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SUMÁRIO

3. EVOLUÇÃO E SIGNIFICADO PALEOAMBIENTAL DO REGISTRO FLUVIAL, COLUVIAL E PEDOLÓGICO

3.3. FORMAS DE RELEVO, DEPÓSITOS SEDIMENTARES E PALEOSSOLOS EM AMBIENTES FLUVIAIS E COLUVIAIS

3.3.5. Paleossolos e solos

Ruhe (1956 apud CATT, 1987, p. 489; 1990, p. 3) define paleossolos como solos formados em paisagens do passado. Alguns pesquisadores colocam limites de idade mínima para identificar paleossolos, porém cada região é influenciada de diferentes modos por mudanças ambientais, e não existe limite único de idade que seja universalmente aceito. Assim, embora outras definições tenham sido propostas, a apresentada por Robert Ruhe ainda é a mais concisa e evocativa (RETALLACK, 1998, p. 210), apesar de ser objeto de algumas críticas – sobretudo pelo significado amplo dos termos “paisagens” e “passado”. De acordo com a posição em relação à superfície do terreno, os paleossolos podem ser classificados em três categorias: enterrados, exumados ou reliquiares (ANDREIS, 1981, p. 13-14; GERRARD, 1981, p. 153; NETTLETON et al., 2000, p. 61). Os paleossolos enterrados foram cobertos pela deposição de sedimentos mais recentes; os paleossolos exumados inicialmente foram enterrados, porém tornaram a ser expostos na superfície devido à erosão do material de cobertura; e os paleossolos reliquiares permanecem desde a formação na superfície do terreno, e suas propriedades resultam da interação de condições ambientais distintas ao longo do tempo. O enterramento pode provocar algumas alterações em paleossolos, basicamente em decorrência dos seguintes processos (OLSON & NETTLETON, 1998, p. 185; CATT, 1990, p. 66-70; RETALLACK, 1990, p. 136-141): 1) físicos: perda de água por abaixamento do nível do lençol freático, mistura de horizontes após truncamento ou “soldagem” (soil welding); 2) químicos: cimentação, lixiviação, intemperismo de minerais primários e secundários, oxidação, redução; e 3) biológicos: bioturbação, decomposição por micróbios, mineralização de nitrogênio e enxofre.

Os solos geralmente se formam sobre superfícies caracterizadas por relativa estabilidade durante períodos de tempo variáveis – quando há pouca, ou nenhuma, erosão e deposição. Portanto, paleossolos e solos podem marcar interrupções na sedimentação e a presença de discordâncias no registro estratigráfico (GERRARD, 1981, p. 151; CATT, 1987, p. 491; 1990, p. 3; KRAUS, 1999, p. 42). Outro aspecto importante é que o tipo de paleossolo pode fornecer informações sobre condições ambientais pretéritas. A formação do solo é influenciada essencialmente por cinco fatores (JENNY, 1941 apud CATT, 1990, p. 73; BIRKELAND, 1999, p. 143): 1) clima: precipitação média anual e

temperatura média anual; 2) organismos: espécies que compõem a cobertura vegetal; 3) relevo: forma, declive, aspecto e posição do lençol freático; 4) material de origem: constituição física, química, mineralógica e orgânica; e 5) tempo: período decorrido desde o início da pedogênese. Visto que impressões genéticas desses fatores podem ser preservadas em morfologias e propriedades, todos os paleossolos e solos são considerados poligenéticos em determinado grau; a complexidade poligenética aumenta ao longo do tempo, por meio de mudanças na precipitação, temperatura e vegetação, e pela evolução de propriedades do solo (JOHNSON et al., 1990, p. 316-317). A análise de macro e microfeições pedológicas relativamente resistentes à alteração, denominadas portadoras da memória do solo (TARGULIAN & GORYACHKIN, 2004, p. 3-4) – como horizontes, agregados, traços de raízes, nódulos e concreções, cutãs, minerais e outras – pode revelar processos pedogenéticos pretéritos que resultam da interação desses cinco fatores.

A literatura distingue, pelo menos, seis processos principais de formação de solo (RETALLACK, 1990, p. 86-90; BIRKELAND, 1999, p. 107-137; BOCKHEIM & GENNADIYEV, 2000, p. 57-66): gleização, podzolização, lessivagem, ferralitização, calcificação e salinização (Fig. 19). A gleização está associada ao nível elevado do lençol freático, ou à existência de horizontes que impedem o movimento da água pelo perfil; resulta na formação de minerais que contêm ferro em estado reduzido (Fe2+), conferindo cores acinzentadas a solos hidromórficos. Estruturas reliquiares do material de origem são preservadas devido a pouca bioturbação sob condições anaeróbicas, enquanto a limitação do fluxo de água retarda o intemperismo de minerais instáveis. A oscilação sazonal do lençol freático pode originar padrões de cores mosqueados, nódulos ou concreções de ferro e manganês, pela alternância entre oxidação e redução. A podzolização envolve a translocação de óxidos de ferro e alumínio e/ou de matéria orgânica e a lixiviação de bases (Ca2+, Mg2+, K+, Na+); gera horizonte eluvial E, de coloração esbranquiçada e composição mineralógica quartzosa, situado acima de horizonte B enriquecido por sesquióxidos e/ou matéria orgânica. Esse processo é típico de solos relativamente bem drenados, formados em materiais arenosos. A lessivagem consiste na translocação de argila, que origina horizonte iluvial Bt; tal horizonte se caracteriza pela presença de películas de argila (cutãs), que revestem a superfície de grãos e agregados, e lamelas. O processo é favorecido em materiais com abundância de minerais que são intemperizados para argila – como basalto e folhelho – e em áreas cobertas por florestas

deciduais. O enriquecimento do solo em argila e sesquióxidos, na forma de minerais resistentes ao intemperismo e de granulação fina – caolinita, gibbsita e hematita – constitui a ferralitização. Característico de regiões tropicais úmidas e florestas pluviais, esse processo ocorre em solos bem drenados, de perfis espessos e uniformes, gerados por intemperismo intenso – depleção de bases e sílica – durante longos períodos de tempo. Finalmente, os processos de calcificação e salinização correspondem, respectivamente, à acumulação de carbonato de cálcio (CaCO3) e de sais

solúveis – como gipso (CaSO4.2H2O) e halita (NaCl) – em solos bem

drenados, sob condições climáticas semiáridas e áridas.

Figura 19 – Processos básicos de formação de solo (RETALLACK, 1990). Em estudos de Estratigrafia do Quaternário, tradicionalmente se considerava que paleossolos enterrados e moderadamente desenvolvidos se formariam durante os interglaciais, sob climas úmidos; paleossolos enterrados e pouco espessos, com desenvolvimento incipiente, eram atribuídos aos interestádios (GERRARD, 1981, p. 153; CATT, 1987, p. 500-501; 1990, p. 3). Outros pesquisadores se baseavam no conceito de solos zonais – tipos de solos restritos a determinadas zonas climáticas. Assim, paleossolos com nódulos e crostas carbonáticas e ricos em montmorillonita indicariam condições climáticas semiáridas ou áridas, enquanto a presença de crostas ferruginosas e caolinita estaria associada

a climas tropicais úmidos (BRYAN & ALBRITTON, 1943, p. 489; ANDREIS, 1981, p. 50). Catt (1987, p. 500) argumenta que a interpretação depende de datações precisas, da análise detalhada de feições pedológicas, bem como de reconstruções paleoclimáticas fundadas em evidências isotópicas e paleontológicas de fontes de dados independentes. Períodos de estabilidade da paisagem, que são essenciais para a formação de solos, podem ser gerados por mudanças climáticas e/ou movimentos tectônicos. Nesse contexto se destaca a importância da classificação de paleossolos, pois os diferentes processos pedogenéticos refletem condições paleoambientais distintas.