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3.1. O Ponto de Partida

Graduanda do curso de Ciências Sociais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 1996 eu trabalhava como bolsista auxiliar de pesquisa no Núcleo de Antropologia e Cidadania - NACI, daquela universidade, coordenado pela Profa. Dra. Claudia Fonseca. Naquela ocasião, a ONG feminista Themis estava implementando a terceira edição de seu projeto de intervenção junto a mulheres das camadas populares urbanas, o Programa de Formação de PLPs, e solicitou ao NACI uma "assessoria". Tendo em vista os obstáculos enfrentados nas duas experiências anteriores do projeto, a entidade foi em busca de um outro olhar, mais distanciado, sobre o programa de formação, a fim de minimizar as possíveis

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dificuldades nesta próxima experiência. O interesse da Themis em um acompanhamento passava pela preocupação em analisar a sua prática, a eficácia da sua atuação, além de ter um conhecimento e visão mais amplos da nova turma de PLPs em formação.

A indicação de uma assessoria especificamente antropológica foi feita por uma empresa de pesquisa sociológica, a partir de uma pesquisa encomendada pela própria ONG junto às duas turmas já formadas. O nosso trabalho parecia ser encarado pela ONG feminista como algo aproximado ao de um tradutor. O nosso grupo - constituído exclusivamente por antropólogos - era entendido como um conjunto de especialistas, detentores de saberes específicos acerca do universo cultural das camadas populares urbanas. Com isto, a nossa presença junto ao grupo de alunas, o nosso "olhar antropológico" possibilitaria uma "tradução" daqueles códigos para a linguagem das organizadoras, o desvendamento da lógica que permeava as relações sociais daquele grupo cultural. Seriamos, assim, intermediários entre dois grupos sociais em contato, com o objetivo de minimizar os possíveis ruídos na comunicação entre ambos.

Assim, acompanhei a terceira turma do curso de Promotoras Legais Populares, participando das aulas juntamente com o grupo de "alunas". Esta edição do curso foi realizada na região conhecida como Partenon, 4a. micro-região do Conselho Tutelar, que compreende uma vasta região ao sudeste da cidade de Porto Alegre, abrangendo desde o bairro Partenon até o bairro Lomba do Pinheiro. Como método de pesquisa, utilizei fundamentalmente o método etnográfico fortemente marcado pela observação participante (cf. Malinowski, 1984). Participava das aulas do curso, procurando atentar para a interação entre as pessoas que ali estavam compartilhando daquele espaço. Escutava as conversas entre as colegas, registrava suas colocações na aula, esgueirava-me por entre os pequenos grupos que se formavam nos intervalos da aula, intrometia-me nas suas conversas, por vezes direcionando-as para alguns assuntos que me pareciam especialmente interessantes para a pesquisa. Além disso, observava as professoras do curso, as suas posturas, as suas colocações, as suas maneiras, anotava os conteúdos e as discussões produzidas. Tudo isto com o intuito de compreender as especificidades de cada sujeito, e como estas especificidades estariam implicando na constituição de diferentes universos simbólicos que ali interagiam. Após o término das aulas, registrava minhas observações, estando todas elas sistematizadas em diários de campo.

Em companhia de outra pesquisadora da equipe do NACI, fizemos as incursões nas casas e locais de trabalho das informantes. Nesta etapa da pesquisa, concomitantemente com o

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curso, utilizamos também o método etnográfico, com ênfase na observação participante. Além disto, objetivávamos naquele momento entender um pouco a trajetória de vida de cada uma das participantes do curso. Para tanto, tínhamos um roteiro básico que orientava as nossas conversas com as mulheres. Em virtude do tempo reduzido de pesquisa, como já apontei, não foi possível ter um contato com todas as 32 mulheres participantes do curso. Centramo-nos, assim, em apenas algumas PLPs, 11 das 3221.

O curso terminou em agosto de 1996, encerrando com uma cerimônia de formatura, onde as PLPs, juntamente com a pesquisadora, receberam o diploma do curso. Nesta mesma cerimônia foram lançados os Serviços de Informação à Mulher (SIM) das outras duas turmas de PLPs anteriormente formadas. O SIM da turma recém formada ainda não estava organizado, entrando em funcionamento somente no ano seguinte. Continuei acompanhando a mobilização do grupo na organização do SIM/Partenon, embora de forma menos sistemática neste momento.

Quando finalmente o SIM/Partenon se estruturou em meados de 1997, passei a acompanhar as PLPs formadas em suas atuações. Fiz algumas visitas ao local de atendimento mas, à primeira vista, a demanda pelos serviços do SIM/Partenon não parecia ser grande. A fim de ter dados comparativos, visitei o SEM de outra região, em funcionamento há mais tempo e tido como o SIM modelo, devido à sua grande demanda. Além disto, procurei as PLPs/Partenon que estavam mais atuantes em suas casas. Nestas visitas, tinha a intenção de compreender como elas percebiam as suas experiências no SIM. Associado a isto, gostaria de resgatar as suas concepções acerca dos direitos das mulheres e da cidadania.

Após um afastamento para o curso de mestrado, retomei a campo para implementar a etnografia para esta dissertação. Para esta fase da pesquisa, de abril a julho de 1999, orientei- me por questionamentos que vinham surgindo ao longo do meu contato com o grupo de PLPs/Partenon. Comecei a investigar a "circularidade" de elementos simbólicos entre diferentes "espaços semânticos" (cf. Ginzburg, 1995 e ComarofF & Comaroff, 1991), e a maneira como os valores simbólicos apropriados e ressignificados nesta circularidade

21 Um dado importante a ressaltar aqui é que as três principais protagonistas da etnografia que empreendi para

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