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SUMÁRIO

3. EVOLUÇÃO E SIGNIFICADO PALEOAMBIENTAL DO REGISTRO FLUVIAL, COLUVIAL E PEDOLÓGICO

3.3. FORMAS DE RELEVO, DEPÓSITOS SEDIMENTARES E PALEOSSOLOS EM AMBIENTES FLUVIAIS E COLUVIAIS

3.3.4. Planícies de inundação e terraços fluviais

Nanson & Croke (1992, p. 460) definem planícies de inundação como formas de relevo aluviais de acamamento essencialmente horizontal, adjacentes ao canal fluvial e separadas deste por margens, constituídas por sedimentos transportados pelo regime de fluxo atual. As planícies de inundação em geral se formam durante longos períodos de tempo; Thomas (2000, p. 33) acredita que o registro sedimentar das planícies de inundação pode alcançar entre 10.000 e 100.000 anos, quando são incluídos terraços com cascalhos. Ao longo de rios lateralmente estáveis, ou com migração lateral lenta, unidades basais ou distais da planície de inundação podem ser herdadas de antigos regimes de fluxo, morfologia denominada planície de inundação polifásica, que guarda o registro de mudanças paleoambientais (NANSON & CROKE, 1992, p. 460). Alguns estudiosos, como Allen (1965, p. 125), afirmam que as planícies de inundação são originadas basicamente pela acreção lateral dos canais fluviais, por meio da deposição de barras em pontal, barras de canal e ilhas aluviais. Tal viés é contestável, pois alguns trabalhos demonstram que as barras em pontal podem representar pequena fração da superfície de planícies de inundação e do preenchimento de vales (JACKSON, 1978, p. 544). Ao elaborarem sistemas de classificação para planícies de inundação, Melton (1936, p. 594 e 596) e Nanson & Croke (1992, p. 461) identificam três processos principais na sua gênese: 1) acreção lateral de barras em pontal; 2) acreção vertical de transbordamento; e 3) acreção de canais entrelaçados.

A acreção lateral de barras em pontal resulta da deposição progressiva de sedimentos na margem convexa de meandros. Em pequenos cursos de água, as barras em pontal são feições deposicionais simples, com mergulho relativamente suave em direção ao canal. Em grandes rios, as barras em pontal são constituídas por cristas em forma de cordões (scrolls), alternadas com depressões pantanosas (swales). Cada cordão depositado na barra em pontal representa a migração lateral do canal durante cheia (REINECK & SINGH, 1980, p. 267). Os depósitos de barras em pontal se caracterizam por diferentes tipos de sedimentos e exibem grande variabilidade de associações de fácies. Ao analisar e classificar fácies em depósitos holocênicos de rios meandrantes, Jackson (1978, p. 564) constata que sequências granodecrescentes ascendentes (fining-upward) e estratificação cruzada epsílon não são típicas de barras em pontal, em oposição a modelos

faciológicos tradicionais. Esse processo de acreção lateral origina planícies de inundação com depósitos de barras em pontal justapostos e cobertos por sedimentos finos de transbordamentos (SUNDBORG, 1956, p. 290). Assim, tais planícies de inundação podem apresentar morfologias variadas – algumas com tênue relevo superficial, e outras com padrões de cordões bem desenvolvidos.

A acreção vertical de transbordamento ocorre pela deposição de sedimentos sobre as margens do canal fluvial durante cheias. Conforme Nanson & Croke (1992, p. 462), esse processo tende a ser dominante ao longo de alguns rios com declive baixo – como canais anastomosados – cuja potência é insuficiente para causar migração lateral. Diques marginais, depósitos de rompimento de diques marginais e bacias de inundação constituem feições deposicionais associadas à acreção vertical de transbordamento. Os diques marginais (natural levees) são saliências estreitas e alongadas, em forma de cunha, que margeiam alguns canais fluviais. A fácies típica de diques são unidades interestratificadas de silte e areia, que exibem laminação cruzada de ondulações e laminação horizontal (ALLEN, 1965, p. 146; REINECK & SINGH, 1980, p. 290; MIALL, 1996, p. 173). Os depósitos de rompimento de diques marginais (crevasse splays) são gerados durante grandes cheias, quando fluxos de água e sedimentos se desviam do canal principal através de fendas abertas nos diques. Tais depósitos consistem em “línguas” arenosas, com estratificação cruzada acanalada, laminação cruzada de ondulações e, menos comumente, laminação horizontal (REINECK & SINGH, 1980, p. 292; MIALL, 1996, p. 175). Adjacentes a canais fluviais ativos ou abandonados, as bacias de inundação (flood basins) são as partes mais baixas da planície de inundação. Planas e pobremente drenadas, essas áreas de forma alongada acumulam sedimentos finos transportados em suspensão pelas cheias, sobretudo silte e argila. Em geral, a sedimentação origina laminação horizontal fina, que apresenta textura relativamente homogênea (ALLEN, 1965, p. 152; REINECK & SINGH, 1980, p. 297).

Segundo Nanson & Croke (1992, p. 462), a acreção de canais entrelaçados é decorrente da combinação de alguns processos, como: 1) migração de canais entrelaçados ativos para outra parte do vale, com estabilização de antigas barras e do leito do canal inativo (RUST, 1972, p. 242); 2) agradação localizada e posterior incisão do canal fluvial, que resultam no abandono de barras como feições elevadas, parcialmente erosivas; e 3) deposição de barras extensas e elevadas durante cheia episódica, que formam superfícies estáveis, não atingidas por cheias mais regulares. A deposição de barras em rios entrelaçados é causada

por processos de acreção lateral e vertical, conjuntamente com entalhamento e abandono de canais (ALLEN, 1965, p. 144). Inicialmente ocorre a deposição de núcleo submerso, com contornos lobados e constituído por material mais grosso, transportado durante picos de vazão; em rios cascalhosos, tal estrutura é denominada lençol difuso de cascalhos (diffuse gravel sheet) (HEIN & WALKER, 1977, p. 564). Quando a vazão diminui, os sedimentos são acumulados gradualmente em torno e acima desse núcleo, que emerge e se torna barra de canal. As barras longitudinais têm formas rômbicas ou elípticas no plano e são alongadas paralelamente à direção do fluxo. Geralmente encontradas em rios cascalhosos, as barras longitudinais são maciças, ou exibem estratificação horizontal incipiente. Secundariamente, ocorrem fácies arenosas com laminação cruzada de ondulações ou laminação horizontal, além de fácies lamosas (WILLIAMS & RUST, 1969, p. 668- 669; RUST, 1972, p. 232-236; HEIN & WALKER, 1977, p. 569; MIALL, 1977, p. 14). De morfologias crescentes ou lobadas no plano, as barras transversais se caracterizam pela orientação oblíqua à direção do fluxo. Suavemente inclinadas para montante, essas barras apresentam face frontal – ou face de avalanche – com inclinação íngreme para jusante. Constituídos por areia ou cascalho, os depósitos de barras transversais consistem tipicamente em sequências de estratificação cruzada tabular (WILLIAMS & RUST, 1969, p. 667; RUST, 1972, p. 229; HEIN & WALKER, 1977, p. 569; MIALL, 1977, p. 15; CANT & WALKER, 1978, p. 642).

Os terraços fluviais são antigas planícies de inundação abandonadas, não relacionadas com o canal atual (LEOPOLD et al., 1964, p. 459). As cheias do rio no presente em geral não cobrem a superfície dos terraços, exceto durante eventos de alta magnitude. Morfologicamente, o terraço fluvial apresenta superfície plana, limitada por rampa íngreme na face voltada para o rio. Morisawa (1985, p. 124) considera que os terraços simétricos (paired terraces) têm superfícies situadas no mesmo nível topográfico, mas em lados opostos do vale. Esses terraços são gerados por incisão vertical, seguida por migração lateral do canal fluvial, que remove parte do material da antiga planície de inundação. Sequências desses terraços podem indicar história erosiva cíclica, com mudanças ambientais de caráter súbito e intermitente, como mudanças climáticas e movimentos tectônicos. Os terraços assimétricos (unpaired terraces) são formados quando a taxa de incisão vertical é mais lenta, e predomina a migração lateral simultânea do rio. Tais morfologias podem indicar mudança ambiental lenta e contínua, com erosão acíclica (MORISAWA, 1985, p. 124). De acordo com Leopold et

al. (1964, p. 465), o atributo mais importante para correlação de terraços é a continuidade. Outras feições que auxiliam na correlação de terraços fluviais são: 1) descontinuidades estratigráficas; 2) diferenças de textura e de grau de seleção em estruturas sedimentares primárias; e 3) paleossolos.

Planícies de inundação e terraços fluviais são formas de relevo que podem registrar alterações no regime de fluxo ou no aporte de sedimentos durante longos períodos de tempo. Tradicionalmente, a gênese de terraços é associada ao aumento da energia do fluxo fluvial, que provocaria o entalhamento do canal, em resposta a mudanças climáticas, atividade tectônica ou variação do nível de base (LEOPOLD et al., 1964, p. 474; MORISAWA, 1985, p. 125). Entretanto, o abandono de planícies de inundação pode ocorrer sem incisão significativa do canal fluvial, devido à redução nos picos de vazão e na frequência de cheias que extravasam sobre as margens do rio (BLUM & TÖRNQVIST, 2000, p. 12). Essas variáveis hidrológicas também são controladas por mudanças climáticas, que modificam a intensidade e a distribuição sazonal das chuvas. Bridgland (2000, p. 1297-1299) supôs que níveis sucessivos de terraços se formariam somente em áreas afetadas por soerguimento generalizado. Tal movimento seria causado por ajustamento isostático da crosta à redistribuição de material – do interior de regiões elevadas para bacias sedimentares ou margens continentais – que resulta principalmente de erosão, transporte e deposição fluvial. Esses processos seriam influenciados por mudanças climáticas, com aceleração da erosão durante períodos glaciais. Recentemente, essa hipótese foi corroborada pela compilação e análise de banco de dados sobre registros sedimentares fluviais do Cenozóico recente espalhados por todo o planeta (BRIDGLAND & WESTAWAY, 2008a, b; WESTAWAY et al., 2009). O soerguimento seria explicado pela reologia crustal. A parte inferior de crostas continentais pós- arqueanas é móvel, devido à alta produção de calor radiogênico (> 350°C), e pode fluir de modo relativamente rápido em resposta a gradientes laterais de pressão. Assim, o fluxo na base da crosta seria induzido por processos superficiais e se dirigiria de depocentros (subsidência) para áreas dominadas pela erosão (soerguimento) (BRIDGLAND & WESTAWAY, 2008a, p. 289; 2008b, p. 20; WESTAWAY et al., 2009, p. 245).