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Processos construtores de um “mito”

No documento História e Historiografia (páginas 169-172)

Segundo os resultados do Censo Escolar da Educação Básica de 2007 (2009) divulgados pelo Ministério da educação, são predominantemen- te femininas as etapas de creche (98%), pré-escola (96%) e ensino fun- damental (91%), assim como também notamos no Censo de 2017, que fora o mais recente a apresentar dados esclarecidos por sexo, a predomi- nância continuava entre as mulheres que representavam 80,0% do qua- dro de magistério da educação básica. Além de ser vista como uma pro- fissão feminina, à docência que se ocupa de crianças menores percorreu um longo trajeto de desvalorização salarial e social, traçando assim uma grande curva decrescente simbolizando uma hierarquização das rela- ções sociais e profissionais entre os gêneros, dividindo-se injustamente o trabalho doméstico e ocorrendo uma distribuição diferencial entre os sexo no mercado de trabalho, conhecida como a divisão sexual do tra- balho (HIRATA; KERGOAT, 2007, p. 596). É perceptível, à vista disso, a justificativa da progressiva presença de educadores homens a medida em que se aumenta o grau de “complexidade” de ensino, inversamen- te a sua colegas professoras, os homens ocupam, predominantemente, os níveis de ensino superior e de educação profissional. Contudo estes polos opostos não causam grande surpresa, haja vista a imagem mítica

História e Historiografia: experiência de pesquisa

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emposta à mulher professora (ARCE, 2001). A construção e consolida- ção desse mito não lideraria a algo ficcional e absurdo, mas, segundo a professora Arce (2001), devido ao seu teor de construção social ele seria composto de algo “verdadeiro”, que dirigiria as ações dos homens e cul- minaria em um fenômeno sócio histórico real.

Iniciando-se em meados do século XX, o Brasil então republicano decide dar novas faces as ocupações e cargos do estado, aceitando dessa forma o ingresso de mulheres em escolas Normalistas que se configuravam como um magistério de 1º grau ao seu tempo, as habi- litando assim para lecionar até ás series iniciais do ensino fundamen- tal. Ao mesmo tempo em que se crescia consideravelmente as turmas em que se formavam quase exclusivamente mulheres, o processo lentamente estável de urbanização e industrialização pela produção cafeeira atraia os homens com propostas mais “masculinas” e pres- tigiosas de emprego, visando também uma maior renda, esse sujeito homem, que se incumbia do papel de principal provedor econômico do lar e da família, não teve grandes dificuldades em transferir sua preferência a esses novos empregos ofertados. Já enquanto alunas, tomando ciência das classes sociais que haviam grande abismos de oportunidades entre si, as garotas de famílias abastecidas obtinham o privilégio de frequentar escolas (devidamente separadas por gê- nero) e, a priori, tinham o mesmo currículo que era ministrado aos garotos, contudo em dado momento mais posterior os ensinamentos se bifurcavam e notava-se então o quão objetivo e explícito se mate- rializava cada papel social e “destino” final dos meninos e meninas.

Sendo a mulher um sujeito histórico, presente em todas as socie- dades, culturas, tempo e espaço, esta não está passível de exclusão do engendrado sociocultural e estrutural que permeia cada passagem temporal e espacial da história da humanidade. O papel feminino universalmente inflexibilizado e imposto, tal qual cada cultura de- senvolve sua maneira de subordinar e tornar as mulheres seres infe- riores aos homens (ORTNER, 1979, p. 97), é o da maternidade e do matrimônio. Tomando como destino último e invariável da mulher, imaginou-se estar apenas seguindo o curso natural de uma socieda-

Entre a maternidade e a docência: O mito da educadora nata e a mulher professora na educação básica

de hierárquica de gêneros ao condicionar a visão de um magistério como uma extensão da maternidade feminina, elegendo o cuidar e educar como funções de cunho maternal e de obrigação exclusiva e prioritária da mãe. Ou seja, como o trabalho da natureza da mulher já a encarregava de cuidar de crianças com zelo e sentimentalismo de forma instintiva e biológica, a via mais socialmente lógica seria de que esta tomasse uma profissão em que seu “dom” pudesse ser rea- proveitado, portanto, está também não precisaria de formação pro- fissional ou de deter conhecimentos cientificamente pautados para a educação de crianças, haja vista que sua natureza já se incumbiria de que seu papel maternal fosse bem desempenhado.

Outro importante agente condicionante neste processo se dava em razão da diminuta carga horária em que estas professoras atua- vam fora de casa, mantendo assim a comodidade capitalista e pa- triarcal de que, apesar destas agora terem a comedida liberdade de lecionar, trabalhar fora e ganhar um pequeno auxílio financeiro, suas prioridades haveriam sempre de ser o zelo para que seu mari- do estivesse confortável, da mesma forma com seus filhos e seu lar. Mesmo trabalhando, não se questionava sobre sua disponibilidade para os afazeres domésticos pois sendo o matrimônio considerado o apogeu da vida feminina, esta mulher deveria então se doar intei- ramente para que não ocorresse nada que poderia acarretar prejuí- zos ao casamento, sendo assim se tornava inconcebível a imagem do marido realizando tarefas como lavar, cozinhar, coser ou limpar algo. Essa não era sua função e nem intenderia de ser tão cedo. Contudo, com o aperfeiçoamento de teses e saberes sobre gênero e sexualidade, a dinâmica simplesmente naturalista e orgânica desses comportamentos foi desmistificada ao passo em que se identificava que “nada há de puramente natural e dado em tudo isso: ser ho- mem e ser mulher constituem-se em processos que acontecem no âmbito da cultura” (LOURO, 2008, p. 18).

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Pilares mantenedores da mitificação da

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