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CAPÍTULO II DO CURSO DE PLPs À FORMAÇÃO DO SIM

47 A divisão de escalas dos plantões aparece recorrentemente como um dos grandes estopins de conflitos entre as promotoras Cabe lembrar que a política adotada pela Themis para os plantões das promotoras inclui o

3.4. Os lugares no campo político comunitário

Este padrão de relacionamento entre os pequenos grupos de PLPs do Partenon que disputam por um lugar de destaque no campo político comunitário, o qual fica evidente já na configuração da turma participante do curso, pode ser entendido através do conceito de segmentaridade utilizado por Evans-Pritchard (1993) ao analisar o sistema político do povo Nuer. Este conceito, que segundo o autor pode ser empregado na análise de qualquer tipo de grupo político, encerra uma das fundamentais características de um grupo político: uma tendência para divisões em pequenos segmentos, e um constante jogo de oposição entre eles, fruto dos constantes conflitos entre valores políticos. Acrescentaria que, no caso das PLPs, esta segmentação é também fruto dos diferentes objetivos e pretensões destas mulheres a galgarem degraus de poder neste campo político, e da disputa por um lugar de destaque num campo de extrema concorrência.

Este padrão de segmentaridade pode ser comparado às análises de Pontes (1986), que aponta a grande segmentação em pequenos grupos concorrentes dentro do SOS-Mulher de São Paulo na década de 80, e de Goldberg (1987), que ao estudar a constituição do movimento feminista no Brasil na década de 70 e acompanhar a trajetória do Centro da Mulher Brasileira do Rio de Janeiro (CMB-RJ), coloca em perspectiva a grande disputa entre pequenos grupos ideológicos dentro do movimento feminista mais amplo.

Algo semelhante ao que identifiquei no SIM, no CMB-RJ de Goldberg, se nota o mesmo movimento de ascensão e domínio ora de um grupo, ora de outro na administração do centro. No caso do CMB, os pequenos grupos eram também formados por poucas mulheres, as quais tinham relações de amizade entre si e compartilhavam de um mesmo referencial ideológico, ou seja, diferentes concepções acerca do feminismo. No caso do SIM/Partenon, o elemento que unificava os pequenos grupos, além dos laços de amizade e relações pessoais entre as PLPs, era o pertencimento à mesma vila.

Este diferencial entre estas duas experiências aponta para a particularidade dos valores simbólicos que conformam os universos culturais dos grupos nos dois casos em questão. Salientando o caso que interessa aqui analisar, as PLPs, o elemento unificador dos pequenos grupos - o pertencimento à mesma vila - denota a preeminência da comunidade, valor cultural altamente significativo no universo simbólico das PLPs, mulheres de grupos populares. Desta

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comparação entre as análises de Evans-Pritchard, Pontes, Goldberg e o caso do SIM/Partenon pode-se inferir que as relações políticas se fundam prioritariamente nas relações pessoais e que, para além disto, a chegada a um suposto consenso só é possível a partir da configuração de pequenos grupos que compartilhem dos mesmos valores simbólicos.

Neste sentido, na configuração peculiar da turma de PLPs do Partenon pode-se notar a recorrência da formação de pequenos grupos que advém da constituição das redes de mulheres que participaram do curso de PLPs. Além disto, as mulheres que constituíam as referências destas redes eram as únicas que de fato possuíam o perfil valorizado pela ONG: uma grande trajetória no movimento comunitário.

A partir disto, pode-se aventar uma hipótese, associando esta conduta com outra que observei em outras instâncias da política comunitária de que estas mesmas mulheres participam. As mulheres participantes do curso que possuem uma trajetória no movimento político comunitário, como têm experiência de atuação neste campo, dominam seus códigos de conduta e lançam mão deles, atualizam-nos em outros contextos e, assim, garantem um lugar de destaque - o da liderança - dentre o grande grupo de mulheres. O domínio destes códigos e, sobretudo, o reconhecimento pelo grupo de suas "especialidades", faz com que seu capital simbólico seja maior e, portanto, com que tenham uma maior mobilidade na disputa por um lugar de destaque no campo político comunitário.

Como exemplo elucidativo, trago uma comparação entre a forma de conduta das mulheres participantes do curso de PLPs, que são as referências dos diversos sub-grupos, e a conduta dos delegados do OP que pude observar (vale salientar que muitas de nossas protagonistas são também delegadas do OP). Nas plenárias de votação do OP, é possível identificar pequenos grupos organizados, liderados por um delegado. Estes são os encarregados de chamarem as pessoas de sua região de atuação para irem às reuniões, a fim de escolher as demandas de sua comunidade. Obviamente, para que a demanda logre passar no processo de eleição, é necessário que esteja presente o maior número de votantes possível. E neste processo que se pode verificar a influência do delegado em sua região.

Este mesmo modelo de conduta pode ser comparado à lógica de funcionamento interno que encontrei na turma de PLPs do Partenon. Ou seja, aquelas mulheres que mais se aproximam da categoria abstrata liderança comunitária, e que por isto possuem uma trajetória na política comunitária, trazem experiências ali adquiridas e aplicam-nas no contexto do curso de PLPs. Além disto, revela-se outra característica, que se assemelha às análises de Pontes e

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Goldberg: as relações políticas, ou melhor, o exercício de um papel político comunitário, passa, sobretudo, pelo estabelecimento de redes de relações pessoais, salientando-se a noção de pertencimento a uma mesma comunidade. Ou seja, trata-se da aplicação de um modelo que faz parte do cotidiano destas mulheres.

Desta característica fundamental se podem apontar algumas conseqüências, que tanto definirão o perfil das PLPs engajadas no SIM e o tipo de impacto do curso na vida de algumas mulheres quanto justificarão o fato de, no momento atual da pesquisa, poucas mulheres estarem levando adiante o projeto do serviço. Quais são as mulheres que de alguma forma se engajaram no SIM? Daquelas que foram levadas ao curso por suas amigas militantes, poucas ficaram trabalhando no SIM; o restante desmobilizou-se.

Do grupo do Morro da Cruz, efetivamente ficaram duas, sendo que uma nunca tinha participado de atividades relativas a política comunitária, e afastando-se do serviço quando se casou novamente e teve um novo filho. A outra, já com uma certa trajetória em política comunitária, engajou-se no serviço por algum tempo, e afastando-se tão logo encontrou um lugar de destaque em outras atividades na comunidade. Do grupo da Vila Maria Conceição, efetivamente ficaram quatro mulheres, as quais não tinham nenhuma experiência de participação política comunitária anterior e, após o curso, passaram a dedicar-se a uma série de atividades neste campo. Ou seja, engajaram-se no SIM como uma possibilidade de seguir adiante no campo político comunitário. O pequeno grupo da vila São Miguel continua ativo até hoje, na tentativa de solidificar este novo espaço de atuação na busca por reconhecimento e legitimidade. As militantes mais antigas, aquelas que levaram as suas conhecidas para o curso, já possuíam lugares assegurados de destaque em outras áreas da política comunitária - seja no Conselho Tutelar, seja nas associações de moradores - e continuaram nestas mesmas atividades, não conjugando uma dupla atuação no SIM48.

Com esta análise, pretendo sugerir que o projeto de Formação de PLPs (tanto o curso de PLPs quanto o SIM) se configura como um novo espaço aberto para aquelas mulheres que ainda não têm um lugar de atuação conquistado no campo político. Desta forma, o SIM soma-

48 Este padrão de engajamento é também notado pela ONG Themis, que o acolhe e passa a trabalhar com ele: "constatamos que nem todas as alunas, após a conclusão do curso, se propõem a atuar nos SIMs. Preferem outros caminhos, como creches, associações de moradores, grupos de idosos, conselhos tutelares ou atuações individuais. Atualmente, contamos com a atuação de 50 PLPs; no entanto, formaram-se 150 alunas. Atuam nos SIMs 33% do grupo. Importante salientar que a Themis está também fortalecendo a atuação de PLPs, que passaram a atuar em outras frentes, como as que se elegeram conselheiras tutelares. Após a eleição deste ano (1998), 25% do Conselho tutelar de Porto Alegre passou a ser composto por promotoras legais populares. (Brum e Silveira, 1998: 35 e 36)

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se ao Conselho Tutelar, ao Orçamento Participativo e aos partidos políticos na oferta de mais uma possibilidade de inserção no espaço público para mulheres que, seja por grau de escolaridade, de pertencimento de classe social ou mesmo de ethos cultural, estavam alijadas de determinadas vias de acesso à participação política e de mudança de status social.

Evidentemente, as diferentes motivações individuais para o engajamento destas mulheres nas mais diversas áreas do campo político não podem ser reduzidas à mera busca por melhores oportunidades de vida. Certamente há uma complexidade de fatores, que a análise tende a reduzir. Não obstante, sublinho o que me parece constituir a novidade do fenômeno social que acompanhei, ou seja, que a participação política de mulheres das camadas urbanas de baixa renda transcende a mera busca de soluções para reivindicações acerca de melhorias em sua comunidade, e motivadas pelos seus papéis de mãe e esposa como afirma a literatura sobre as mobilizações de mulheres nas décadas de 70 e 80, conforme apontei anteriormente. O que me parece inovador é a emergência de um tipo particular de participação política de mulheres das camadas populares urbanas cujo significado está, entre outras coisas, na possibilidade de realização de projetos pessoais via política comunitária, a qual constitui um dos inúmeros canais abertos no cenário político de Porto Alegre.

A partir desta hipótese, parece compreensível que de todo o grande grupo de 32 PLPs Partenon formadas, apenas nove mulheres estiveram envolvidas na atuação do SIM desde a sua implantação. No entanto, este envolvimento não se deu de forma sistemática. Ou seja, olhando-se para a trajetória do serviço, notam-se diferentes ciclos de participação destas nove PLPs. Estes ciclos caracterizam-se pela maior participação de algumas mulheres, e a menor participação de outras, associada aos diferentes locais de funcionamento do SIM, e por conflitos entre os diferentes grupos de mulheres e em relação à ONG.

No próximo capítulo, discutirei a forma de atuação destas PLPs no SIM/Partenon. A fim de marcar a especificidade do SIM, tendo em vista a ideologia feminista que informou a formação das PLPs que nele atuam, proponho uma comparação entre este serviço e o SOS- Mulher, um serviço de atendimento a mulheres vítimas de violência doméstica, oriundo do movimento feminista brasileiro na década de 80.

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