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Identidade, currículo e a lei 10.639/

No documento História e Historiografia (páginas 73-76)

A escola é um espaço plural de socialização que estabelece relação com diferentes núcleos familiares. Entretanto, por vezes implicita- mente o currículo conserva a manutenção da hegemonia social, vis- to que no âmbito sociocultural não é incorporado em um processo contínuo da formação humana, não obstante direciona o alunado para questões pontuais, como por exemplo para atender ao conteúdo de um teste ou uma prova de vestibular, empobrecendo a construção da identidade do sujeito social.

Contudo, conforme Gomes (2012, p. 102) “é importante consi- derar que há alguma mudança no horizonte. A força das culturas consideradas negadas e silenciadas nos currículos tende a aumentar cada vez mais nos últimos anos.”

Os sujeitos anteriormente invisibilizados passam a exigir a de- mocratização do acesso à educação, através de lutas e ações políti- cas estes reivindicam uma articulação entre o currículo e a vida real dessas pessoas, abordando suas vivências, histórias e ancestralidade, que vale ressaltar precedem a colonização, retirando-se do âmbito exclusivamente eurocêntrico.

Descaracterizando o currículo conservador, a Lei 10.639/2003 prevê a obrigatoriedade ao ensino sobre história e cultura indígena e afro-brasileira no Ensino Fundamental e Médio. As Diretrizes Cur- riculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana apon- tam o papel da escola nesse cenário:

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Nesta perspectiva, cabe às escolas incluir no contexto dos estudos e atividades, que proporciona diariamente, tam- bém as contribuições histórico-culturais dos povos indí- genas e dos descendentes de asiáticos, além das de raiz africana e européia (MEC, 2003, p. 17).

Entretanto, algumas indagações devem ser feitas. Na prática a cul- tura africana está sendo abordada em todo currículo? Ou os temas étnico-raciais são trabalhados apenas pontualmente em datas come- morativas como o dia da consciência negra? Todavia, a lei nº 12.288, ampara em seu artigo 11, que:

§ 1º Os conteúdos referentes à história da população ne- gra no Brasil serão ministrados no âmbito de todo o cur- rículo escolar, resgatando sua contribuição decisiva para o desenvolvimento social, econômico, político e cultural do País (BRASIL, 2010).

A lei que instituiu o Estatuto da Igualdade Racial ratifica a abran- gência dos conteúdos da história da população negra no Brasil, que devem perpassar o currículo. A esse respeito, Gomes (2012, p. 105) mostra-se otimista:

Nesse sentido, a mudança estrutural proposta por essa le- gislação abre caminhos para a construção de uma educa- ção anti-racista que acarreta uma ruptura epistemológica e curricular, na medida em que torna público e legítimo o “falar” sobre a questão afro-brasileira e africana. Mas não é qualquer tipo de fala. É a fala pautada no diálogo inter- cultural. E não é qualquer diálogo intercultural. É aquele que se propõe ser emancipatório no interior da escola [...].

É válido ressaltar que o estudo da África é interdisciplinar, percorre desde a arte até a história, a instituição de ensino tem a obrigação de incorporar aos debates a história da África e dos afro-brasileiro, não sendo facultativo querer ou não abordar as relações étnico-raciais, esse

A memória da África no Ensino de História e a (re)construção da identidade negra na escola debate intercultural é fundamental para a formação da identidade e a desconstrução de estereótipos referentes ao continente africano.

A partir do momento em que a criança é inserida na escola, o que é construído naquele espaço passa a compor o seu cotidiano, então aqui- lo que é ensinando precisa estar sincronizado à sua realidade social.

Diante disso, a criança precisa se reconhecer nas temáticas abor- dadas nas discussões, contextualizando o educando enquanto sujeito histórico e agente transformador que desempenha um papel social, não sendo “apenas objeto da história, mas seu sujeito igualmente” (FREIRE, 1996, p. 77).

Pensando nisso, os educadores devem refletir a respeito da for- mação da identidade individual e coletiva, dentro dessa construção “a memória é um marcador de relevância para a afirmação da iden- tidade, porque é a partir dela que se constrói a identidade de um determinado grupo social” (GUEDES, 2018, p. 7).

Deve-se compreender que para a criança/jovem se enxergar enquan- to negra, é preciso abraçar todo um processo histórico que geralmente apresenta seus descendentes sendo escravizados e tratados como obje- tos. Afinal de contas, é comumente apresentado ao educando uma histó- ria única da população negra que se inicia na colonização e perdura até a abolição, após esse período os negros são omitidos dos livros didáticos.

A conveniência de apresentar uma história única está relacionada ao poder e na manutenção dele, Chimamanda Adichie (2009) apon- ta que “Histórias têm sido usadas para expropriar e tornar maligno. Mas histórias podem também ser usadas para capacitar e humani- zar. Histórias podem destruir a dignidade de um povo, mas histórias também podem reparar essa dignidade perdida.”

Entendemos com isso que história é poder, logo a responsabilida- de social que o professor de história possui em desconstruir a histó- ria única é transcende o currículo, bem como ao livro didático.

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No tocante a legislação e a prática, a realidade de grande parte das instituições educacionais do Brasil aponta um racismo vela- do a cultura afro-brasileira que externa a negação da identidade negra, não só associada ao fenótipo, mas principalmente as mani- festações culturais e religiosas de matriz africana.

Isto posto, só o fato da incorporação da Lei nº 10.639/03 não re- solve o déficit da educação das relações étnico-raciais, é necessário um debate mais amplo possibilitando novas discussões sobre o plu- ralismo cultural, aliados a projetos pedagógicos antirracistas, para auxiliar a escola em um redirecionamento da prática pedagógica.

No documento História e Historiografia (páginas 73-76)