• Nenhum resultado encontrado

O que se conclui sobre elas

No documento História e Historiografia (páginas 32-37)

“É preciso estudar os espaços femininos conquistados e não os prescritos, por isso em grande parte calados ou omitidos nos documentos escritos”.

(DIAS, 1983, p. 41).

A crônica que serviu de inspiração para o título desse trabalho é um simples diálogo entre um homem e uma mulher, no qual em algum momento surge a questão “Não desejas ser mulher?”17 se-

guida de uma negativa fervorosa. A personagem, Heloísa, então, passa a descrever seu cotidiano na condição de mulher moder- na, lotada de roupas, impossibilitada de andar desacompanhada nas ruas, em ocasiões que tem “vontade de sair para a rua, gritar, como louca, que me deixem e não me assassinem” (Jornal das mo- 17 Jornal das moças. Não desejas ser mulher. 1915, ed. 39, p. 11.

“O que a mulher quer ser”: Uma análise das crônicas publicadas no Jornal das Moças acerca da conduta feminina ante a sociedade de 1914-1920 ças. 1915. ed. 39. p. 11), deixando claro que nem mesmo ela gosta- ria de ser mulher naquelas condições e que mesmo com todos os argumentos apresentados, seu amigo não a entenderia, visto que ele, detém tudo aquilo de que ela é impedida.

Isto posto, em sua análise do Código do Bom-tom de Cônego José Inácio Roquete, a autora Andréa Lisly Gonçalves (2006) afirma que a literatura dessas crônicas-manuais construíram tratados que separavam os corpos femininos dos masculinos, moldando-os de tal forma que considerava-se cientificamente aprovado a formação de dos modelos de feminino e masculino, sendo este dotado de um grau mais alto na hierarquia social.

Assim como Heloisa, a primeira frase do trabalho traz a figura de Clarissa Dalloway, protagonista do romance Mrs. Dalloway, da escrito- ra Virginia Woolf, cuja característica principal da sua personalidade é a de oferecer festas à alta burguesia inglesa numa tentativa de encobrir os silêncios que sente como uma mulher que deixou de ser ela para ser

dele. Como personificação da patrícia das primeiras décadas do século

XX, Clarissa preenche todos os requisitos do que se espera delas, e foi por meio dessa pedagogia do corpo que ela se silenciou.

Os silêncios impostos às mulheres significa retirar delas sua capaci- dade de ação, de ser humana, por muito tempo o poder da palavra es- tava restrita à uma representação do outro (no caso, as mulheres) para o outro (o homem), construindo assim uma linearidade do que era estudado em história, com direção e sentido apontado exclusivamente para o homem. Destacar os silêncios que Solnit apresenta é, a grosso modo, perceber que ao longo da história, as mulheres são empurradas para uma definição extrema de privado, deixando de atuar explicita- mente no meio público, local de exclusividade masculina. É também, ter ciência de que essas mulheres rompiam esses silêncios impostos, sempre em grupos, unindo suas vozes numa tentativa de ter o mínimo

História e Historiografia: experiência de pesquisa

32

de voz ativa em uma sociedade extremamente restritiva, do século XX, bem como uma sociedade negacionista como a do século XXI.

Referências

ABREU JUNIOR, Laerthe de Moraes. CARVALHO, Eliane Vianey de. O discurso médico-higienista no Brasil do início do século XX. Trab.

Educ. Saúde, Rio de Janeiro, v. 10 n. 3, p. 427-451, nov. 2012.

ALMEIDA, Nukácia Meyre Araújo de. Jornal das moças: leitura, civili- dade e educação femininas (1932-1945). Tese (Doutorado em Educação Brasileira). Fortaleza: UFC, 2008.

BEDRAN, Laura Martini. Cultura urbana, linguagem visual e publicidade nos tempos do Rio Moderno. Intercom, Revista Brasileira de Ciências

da Comunicação [online], São Paulo, v. 34, n. 2, p. 37-53, jul./dez. 2011.

CANO, Jefferson. Justiniano José da Rocha, cronista do desengano. In: CHALHOUB, Sidney; NEVES, Margarida de Souza; PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda (Org.). História em cousas miúdas: capítulos de histó- ria social da crônica no Brasil. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2005. CHALHOUB, Sidney; NEVES, Margarida de Souza; PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda (Org.). História em cousas miúdas: capítulos de histó- ria social da crônica no Brasil. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2005. DIAS, Maria Odila. Mulheres sem história. Revista de História, São Paulo, n. 114, p. 31-45, 1983.

ESTEVES, Martha de Abreu. Meninas perdidas. São Paulo: Paz e Terra, 1989.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: história da violência nas prisões. Petrópolis: Editora Vozes, 1987.

FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). São Paulo: Martins Fontes, 1999.

FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade II: O uso dos prazeres. 5. ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984.

FREIRE, Maria Martha de Luna. Mulheres, mães e médicos: discurso maternalista em revistas femininas (Rio de Janeiro e São Paulo, década de 20). Tese de doutorado. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2006.

“O que a mulher quer ser”: Uma análise das crônicas publicadas no Jornal das Moças acerca da conduta feminina ante a sociedade de 1914-1920 GALVÃO NETA, Inocência da Silva. Moças honradas, senhoras vir-

tuosas e mulheres airadas: registro de violência nas relações de gênero

na imprensa e nos documentos judiciais no Recife nas décadas de 1920 e 1930. Recife: O autor, 2013.

GONÇALVES, Andréa Lisly. História e gênero. Belo Horizonte: Au- têntica, 2006.

GRECCA, Gabriela Bruschini. Silêncio e silenciamento em “Mrs. Dallo-

way”, de Virginia Woolf. Revista Muitas Vozes, Ponta Grossa, v. 6, n. 1, p.

178-192, mar. 2018. Disponível em: https://revistas2.uepg.br/index.php/ muitasvozes/article/view/8948/209209209676. Acesso em: 02 mar. 2018. LOBATO, Mayara Luma Maia. A trajetória do feminino na imprensa brasileira: o jornalismo de revista e a mulher do século XX. Anais do 9º

Encontro Nacional de História da Mídia, p. 1-14, 2013.

LOURO, Guacira Lopes (Org.). O corpo educado: pedagogias da se- xualidade. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.

MEDEIROS, Ana Luzia. A perspectiva da educação higienista no Jor-

nal das Moças (1926). Dissertação (Mestrado em Educação). Natal,

RN: UFRN, 2012.

NOCHLIN, Linda. Por que não houve grandes mulheres artistas? São Paulo: Aurora, 2016.

OLIVEIRA, Nathalia Paulino. SILVEIRA, Fabrício José Nascimento Da. Mulheres cariocas e práticas de leitura nos anos de 1920: um estudo do- cumental a partir das revistas FonFon e Jornal das Moças. Perspectivas

em Ciência da Informação, v. 21, n. 2, p. 33-60, abr./jun. 2016.

PIRES, Maria Isabel Edom. A crônica como gênero mediador na forma- ção/atuação do intelectual brasileiro no entresséculo XIX-XX. Diálogos

Latinoamericanos, n. 8, p. 40-48, 2003.

SANTOS, Poliana. O historiador e o cronista: um diálogo sobre o tem- po e o cotidiano. Anais do XXVII Simpósio Nacional de História, Natal, p. 1-11, 2013.

SOLNIT, Rebecca. A mãe de todas as perguntas: reflexões sobre os no- vos feminismos. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

Sensibilidades na Amazônia

No documento História e Historiografia (páginas 32-37)