilegia a parte executiva da atividade, a perspectiva de ensino histórico cultural (nas contribuições dadas por Galperin) enfatiza a importância da orientação que o sujeito constrói para a atividade, que determina, entre outros fatores, a qualidade da aprendizagem.

Sobre a orientação explicita Galperin (1976, p. 85), “En su aspecto pisocológico la verdadeira orientación activa caracteriza a todas las formas de actividad psíquica, y éstas a su vez constituyen distintas formas de orientación del individuo en las diferentes situaciones vitales.”

Em Galperin (2011c), o ponto central da aprendizagem é a atividade do próprio educando que deve ser realizada de forma relativamente independente. O objeto da direção do estudo consiste, então, em selecionar a ação necessária e organizar sua execução de tal forma que se garanta a formação dos conhecimentos e as habilidades com a qualidade requerida. Para o autor, selecionar a ação necessária significa, antes de tudo, revelar o conteúdo concreto do processo, com a ajuda do qual se alcança o resultado desejado.

Segundo Talízina (2009), na escola psicológica de Galperin o sistema de ações que conduz a solução de um problema se determina como atividade correspondente ao problema. Isso significa dizer que atividade é o processo que é

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realizado devido a um motivo e se estrutura em ações e operações que orientam o sujeito para a realidade segundo um objetivo e não aquele que ocorre como reflexo desse mesmo processo.

Desta forma, sendo as habilidades escolares o resultado da sistematização das ações subordinadas a um objetivo de forma consciente, pode-se compreender, segundo Petrovsky (1980), as habilidades como tipos de atividades que demandam o domínio de um sistema de operações contido nos conhecimentos. Isto justifica que as habilidades não se formam, segundo Núñez, Ramalho e Oliveira (2015), num vazio, estão sempre apoiadas em conhecimentos conceituais aos quais estão intimamente associadas como uma unidade (conceito-ação).

Assim, as habilidades se formam sobre a base da sistematização das ações que os aprendentes desenvolvem durante o processo de aprendizagem, e dialeticamente, as ações se constituem em habilidades e são expressões do desenvolvimento dessas, quando os aprendentes podem operar com os diferentes conhecimentos de maneira consciente. De outra forma, a partir da psicologia histórico cultural, o conhecimento é o objeto com o qual o homem atua e a habilidade é a atuação do homem (o saber fazer).