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HISTÓRICO DOS ESTUDOS SOBRE FORMAS DE RELEVO E DEPÓSITOS CONTINENTAIS QUATERNÁRIOS NO TERRITÓRIO

SUMÁRIO

2. AS PESQUISAS SOBRE O QUATERNÁRIO CONTINENTAL NO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL E NA BACIA DO RIO

2.1. HISTÓRICO DOS ESTUDOS SOBRE FORMAS DE RELEVO E DEPÓSITOS CONTINENTAIS QUATERNÁRIOS NO TERRITÓRIO

SUL-RIO-GRANDENSE

Os estudos sobre o Quaternário no Estado do Rio Grande do Sul são relativamente recentes e vêm sendo desenvolvidos principalmente no domínio da Planície Costeira. Desde a fundação do Centro de Estudos de Geologia Costeira e Oceânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (CECO/UFRGS) no ano de 1969, essa vasta área de terras baixas e lagunas costeiras foi tema para diversos projetos de pesquisa, dissertações de mestrado e teses de doutorado (VILLWOCK & TOMAZELLI, 1995, p. 5). A síntese dessa produção científica e o mapeamento geológico-geomorfológico sistemático são os fundamentos do esquema de evolução paleogeográfica da Planície Costeira do Rio Grande do Sul, proposto por Villwock (1984), Villwock et al. (1986) e Villwock & Tomazelli (1995). Nesse modelo, dois tipos de sistemas deposicionais são distinguidos: 1) um sistema de leques aluviais; e 2) quatro sistemas transgressivo-regressivos “laguna-barreira”. Apesar da escassez de dados geocronológicos – sobretudo para os depósitos considerados mais antigos – cada sistema deposicional do tipo “laguna- barreira” é correlacionado com estágios isotópicos marinhos de oxigênio ao longo dos últimos 400.000 anos (VILLWOCK & TOMAZELLI, 1995, p. 23).

O panorama das pesquisas sobre formas de relevo e depósitos quaternários no interior continental do Rio Grande do Sul é bastante diferente. Menos numerosos, esses trabalhos não têm caráter sistemático – são descontínuos, tanto na escala temporal, como na distribuição espacial pelo território sul-rio-grandense. Os estudos de Leinz (1948), que fez considerações sobre a fossa tectônica do Rio Camaquã na área do Passo do Mendonça, e de Setzer (1951), que investigou a origem das terras pretas nos municípios de Bagé e Uruguaiana, estão entre as primeiras contribuições para o conhecimento da evolução de ambientes continentais durante o Quaternário neste Estado. A partir do ano de 1957, com a criação da Escola de Geologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, vários professores do exterior vieram atuar nas áreas

de Geomorfologia, Estratigrafia, Sedimentologia e Geologia Histórica (VILLWOCK & TOMAZELLI, 1995, p. 4). Tal iniciativa também promoveu o intercâmbio de ideias com pesquisadores de outras universidades brasileiras, incentivando a realização de diversos estudos nas décadas de 1960 e 1970, como será apresentado a seguir (Fig. 1).

Figura 1 – Unidades geomorfológicas do Estado do Rio Grande do Sul e localização aproximada das áreas estudadas nos trabalhos abordados no histórico a seguir.

Ao percorrerem o Escudo Sul-Rio-Grandense – conhecido na região como “Serras do Sudeste” – junto à margem ocidental da Laguna dos Patos, Andrade et al. (1963, p. 128) reconheceram três superfícies de aplainamento (Pd1, P2 e P1) esculpidas em rochas cristalinas do Pré-

Cambriano e associadas com pedimentos detríticos e depósitos correlativos. O pediplano Pd1, que se situa entre 60 e 80 m de altitude,

se caracteriza por depósitos de cascalhos, em contraste com o material argiloso do pedimento P2 (40 a 50 m) e o arcósio do pedimento P1 (20 a

25 m). Tais eventos de pedimentação também estariam registrados na vertente setentrional do Escudo, entre os municípios de Porto Alegre e Cachoeira do Sul, setor em que os níveis de pedimentos teriam sua gênese relacionada a fases de erosão controladas pelo Rio Jacuí. Essas morfologias seriam geradas sob condições climáticas semiáridas, que se alternaram no decorrer do Cenozóico com períodos de climas úmidos, marcados por processos de mamelonização do relevo (ANDRADE et al., 1963, p. 129).

Morris (1963) propôs a denominação Formação Gravataí para os depósitos que recobrem elevações de topos planos, correlacionadas com remanescentes de pedimentos rochosos, na parte leste da Depressão Periférica, próximo à cidade de Gravataí. Essa unidade, que atinge espessuras entre 10 e 15 m, é constituída por: seixos e matacões angulares e subarredondados de litologias diversas – arenito, basalto, folhelho – com crostas ferruginosas associadas; areia levemente cimentada por óxido de ferro; e argila. Provavelmente, esses sedimentos foram depositados por cheias rápidas (flash floods) e lavagem em lençol (sheet wash) em ambiente de bacia restrita (bolson), sob condições climáticas áridas ou semiáridas, durante o Terciário Superior ou Quaternário Inferior (MORRIS, 1963, p. 28-29). Embora tenha apresentado evidências de que a Formação Gravataí é cortada por falhas, Morris (1963, p. 28-29) não conseguiu definir se tais feições são recentes, ou se foram reativadas recentemente. Na opinião dele, a atividade tectônica que gerou essas falhas – o arqueamento do Escudo Sul-Rio-Grandense – também teria relação com a mudança para o clima úmido atual.

Baseado em critérios geomorfológicos e sedimentológicos, Delaney (1965) definiu uma série de unidades estratigráficas da Planície Costeira do Rio Grande do Sul e reuniu-as no Grupo Patos. Duas unidades têm relação com a evolução de ambientes continentais durante o Pleistoceno: 1) a Laterita Serra de Tapes; e 2) a Formação Graxaim. A unidade edafoestratigráfica Laterita Serra de Tapes ocorre na vertente oriental da serra homônima, que é parte do Escudo Sul-Rio-Grandense.

A laterita apresenta cor de amarela a avermelhada, com nódulos e concreções de hidróxido de ferro (DELANEY, 1965, p. 74). Sua formação provavelmente tenha ocorrido sob clima quente e úmido, com períodos secos, durante interglacial no Pleistoceno Inferior. A Formação Graxaim abrange espessos depósitos continentais a oeste da Laguna dos Patos, que são constituídos por areia, silte, cascalho e argila, derivados de rochas graníticas do Escudo Sul-Rio-Grandense (DELANEY, 1965, p. 76). A idade da Formação Graxaim foi atribuída ao Pleistoceno Médio; o arcósio teria sido depositado em período glacial, com nível do mar baixo e sob condições climáticas semiáridas e frias, caracterizando ambiente de estepe (DELANEY, 1965, p. 78).

Bigarella & Andrade (1965) dividiram a Formação Graxaim em três unidades, geradas por processos de morfogênese mecânica durante as grandes glaciações do Hemisfério Norte, e separadas por discordâncias erosivas originadas sob condições climáticas úmidas. A Formação Graxaim III corresponderia ao desenvolvimento do pediplano Pd1 (glaciação Nebraskan), enquanto as unidades II e I da formação

teriam sua deposição relacionada à gênese dos pedimentos P2 (glaciação

Kansan) e P1 (glaciação Illinoian), respectivamente (BIGARELLA &

ANDRADE, 1965, p. 446). A última glaciação (Wisconsin) seria assinalada por extenso paleopavimento detrítico, que apresenta nível de material rudáceo com espessura variada; tal feição indicaria a vigência de clima menos rigoroso do que aqueles característicos das fases de pedimentação anteriores. O paleopavimento detrítico geralmente está coberto por depósitos coluviais e solos atuais (BIGARELLA & ANDRADE, 1965, p. 443).

As superfícies aplainadas do Rio Grande do Sul foram caracterizadas por Ab’ Saber (1969); destas, duas superfícies interplanálticas – a Superfície da Campanha e a Superfície de Gravataí – são fundamentais para compreender a evolução do relevo regional no final do Terciário e no Quaternário. A Superfície da Campanha é bem desenvolvida na Depressão Periférica gaúcha, que se localiza entre o Escudo Sul-Rio-Grandense e o Planalto Meridional. Conforme Ab’ Saber (1969, p. 10), a altitude média dessa superfície varia de 200 a 220 m nas bordas, e de 140 a 180 m na porção central. De idade pliocênica, a Superfície da Campanha teria sido formada inicialmente por circundenudação na borda da Bacia do Paraná, sob clima úmido, seguida por prolongado período de pediplanação, sob condições climáticas secas. Apesar da existência de pedimentos rochosos preservados, não ocorrem depósitos correlativos sobre o topo das coxilhas que representam os remanescentes de tal superfície (AB’

SABER, 1969, p. 12); a Superfície da Campanha corresponderia ao pediplano Pd1. Na parte leste da Depressão Periférica, encontra-se a

Superfície de Gravataí, com altitude média entre 50 e 60 m. Esse aplainamento pós-pliocênico, gerado em clima semiárido, tem como depósito correlativo a Formação Gravataí (AB’ SABER, 1969, p. 12- 13); a Superfície de Gravataí constituiria o pedimento P2.

Ao mapear o setor norte da Planície Costeira do Rio Grande do Sul, Jost (1971) redefiniu a sequência estratigráfica proposta por Delaney (1965). A Formação Graxaim passou a ser considerada como a unidade mais antiga do Grupo Patos, estendendo-se do Plioceno ao Pleistoceno Superior. Além disto, Jost (1971, p. 40) reconheceu duas fácies sedimentares distintas, imaturas em termos mineralógicos e texturais: 1) a fácies conglomerática, situada no sopé da vertente oriental do Escudo Sul-Rio-Grandense; e 2) a fácies areno-síltica, típica da planície próxima à Laguna dos Patos. Os depósitos rudáceos representariam sistema de leques aluviais e rios entrelaçados, que atravessavam extensa planície quando o nível do mar estava baixo; a sedimentação do material areno-síltico teria ocorrido em ambientes lagunares e planícies de inundação. A Laterita Serra de Tapes consiste em paleossolo com os horizontes B e C preservados e é encontrada em altitudes inferiores a 100 m. Essa unidade teria sido formada em clima úmido, desde o final do Terciário até a metade do Holoceno; sob condições climáticas áridas, a laterita seria parcialmente erodida, com o desenvolvimento de paleopavimentos detríticos (JOST, 1971, p. 72-73).

Descrita primeiramente por Menegotto et al. (1968) na região adjacente ao município homônimo, a Formação Tupanciretã foi detalhadamente analisada sobre área mais extensa alguns anos depois (MENEGOTTO, 1971). Essa unidade está situada sobre topos de colinas que correspondem aos divisores de águas entre a Bacia do Rio Jacuí e os afluentes da margem esquerda do Rio Uruguai. Depositada diretamente sobre as rochas vulcânicas da Formação Serra Geral, caracteriza-se por sedimentação essencialmente arenosa, com ocorrências esporádicas de cascalhos na base e de finas camadas de argila intercaladas pela sequência (MENEGOTTO et al., 1968, p. 12-13). Fundamentado na distribuição espacial dos depósitos e nas propriedades sedimentológicas e mineralógicas do material, Menegotto (1971, p. 48) infere que a Formação Tupanciretã teria sido depositada por rios meandrantes, cujas nascentes se localizariam na região ocupada atualmente pela escarpa do Planalto Meridional e pela Depressão Periférica, ou no Escudo Sul-Rio- Grandense. Esse eixo de orientação da rede fluvial pretérita – de sul para norte/nordeste – é totalmente diferente daquele apresentado pelos rios

atuais. Tal inversão implicaria atividade tectônica regional durante o Terciário, período no qual teriam sido depositados os sedimentos da Formação Tupanciretã (MENEGOTTO, 1971, p. 50-52).

Ao estudar a evolução da escarpa oriental do Planalto Meridional durante o Quaternário, Gomes (1976, p. 70-71) identificou três gerações de movimentos de massa distintas: 1) depósitos relativamente frescos, associados com baixo terraço e datados do Quaternário Recente; 2) depósitos com formas parcialmente obliteradas, constituídos por clastos rudáceos basálticos inalterados, atribuídos ao Quaternário Médio; e 3) depósitos dissecados por fluxos torrenciais, que apresentam cascalhos muito alterados, relacionados ao Quaternário Inferior. Esses depósitos de corridas de lama geralmente se estendem sob sedimentos aluviais, que formam baixos terraços no sopé das encostas. É possível que as corridas de lama tenham ocorrido no final de fase de incisão vertical da rede fluvial; o material foi retrabalhado e fornecido aos lençóis aluviais dos baixos terraços. As corridas de lama teriam continuado durante a acumulação do material aluvial, porém com menor intensidade, provavelmente devido à flutuação para clima mais seco. Gomes (1976, p. 72) considera que as corridas de lama teriam sido mais frequentes em períodos de regressão marinha, caracterizados por chuvas intensas e prolongadas. A autora também descreveu nível de baixo terraço situado na margem direita do Rio Mampituba: na base encontram-se seixos basálticos não-intemperizados e, sobreposto, material areno-siltoso, maciço e com pedogênese incipiente. Os cascalhos teriam sido depositados na regressão pré-flandriana (Último Máximo Glacial), enquanto a sedimentação fina representaria fluxos de baixa energia, típicos de planície de inundação. É provável que o entalhamento vertical da rede de drenagem, responsável pela gênese do terraço, tenha sido provocado pela subsidência de áreas adjacentes durante o Holoceno (GOMES, 1976, p. 74-77).

Bombin (1976) elaborou modelo de evolução paleoecológica para os últimos 15.000 anos na Bacia do Arroio Touro Passo, no município de Uruguaiana, com base em elementos geomorfológicos, estratigráficos, sedimentológicos, pedológicos, paleontológicos e arqueológicos. O autor definiu formalmente a Formação Touro Passo, constituída por dois membros: 1) o membro rudáceo – formado por clastos de basalto, calcedônia e arenito silicificado, às vezes cimentados por carbonato de cálcio – depositado diretamente sobre rochas vulcânicas da Formação Serra Geral; e 2) o membro lamítico, com textura de silte argiloso ou areia siltosa a silto-argilosa, cuja base é datada de 11.000 anos AP (14C), situando a idade da formação entre o

final do Pleistoceno e o Holoceno (BOMBIN, 1976, p. 15-17). Variações na cobertura vegetal indicariam a existência de fases climáticas, com modificações na sedimentação e na pedogênese; a divisão de zonas palinológicas do Hemisfério Norte foi adaptada à região. Durante a Fase Austral (Último Máximo Glacial), teria dominado a erosão nas encostas, devido ao abaixamento do nível de base da bacia (Rio Uruguai). A Fase Pré-Atlântica (14.000 – 12.000 anos) seria representada pelos depósitos rudáceos, típicos de regime torrencial, com chuvas concentradas. A Fase Atlântica (12.000 – 5.000 anos) corresponderia ao período de deposição do material lamoso, sob clima úmido e com a elevação do nível de base regional. Na Fase Subaustral (5.000 – 2.500 anos), teria havido flutuação para condições climáticas secas e/ou abaixamento do nível de base, com diminuição da frequência de cheias e pedogênese na planície de inundação. A Fase Subatlântica (2.500 anos) teria marcado o estabelecimento do clima úmido atual (BOMBIN, 1976, p. 38-39).

Fensterseifer (1979, p. 139-149) distinguiu três fácies na Formação Gravataí – na região próxima à cidade homônima – que podem ocorrer isoladas, interdigitadas ou até sobrepostas: 1) deslizamento de lama e pedras; 2) canal fluvial; e 3) planície aluvial ou “playa”. Os depósitos de deslizamentos de lama e pedras predominam em área e são constituídos essencialmente por sedimentos grossos (areia e cascalho) imersos em matriz argilosa ou argilo-siltosa, extremamente mal selecionados. Os clastos rudáceos exibem diferentes graus de arredondamento, e provêm de rochas encontradas no substrato da região, como basalto, arenito e outras; os cascalhos basálticos sempre estão completamente alterados. A espessura desses depósitos é variável, com média equivalente a 5 m. Em alguns locais, os depósitos de deslizamentos de lama e pedras são cortados por lentes de clastos rudáceos, com pouca matriz arenosa. Tais unidades têm espessura inferior a 1 m, largura de poucos metros e representam paleocanais fluviais; os cascalhos se caracterizam por arredondamento mais homogêneo e tamanho relativamente uniforme, devido à ausência de matacões (FENSTERSEIFER, 1979, p. 143). Os depósitos de planície aluvial ou “playa” são tipicamente argilosos, às vezes siltosos, com espessura de até 2 m. Essa fácies apresenta concreções ferruginosas, associadas a padrão de cores mosqueado. Fensterseifer (1979, p. 151) descreveu contato lateral transicional entre a Formação Gravataí e a Formação Graxaim, inferindo que ambas se desenvolveram contemporaneamente, porém com áreas-fonte distintas. A primeira provém de rochas vulcânicas e sedimentares da Bacia do Paraná,

enquanto a segunda deriva de rochas cristalinas do Escudo Sul-Rio- Grandense. Essas duas formações consistiriam em depósitos de leques aluviais, formados sob clima semiárido entre o Terciário Superior e o Pleistoceno Inferior (FENSTERSEIFER, 1979, p. 157).

Em meados da década de 1980, passa a ser adotado o conceito de sistemas deposicionais no contexto das pesquisas sobre a Planície Costeira do Rio Grande do Sul (VILLWOCK, 1984; VILLWOCK et al., 1986), em substituição às unidades litoestratigráficas anteriormente definidas para a região. Assim, surge o Sistema Deposicional de Leques Aluviais, dividido em dois subsistemas de acordo com as características da área-fonte: 1) leques aluviais do Escudo Sul-Rio-Grandense, que correspondem à antiga Formação Graxaim e Laterita Serra de Tapes; e 2) leques aluviais do Planalto Meridional, que compreendem os depósitos da antiga Formação Gravataí (VILLWOCK & TOMAZELLI, 1995, p. 20). A evolução do sistema de leques aluviais foi controlada principalmente pelas mudanças climáticas que ocorreram no Terciário Superior e no Quaternário. No entanto, esse sistema teria atingido o ápice de seu desenvolvimento durante evento de regressão marinha que se estendeu do Plioceno ao Pleistoceno Inferior (VILLWOCK & TOMAZELLI, 1995, p. 32). É provável que os principais episódios deposicionais estejam relacionados com fases climáticas semiáridas, quando a vegetação esparsa favoreceria a ocorrência de fluxos de detritos nas encostas; sob clima úmido, a morfologia dos leques aluviais seria suavizada. Villwock & Tomazelli (1995, p. 20) consideram tal sistema deposicional está parcialmente ativo, pois os processos de transporte, embora de baixa intensidade, ainda podem ser observados no presente.

Da Rosa & Milder (2001) definiram e caracterizaram a Aloformação Guterres com afloramentos distribuídos entre os municípios de Itaqui e Barra do Quaraí, no extremo oeste do Estado do Rio Grande do Sul. Conforme descrições, essa unidade estratigráfica é constituída por arenitos grossos a conglomeráticos, localmente com conglomerados no topo (ciclos granocrescentes), e exibe cimentação ferruginosa. Os seixos provêm principalmente de rochas cristalinas do Escudo Sul-Rio-Grandense, e raramente predominam clastos da Formação Serra Geral, tais como basalto e calcedônia (DA ROSA & MILDER, 2001, p. 253). Em alguns afloramentos, encontram-se lenhos vegetais fósseis incorporados ao arcabouço do conglomerado. Idades obtidas por termoluminescência indicam que o material, de origem fluvial, foi depositado entre 80.000 e 40.000 anos. Inicialmente associada à dissecação gerada pelo soerguimento das Serras do Mar e

Geral (DA ROSA & MILDER, 2001, p. 254), a sedimentação da Aloformação Guterres passou a ser atribuída posteriormente às variações do nível de base regional (Rio Uruguai) durante o último ciclo glacial (DA ROSA, 2007, p. 10).

Recentemente, vêm sendo realizadas pesquisas de pólen e fragmentos de carvão em turfeiras no Planalto Meridional e na Depressão Periférica (BEHLING et al., 2001; 2004; 2005). Do testemunho de sedimentos coletado próximo à cidade de Cambará do Sul, foi possível estabelecer a evolução paleoambiental e a dinâmica da cobertura vegetal no nordeste do Rio Grande do Sul. O clima frio e relativamente seco do período glacial era caracterizado pelo predomínio de campos, com presença de lago raso e permanente entre 42.840 e 26.900 anos AP (14C) nessa área. Desde então, o lago se tornou temporário, fato que indicaria a ocorrência de longa estação seca anual. Do início à metade do Holoceno, o clima quente provavelmente ainda apresentava estação seca, com duração de três meses. Depois de 3.950 anos AP (14C), as condições climáticas ficaram mais úmidas, possibilitando a expansão da floresta de araucária ao longo da rede fluvial (galeria); há 1.140 anos AP (14C), o clima passou a ser permanentemente úmido, sem estação seca, com predominância da floresta de araucária em relação aos campos (BEHLING et al., 2004, p. 294-295). O registro de turfeira no município de São Francisco de Assis, sudoeste do Rio Grande do Sul, abrange os últimos 20.800 anos AP (14C). Nessa região, a vegetação de campos prevaleceu tanto sob o clima frio e seco do período glacial, como nas condições climáticas quentes e secas da fase pós-glacial. A floresta de galeria se desenvolveu na forma de faixas estreitas junto aos rios depois de 4.620 anos AP (14C), com clima úmido, e teve sua maior expansão a partir de 1.650 anos AP (14C) (BEHLING et al., 2005, p. 247).

Fonseca (2006) se fundamentou na integração de aspectos geomorfológicos, morfotectônicos e estruturais para determinar a influência de variáveis neotectônicas sobre a evolução do modelado da Planície Costeira do Rio Grande do Sul e áreas adjacentes do interior continental. Um dos principais elementos morfotectônicos identificados pelo referido autor é o Lineamento Jacuí – Porto Alegre, que se manifesta em conjunto de feições lineares com orientação leste-oeste, encontrado próximo ao paralelo 30° S, abrangendo: alinhamento do médio/baixo curso do Rio Jacuí, da escarpa do Planalto Meridional, da Bacia do Rio Gravataí e, no domínio oceânico, do Lineamento e do Alto de Porto Alegre. Além disso, tal estrutura também divide a Planície Costeira em dois setores: ao sul, a planície é larga e tem grandes corpos

lagunares, com presença de quatro barreiras, enquando o setor norte é estreito e exibe lagoas e lagunas menores, associadas a somente duas barreiras. Conforme Fonseca (2006, p. 229), o lineamento provavelmente representa estrutura transferente ou transformante relacionada ao regime divergente originado pela abertura da Cadeia Meso-Atlântica. No interior do continente, a atividade dessa falha causaria processo de soerguimento contínuo, marcado pelo entalhamento vertical dos vales fluviais (canyons, meandros encaixados) em ambos os lados do Lineamento Jacuí – Porto Alegre, sobretudo dos rios Jacuí, Pardo, Taquari e Caí, que drenam o Planalto Meridional. A presença de sedimentos fluviais da Formação Tupanciretã sobre os divisores de águas das bacias dos rios Jacuí e Uruguai implicaria inversão do relevo. Tal inversão teria ocorrido no Mioceno, período caracterizado pela maior taxa de sedimentação na Bacia de Pelotas, e pode ter resultado de prolongada fase de denudação gerada por soerguimento regional; a Depressão Periférica, cuja idade também é considerada miocênica, representaria os remanescentes da rede de drenagem responsável pela denudação da área (FONSECA, 2006, p. 279).

Do histórico brevemente exposto, é possível tecer algumas considerações a respeito dos estudos sobre o Quaternário no interior