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SUMÁRIO

3. EVOLUÇÃO E SIGNIFICADO PALEOAMBIENTAL DO REGISTRO FLUVIAL, COLUVIAL E PEDOLÓGICO

3.2. INSTABILIDADE E ESTABILIDADE DA PAISAGEM: EROSÃO, DEPOSIÇÃO E FORMAÇÃO DE SOLOS

A paisagem consiste em setor da superfície terrestre definido por determinada configuração espacial, resultante de sua morfologia, do conjunto de seus elementos e de suas relações internas e externas, que é delimitado por outras paisagens de caráter distinto (TROLL, 1982, p. 326). Mudanças climáticas, movimentos tectônicos e variações do nível de base representam perturbações ambientais, que provocam períodos de instabilidade na paisagem. Tal instabilidade atua na forma de ondas de agressão – pulsos de energia cinética, utilizada para realizar trabalho na modificação da paisagem – que podem ser lineares ou ubíquas (BRUNSDEN & THORNES, 1979, p. 475-476; BRUNSDEN, 2001, p. 110-114). No primeiro tipo, o impulso de mudança se propaga linearmente ao longo de eixos sensíveis – como zonas de juntas, afloramentos de rochas friáveis, ou canais fluviais – e, na sequência,

pode difundir-se por áreas adjacentes. O avanço progressivo da mudança é marcado por descontinuidade morfológica e/ou estratigráfica, cuja idade registra a passagem da onda de agressão. Esse padrão de propagação é típico de variações do nível de base. No segundo tipo, o efeito de determinada mudança ocorre simultaneamente em toda a paisagem e ativa todos os elementos sensíveis ao impulso – exceto se houver interferência de algum mecanismo de resistência. Geralmente, a onda de agressão ubíqua está associada a mudanças climáticas e abalos sísmicos.

A passagem de estabilidade para instabilidade na paisagem se caracteriza por processos de erosão e sedimentação, que originam sequências deposicionais e descontinuidades em ambientes fluviais e de encosta. A descontinuidade consiste em superfície de erosão e/ou não- deposição situada entre corpos sedimentares e representa hiato ou lacuna significativa no registro estratigráfico, causada pela interrupção da deposição durante intervalo de tempo considerável (ISSC, 1987, p. 233); muitos desses hiatos ou lacunas abrangem período maior do que sucessões de camadas preservadas (VAN ANDEL, 1981, p. 398; DOTT, 1983, p. 22). A presença de descontinuidades decorre do caráter episódico da sedimentação; os episódios sedimentares são eventos com intensidade acima (positivos) ou abaixo (negativos) do normal – como cheias e não-deposição, respectivamente – que podem gerar superfícies limitantes ou depósitos, e cujas frequências variam desde décadas até alguns milhões de anos (DOTT, 1983, p. 9). Em escala regional, descontinuidades erosivas comumente são assinaladas por variações litológicas e linhas de pedras (stone lines); por outro lado, descontinuidades associadas à não-deposição tendem a apresentar a formação de solos (MOURA, 1998, p. 342-343).

Diante da importância das descontinuidades na interpretação da evolução da paisagem, torna-se necessário empregar abordagem estratigráfica fundamentada no reconhecimento dessas feições. Nesse contexto, destaca-se a aloestratigrafia, que foi introduzida na primeira metade da década de 1980 pelo Código Estratigráfico Norte-Americano especialmente para diferenciar depósitos quaternários. A unidade aloestratigráfica corresponde a corpo sedimentar estratiforme mapeável, definido e identificado por meio de descontinuidades limitantes (NACSN, 1983, p. 865). Esse enfoque permite distinguir depósitos de litologia similar – superpostos, contíguos ou separados geograficamente – limitados por descontinuidades; além disso, depósitos caracterizados por litologias heterogêneas e limitados por descontinuidades podem constituir unidade aloestratigráfica única. As descontinuidades

limitantes geralmente são síncronas apenas em distâncias curtas; portanto, as unidades aloestratigráficas são tipicamente diacrônicas, pois compreendem intervalos de tempo desiguais em locais diferentes (NACSN, 1983, p. 849; ISSC, 1987, p. 234). Segundo Moura (1998, p. 343), cada unidade aloestratigráfica representa episódio sedimentar principal, que resultou de fase de instabilidade ambiental, na qual ocorreriam mudanças efetivas na paisagem.

As unidades aloestratigráficas podem apresentar grande variação litológica, tanto lateral – relacionada com gradações entre ambientes deposicionais adjacentes – como verticalmente – associada à sucessão de paleoambientes; assim, o conceito de fácies sedimentar representa importante instrumento auxiliar na interpretação da evolução da paisagem (MELLO, 1994, p. 99-100). A fácies consiste no conjunto de características litológicas, estruturais e orgânicas de corpo sedimentar. Cada fácies sedimentar tem relação com processo específico; portanto, as associações de fácies refletem o conjunto de processos sedimentares, que define determinado ambiente deposicional (MELLO, 1994, p. 101). Diversos pesquisadores realizaram estudos sobre processos e fácies sedimentares típicas de rios meandrantes (ALLEN, 1965; JACKSON, 1978), rios entrelaçados (DOEGLAS, 1962; WILLIAMS & RUST, 1969; RUST, 1972; 1978; MIALL, 1977; 1978; CANT & WALKER, 1978), leques aluviais (BLISSENBACH, 1954; HOOKE, 1967; BULL, 1977; BLAIR & MCPHERSON, 1994) e encostas (NELSON, 1992; BLIKRA & NEMEC, 1998; BERTRAN & TEXIER, 1999; NEMEC & KAZANCI, 1999). Essa literatura sobre ambientes deposicionais modernos ou relativamente recentes constitui referencial para a análise de fácies encontradas no registro sedimentar quaternário. Porém, deve- se enfatizar que, embora processos geológicos atuais possam ser utilizados para explicar eventos antigos, nem todos os processos pretéritos são observados no presente (MELLO, 1994, p. 102).

As unidades aloestratigráficas também podem ser limitadas por superfícies geomorfológicas, paleossolos e solos. A Paleopedologia e a Pedologia se integram à Estratigrafia por meio da formação periódica de solos em sequências deposicionais fluviais e coluviais e, por conseguinte, contribuem para compreender a evolução da paisagem. Paleossolos e solos constituem importantes marcadores de estabilidade da paisagem (GERRARD, 1981, p. 151; CATT, 1990, p. 2; MOURA, 1998, p. 351; KRAUS, 1999, p. 42; THOMAS, 2001, p. 94). A taxa e a dinâmica de sedimentação influenciam o grau de desenvolvimento pedogenético, que pode indicar a duração de períodos de não-deposição. Assim, paleossolos e solos fortemente desenvolvidos representam

interrupções na acumulação de sedimentos por longos intervalos de tempo. Além disso, condições ambientais pretéritas estão registradas em horizontes, macro e microestruturas, feições pedológicas – tais como películas de argila (cutãs), nódulos e concreções, entre outras – e argilominerais. Portanto, a classificação de paleossolos e solos é essencial para caracterizar fases de estabilidade da paisagem. Várias feições de paleossolos podem ser interpretadas pela comparação com solos modernos (RETALLACK, 1990, p. 91). No entanto, a maioria das classificações de solos atuais se baseia em propriedades dinâmicas – tais como pH, teor de matéria orgânica, saturação por bases, entre outras – que podem ser bastante modificadas após o enterramento do solo. Diante disso, alguns pesquisadores têm desenvolvido sistemas taxonômicos específicos para classificar paleossolos, que são parcialmente fundamentados na Taxonomia de Solos Norte-Americana (NETTLETON et al., 1998; 2000), ou na Base de Referência Mundial para Recursos do Solo (KRASILNIKOV & CALDERÓN, 2006). Tal iniciativa mantém a validade da determinação do significado paleoambiental de paleossolos pela analogia com solos modernos.

3.3. FORMAS DE RELEVO, DEPÓSITOS SEDIMENTARES E