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Seu idealizador foi o antropólogo norte-americano Oscar Lewis, a partir de estudos sobre a migração campo cidade entre camponeses mexicanos na década de 60.

CAPÍTULO V- A PARTICIPAÇÃO POLÍTICA COMO POSSIBILIDADE DE MUDANÇA DE STATUS SOCIAL

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82 Seu idealizador foi o antropólogo norte-americano Oscar Lewis, a partir de estudos sobre a migração campo cidade entre camponeses mexicanos na década de 60.

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universo cultural das camadas populares urbanas, as quais fornecem elementos cruciais para a compreensão da experiência das PLPs acerca do mundo da política de forma comparativa.

A etnografia de Caldeira (1984) procura dar visibilidade às especificidades dos moradores de uma vila de São Paulo com relação às suas participações políticas. Centrada nas práticas cotidianas e nas representações dos pesquisados, a autora sugere que a experiência de vida comum - que toma o grupo enquanto tal - constitui-se a partir das mesmas condições objetivas de vida e do enfrentamento dos mesmos problemas cotidianos, ou seja, "a vivência dessa experiência faz-se acompanhar da geração de um 'estoque simbólico', de um conjunto de informações e interpretações que é também ele comum" (Caldeira, 1984: 72), constituindo o ethos e a visão de mundo do grupo. Mesmo ressaltando a possibilidade de uma certa heterogeneidade, ela aponta como referência básica da auto-defmição do grupo estudado a relação com o trabalho. Essa identidade fundante - ligada a identidade de "pobre" - irá informar as representações sobre os papéis de gênero, de família, de sociedade e de política uma vez que é a partir do trabalho que se definirá sua inserção social.

De forma semelhante, Zaluar (1994) propõe estudar o modo de vida dos moradores de uma favela carioca, a sua organização social e relação com a política. A partir dos seus dados, a autora dialoga com a literatura existente sobre os grupos urbanos de baixa renda acerca do seu comportamento político, criticando os conceitos generalizantes e abstratos que visam explicar a realidade da pobreza no Brasil. Com isso, relativiza noções como clientelismo, paternalismo, tradicionalismo, individualismo, propondo uma visão da política a partir do enfoque das diversas formas de organização - tanto de lazer quanto reivindicatórias - do grupo em questão.

Esta autora se debruça sobre as inúmeras formas de definição que as camadas urbanas de baixa renda vêm recebendo na literatura. Após uma análise demorada sobre cada uma delas, suas implicações teóricas, falhas e contribuições, Zaluar aponta que, de uma forma ou de outra, essas definições acabam por negligenciar o caráter tenso e agonístico constante da relação entre as diferentes formas sociais que compõem uma totalidade. Fato este que leva a uma cristalização de práticas e concepções culturais, reproduzindo um modelo social hegemônico entre dominadores e dominados, que por vezes tende a uma romantização da pobreza. Chama a atenção para a relacionalidade do conceito de pobreza, sugerindo a busca da especificidade das relações entre a pobreza urbana e o contexto mais amplo - estrutural da sociedade e das políticas públicas - no qual está inserida.

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Desta forma, Zaluar estuda as relações clientelistas que surgem entre os políticos e moradores da favela carioca, apontando a sua especificidade. Salienta que naquele local, em virtude da conjuntura econômica do país - aumento do desemprego, perdas salariais, aumento do custo de vida -, gerou-se um movimento de insatisfação e descrédito em tomo dos políticos clientelistas que já não mais conseguiam atender à demanda dos moradores. Estes elementos contribuíram, assim, para fragilizar o vínculo clientelista. Aponta que não havia mais uma “clientela cativa” de um político. As limitações do clientelismo evidenciava-se na exigência da prestação de um serviço que não era realizado, além de haver espaço para a atuação de intermediários. Ressaltando, enfim, a especificidade do clientelismo: “de ser pensado dentro do código social da amizade que está longe de ser o da heteronomia e da deferência. Amizade existe entre parceiros iguais, e a sua lógica não é a do favor, é a da reciprocidade equilibrada" (Zaluar, 1994:239).

Algo semelhante vislumbra-se na concepção de política das PLPs. Uma das faces desta concepção nativa pode ser compreendida como ter conhecidos, no mesmo sentido em que aparece na prática de divulgação do SIM junto às autoridades do campo político que analisei anteriormente. Ou seja, como uma forma de abrir portas de acesso, fazer relacionamentos políticos, elementos fundamentais do jogo político, segundo colocava Anete seguindo os

ensinamentos da sua amiga Gilda:

tem muita coisa na política, tem que ter argumento de conhecimento. O primeiro conhecimento político é saber onde tu pisa, conhecer quem é quem e te dar bem com eles. Tu tem que abrir portas de acesso. Eu entro em qualquer lugar. Tu tem que saber fazer relacionamento político. Eles tem que te conhecer pelo nome. Eles me conhecem pelo meu nome. E o meu nome eu não dou pra ninguém. Agora eu vejo bem, só dou pra quem tiver mudança. (Gilda, 09/06/99)

Na prática das PLPs atuantes, parece haver uma extensão da lógica da reciprocidade, que fundamenta seus laços sociais, para o universo das relações políticas. Neste sentido, as relações políticas fundam-se nas relações pessoais e compõe uma das faces do reconhecimento. Mas há ainda um outro elemento que deve ser pontuado ao tratar-se da relação mulheres/ política. Trata-se da associação do mundo da política com o masculino.

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5.1. A Política como Masculina

Muitas discussões que envolvem a relação das mulheres com o mundo da política apontam a constituição desta última como um espaço eminentemente masculino. O que se quer de fato afirmar quando se pontua o espaço político como masculino?

Neste campo de discussão parece haver uma polifonia acerca da problematização do espaço político como eminentemente masculino. Esta discussão torna-se mais acirrada quando se tem institucionalizada a "lei de cotas"83, resultante das chamadas "ações afirmativas" a partir de pressões dos movimentos sociais organizados, mais especificamente, o movimento feminista. A polifonia a que me refiro se traduz, ao meu ver, numa certa confusão entre a militância política feminista e a produção de conhecimento acerca das relações de gênero no mundo da política. Muitas palestras, conferências e debates que tenho assistido sobre o tema parecem estar-se remetendo a uma re-essencialização através da categoria mulher84.

Nestes contextos, quando se questiona o lugar da "mulher" na política, parece haver dois problemas em questão. Em primeiro lugar parece se estar questionando apenas uma parte do mundo da política, a política representativa. Em segundo lugar, o que parece importar nestes questionamentos, é o número de mulheres que estão ocupando lugares de destaque naquele espaço. Isto soa como se o campo político se encerrasse apenas na política institucional, além de sugerir implicitamente que a presença de corpos biologicamente femininos naqueles espaços garantem uma suposta igualdade de gênero. Não se questiona a atribuição de significados culturais subjacentes a estas questões. Portanto, não se problematiza as relações de gênero que são construídas na cultura política, antes a diferença sexual - biológica - que se percebe no mundo da política.

Muitas análises sobre estas questões parecem estar informadas por esta problemática (cf. Avelar, 1989 e Prá, 1992). Quando se afirma que o mundo da política, muitas vezes utilizado como sinônimo da esfera social pública, é eminentemente masculino parece que se

83 A primeira providência legislativa neste sentido foi a lei no. 9100, de 29/09/95, tendo em vista as eleições municipais de 1996, cujo parágrafo 3o. do artigo 11 estabelece que "vinte por cento, no mínimo, das vagas de cada partido ou coligação deverão ser preenchidas por candidaturas de mulheres". Já para as eleições de 1998, tem-se uma modificação a partir da lei no. 9504 de30/09/97, cujo parágrafo 3o. do artigo 10 estabelece que "cada partido ou coligação deverá reservar o mínimo de trinta por cento e o máximo de setenta por cento para candidaturas de cada sexo", (cf. Miguel, 2000:55). Este estudo de Miguel traz um interessante levantamento acerca das primeiras experiências no Legislativo brasileiro do impacto da lei de cotas.

84 Refiro-me aqui principalmente às discussões sobre mulher, política e feminismo que tive a oportunidade de

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