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O RASTO DO PEETI/PETI

pública, etc., etc. Todos estes profissionais estão muitas vezes a fazer intervenção social nesta perspectiva dos cuidados de pro- ximidade.

Seguidamente, nós encontramos uma área que se identificou so- bretudo nos últimos anos - e eu penso que a União Europeia con- tribuiu muito para isto -, que é uma área de observatório social, isto é, há um determinado tipo de intervenção que procura sobre- tudo visibilizar situações para ajudar os que estão nos cuidados de proximidade a fazerem melhores práticas. É um trabalho mui- tas vezes praticado por antropólogos e sociólogos, que ajuda a fazer melhores diagnósticos de recursos e necessidades sociais. Uma terceira área de intervenção social, para a qual também muito contribuiu a União Europeia, é uma área que apelidamos de laboratório social, onde se vão experimentar novas práticas e politicas inovadoras sobre o ambiente controlado e despendendo alguns recursos que não se despenderiam de outra maneira em práticas quotidianas para, se resultar, se poder passar a rotinas. Finalmente, temos acções de política social, que tem a ver com uma intervenção tendencialmente geral, abstracta e tipificada numa perspectiva mais Macro e mais Meso. Não vos vou maçar com isto, dado que este modelo me serviu sobretudo para eu colocar quatro questões guia.

No fundo, que eu procurei foi em primeiro lugar perceber se, em termos do observatório social, o PETI trouxe algum valor acres- centado de conhecimentos sobre o trabalho infantil em Portugal. A segunda questão, esta em termos de laboratório social, con- sistia em saber se a experiencia acumulada pelo PETI permitiu experimentar novas práticas e avaliar essas novas práticas. A terceira questão guia era relativamente aos cuidados de proxi- midade. Poderá ser a experiência do PETI reproduzida no futuro noutros contextos sobre a forma de práticas, técnicas de elevada qualidade?

Finalmente, em matéria de políticas públicas, eu interroguei-me se a experiencia de concepção e execução de políticas do PETI poderá servir de exemplo à concepção e execução de políticas públicas noutros domínios?

Eu poderia lidar com algum atrevimento nas perguntas, uma vez que eu não era do PETI. Em suma, o que eu pretendia no fundo era perceber se o PETI contribuiu para a criação de um modelo de intervenção social transferível - e a questão da transferibilidade era para mim fundamental -, para a prevenção e combate a outros problemas sociais

Pus mãos à obra, e os rastos que eu encontrei, encontrarão mais detalhadamente no capítulo do livro, que eu não vos vou maçar muito, mas gostava de vos dizer desde já algumas coisas. Do meu ponto de vista um claro indício da constituição de um ob- servatório social oficial sobre o problema do trabalho infantil, foi a realização de um inquérito à caracterização social dos menores em idade escolar e suas famílias, em Outubro de 1998, e já aqui falado várias vezes ao longo dos nossos trabalhos.

Os resultados desse inquérito foram desde logo bastante inte- ressantes e elucidativos porque puseram o problema nos seus devidos parâmetros. Inicialmente falava-se em 200.000 crianças

com trabalho infantil exploradas em Portugal, e a partir do inqué- rito chegou-se à conclusão que não eram 200.000, mas apenas 40.000. Isto naturalmente não serve para branquear os proble- mas, serve para dar credibilidade aos problemas.

Eu tenho encontrado muito, em muitas situações e por esse mun- do fora, este fenómeno de excessivo alarmismo sobre os pro- blemas sociais. Recordo-me, por exemplo, nos anos 80, que o mesmo se passou relativamente às crianças de rua. A própria UNICEF foi enganada pelas Organizações Governamentais e Não Governamentais, com o intuito de arranjarem mais financiamento para os projectos, multiplicando por 10 os números, o que veio a ser verificado com inquéritos fidedignos.

Eu penso que uma primeira questão interessantíssima deste Pro- grama foi dar visibilidade à situação e pôr o problema que era grave, nos seus devidos parâmetros.

Seguidamente, fui encontrar vários rastos como observatório: de- pois deste realizou-se um segundo inquérito pelo SIETI. Entre os 2 inquéritos foi criado este sistema de estatísticas específico, de forma a se objectivar com muito mais rigor a situação. O SIETI prestou valiosíssimos serviços, entre os quais o avanço com o segundo inquérito.

Observei também uma série de outros rastos como, por exemplo, a realização de inúmeros eventos (de que falaremos em breve), referências em notícias, edição de publicações e a chamada lite- ratura cinzenta.

De acordo com os dados que me foram fornecidos, encontrei 438 unidades de informação, entre notícias, crónicas, reportagens, ao longo destes 10 anos, sendo que, parte significativa dessas uni- dades de informação surgiram nos últimos anos. Isso significa, do meu ponto de vista, que houve um crescente cuidado por parte do PETI, em visibilizar nos média a questão do trabalho infantil, ou segunda hipótese, que os meios de comunicação social co- meçaram a acordar. Provavelmente aconteceram as duas coisas. Os media acordaram também porque a informação está, em par- te, associada à realização de conferências, de âmbito nacional e internacional organizadas pelo PETI, e eu penso que isso foi um rasto efectivo que se deixou…

E isto é uma boa prática relativamente a projectos deste género, isto é, deve se ir divulgado as acções de modo a que a opinião pública vá mastigando esta informação. Isto foi o que aconte- ceu.

Encontrei também algum rasto do PETI nas representações que este projecto teve nos vários eventos no estrangeiro, em diversos continentes, em países como o Japão, a Holanda, a Itália, a Islân- dia, a França, a Eslovénia, a Espanha, e no Mónaco. Isto é muito importante porque nós não somos um país à beira-mar plantado, orgulhosamente sós, como já fomos. Estamos na Europa, pelo que é extremamente importante partilharmos com os outros os nossos problemas e também os nossos êxitos.

Procurei igualmente perceber que tipo de órgãos de comunica- ção social é que noticiaram o PETI. Verifiquei que felizmente to- dos os suportes foram utilizados, e que os suportes online foram cada vez mais utilizados. Isto é uma lição para outros projectos de intervenção social. É extremamente importante sabermos utili- zar as novas tecnologias para que a imprensa online possa utilizar

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as nossas informações. É claro que a informação veiculada pelos media muitas vezes tem um êxito e um impacte assinalável, mas tem uma vida efémera, pelo que é preciso alguma publicação de fundo, que tenha uma vida maior para deixar um rasto de uma determinada prática.

Nesse sentido, eu encontrei várias publicações – publicações de muito boa qualidade, algumas delas de altíssima qualidade -, edi- tadas pelo PETI, quer em meio académico, quer em meio extra académico, que são um legado importante para os futuros profis- sionais poderem meditar sobre este tipo de problemática. Para além destas, não podia deixar de vos falar também da litera- tura cinzenta. A literatura cinzenta é uma das áreas mais promis- soras na investigação documental, porque é constituída por um conjunto imenso de relatórios de investigação em sede académi- ca de teses de mestrado, teses de doutoramento, relatórios de estágio. Muito deste material não é publicado e não estava, até há pouco tempo, à disposição dos investigadores. Mas graças à sociedade de informação e às novas tecnologias, hoje é muito mais fácil consultarmos esta material que tem a enorme vantagem de ser literatura validada. Isto é, tem sensivelmente a mesma va- lidação das revistas científicas com referee, porque normalmente uma tese de mestrado ou de doutoramento passou por um júri, pelo que é, normalmente, material de alta qualidade. O PETI per- mitiu a criação e a compilação de um grande rasto de literatura cinzenta - contabilizei 126 relatórios de estágio -, de variadíssi- mas instituições educativas, o que é indicativo de que o PETI le- vou até longe a sua perspectiva interdisciplinar, o que é altamente louvável. Para além dos cursos de intervenção social tradicionais, o PETI abriu as suas portas a cursos de animação sociocultural, ciências da educação, educação social, psico-pedagogia curati- va, psicologia, etc., e isto é extremamente interessante. Para além destes estágios o PETI também tem produzido, tanto quanto eu sei, teses de mestrado, e vai produzir em breve teses de doutora- mento. O PETI teve esta enorme vantagem: produziu uma bola de neve de conhecimentos. Mas não foi só isto, não foi só este tipo de rasto que eu encontrei.

Como laboratório social, eu encontrei sobretudo dois rastos importantes. Em primeiro lugar, a medida PIEF que, considero, sobretudo nos alerta para a necessidade da inclusão social não poder ser só educativa, nem só social, tem que ser as duas coi- sas. Por outro lado, veicula a ideia de que é preciso intervir em situações específicas de uma maneira fortemente personalizada. O Secretário de Estado, ontem, referiu a importância da indivi- dualização da intervenção. Isto é muito importante porque é um raciocínio que não é nada tecnocrático, porque isto custa dinhei- ro. Só que é investimento, não é custo. Eu penso que foi muito importante a medida PIEF trazer este facto ao de cima. Por outro lado, o PETI também foi laboratório social, na medida em que promoveu, extraordinariamente, centenas e centenas e centenas de parcerias.

Esta questão das parcerias é uma questão perfeitamente decisiva no mundo em que estamos. A palavra parceria é uma palavra que está moda o que, como sabem, é muito perigoso. As pessoas falam muito de parceria mas não sabem trabalhar em parceria, pois para se trabalhar em parceria é fundamental perceber o que significa. «Parceria» vem de par, o que significa que só poderá ha- ver parceria quando houver uma gestão democrática, quando os parceiros saírem do seu narcisismo institucional e souberem tra-

balhar de mãos dadas. Tudo isto implica uma autêntica revolução nas práticas e eu penso que foi muito útil o PETI ter promovido todas estas parcerias no terreno, porque foi um serviço não só que prestou às crianças, mas foi sobretudo um serviço que pres- tou à sociedade civil porque obrigou a sociedade civil a deixar de trabalhar de costas voltadas e a dar-se as mãos para resolverem problemas concretos.

Eu penso que isto foi de facto muito importante como medida de laboratório social. Nós encontramos número de protocolos de PIEF sempre a subir, portanto houve de facto um conjunto de parcerias crescente, houve uma enorme diversidade de parcerias que eu encontrei na documentação estudada, o que mostra que de facto foram convocadas todas as agências necessárias a cada problema da sociedade civil, e isso do meu ponto de vista é ex- tremamente importante.

Gostava de vos dizer que quando as acções são muito boas e quando se assumem como um laboratório social, por vezes, esta noção de laboratório social tem um efeito perverso que é a não sustentabilidade. Ou seja, um laboratório social para funcionar bem, para dar fruto, tem que morrer como laboratório social e tem que penetrar depois nas estruturas da rotina quotidiana. Ora, do meu ponto de vista foi um pouco isso que aconteceu também no trabalho do PETI. Isto é, não se limitou a fazer experiências, mas foi entrando no quotidiano dos vários serviços e dos vários parceiros.

No PETI, encontrei registo de mais de 12.000 actos técnicos e administrativos por todo o território, o que mostra bem o trabalho que houve em termos de cuidados de proximidade, actos que abrangiam desde a prevenção primária, secundária e terciária, à formação, e avaliação, etc., etc.

As políticas públicas era o quarto elemento do meu modelo de análise, e aí encontrei efectivamente rastos do PETI nas várias politicas públicas, nos diversos diplomas que foram produzidos com a aplicação em todo o território nacional, na articulação da administração pública e na execução desses diplomas.

Tudo isto deixou um rasto duradouro em matérias de políticas públicas, quer em termos de conteúdos dessas políticas, quer em termos de procedimentos de preparação tomada e execução de decisões.

Para terminar, eu diria que o PETI deixou inúmeros rastos. Em primeiro lugar, como observatório social, deixou um rasto na consciência social, um rasto de natureza teórica e de natureza ética que se traduziu nos inquéritos, nos estudos que promoveu, nos eventos, nas publicações e na literatura cinzenta, que aqui vos descrevi.

Também deixou um rasto em termos de laboratório social, sobre- tudo através da medida PIEF e das parcerias. Deixou um rasto nos cuidados de proximidade, em variadíssimas áreas do traba- lho infantil: trabalho doméstico, domiciliário, trabalho perigoso, trabalho com minorias, trabalho procurando ver as esfericidades de género, trabalho infantil nos espectáculos, na moda e da pu- blicidade.

Finalmente, deixou rasto nas políticas públicas quer no processo de as produzir, isto é, no referido processo de preparar, tomar

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ENCERRAMENTO

e executar decisões, quer nos próprios conteúdos das políticas públicas relativamente ao trabalho infantil.

Não será de negligenciar a articulação internacional desde o prin- cípio que o PETI teve, com a OIT, com a CPLP, o Concelho da Europa e com outros fora internacionais.

Gostava de vos dizer que esta opinião que acabo de vos transmi- tir como investigador, como académico, com um olhar exterior ao PETI, não é exclusivamente minha. Ontem, ouvimos o Secretário de Estado e parece ser também a sua opinião, de tal maneira que defendeu a continuidade do PETI, naturalmente com novas responsabilidades, pelo que percebi.

Para terminar: estou a ler um livro do Barak Obama que se chama «A Audácia da Esperança». Eu desejo as melhores felicidades ao PETI e espero que continuem a ter esperança e desejo que sejam audazes.