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Ideologias, contradição e emancipação do sistema de ensino universitário.

O TRABALHO DOCENTE NA EDUCAÇÃO SUPERIOR SOB A NOVA GESTÃO PÚBLICA

2.5 Ideologias, contradição e emancipação do sistema de ensino universitário.

O dissabor das novas configurações gerenciais que acompanham a globalização neoliberal do tempo e do trabalho, a expansão do mercado e a reestruturação produtiva estabelecem a reestruturação e expansão educativa e curricular que por sua vez, provoca impactos significativos no trabalho docente universitário. (MOROSINI; 2000)

115 Assim, Rodrigues (2004) define os objetivos que justificam a existência da instituição universidade pública em meio ao seu aprofundamento e ampliação de crises advindas a partir das contradições e instabilidades as quais se encontra na atualidade. A contradição mais premente e que têm nos últimos dez anos tornado inconciliável assenta-se no paradoxo entre educação e trabalho. A separação entre o trabalho mais intelectualizado direcionado a abrigar a elite intelectual com o objetivo de preparar novas forças dirigentes afasta-se do mundo do trabalho real. A universidade apresenta o esforço de integração entre essa polaridade da formação profissional ressaltando a importância da formação mais humanística e menos utilitarista.

Chamo atenção para o risco que a universidade corre da perda de centralidade quanto ao objetivo de formação de seus profissionais já que o mercado de trabalho apresenta a flexibilidade para o desempenho de funções, rapidez na adesão de recursos e novas tecnologias no ambiente de trabalho e grande instabilidade contratual e salarial. A recolocação profissional é incorporada com grandes dificuldades pela universidade que pressionada por essas transformações não consegue eficiência na função de formar mão- de-obra qualificada para o posto de trabalho daí resultante. O enfoque humanístico da formação polarizou e trouxe a universidade para dentro dessa contradição embora a universidade não esteja acomodada ela esquece e fecha-se para dentro de si mesma. O modelo tecnocrático, um misto de tecnicismo com burocratização na gestão modificou a operacionalização do processo de trabalho docente, pois afastou os professores das funções de concepção e planejamento do ensino, reduziu a autonomia científica e trouxe a dependência de decisões frente as decisões do gestor do ensino. Essa racionalização nas práticas educativas é parte dos impactos imprimidos pela lógica racionalizadora do capital, de outra parte, está legitimado no ethos acadêmico a edificação de uma ideologia silenciosamente elaborada, além dos efeitos da mediação do Estado com suas diferentes formas de controle ideológico.

As linhas de investigação sobre o trabalho docente evidenciam que, historicamente o sistema de ensino universitário estabeleceu a cultura organizacional do controle e da autoridade no seu fazer diário e, além disso, Costa apud Popkewitz (1995) afirma no que se refere ao ensino, evidências históricas apontam a educação como uma área profundamente marcada por determinado discurso científico fortalecido à medida que se adequava a interesses sociais dominantes. As idéias de comprovação e de medidas fundadas no empirismo e no positivismo foram amplamente utilizadas na perspectiva de uma pedagogia científica a serviço do desenvolvimento econômico e do progresso. Esta

116 concepção expandiu-se, impregnou a formação de professores com a idéia de similaridade entre trabalho docente e trabalho industrial. O tecnicismo é um exemplo da predisposição racional, técnica e pragmática que tem estado presente no trabalho em educação desde o século passado.

A contradição fundante da atividade docente inserida nessa dinâmica racional do sistema de ensino universitário decorre das circunstâncias históricas sobre o trabalho no capitalismo. A alteração no processo de trabalho docente inclui os professore em um único grupo, ou seja, de semiprofissionais. As chamadas semiprofissões para Enguita (1989) representam o estágio primeiro da subordinação do trabalho ao capital. Essa subordinação ou divisão manufatureira do trabalho reorganiza o processo de produção para extrair o aumento da mais-valia, porém, o trabalhador que já havia perdido a capacidade de determinar o produto, perde agora o controle de seu próprio processo de trabalho.

Para Marx (1983) o que caracteriza a divisão manufatureira do trabalho é que o operário parcial não produz mercadoria alguma, apenas o produto coletivo dos operários parciais se transformam em mercadoria. A divisão manufatureira do trabalho supõe a concentração dos meios de produção nas mãos de um capitalista, a divisão social do trabalho, o fracionamento dos meios de produção entre muitos produtores de mercadorias, independentes uns dos outros. As consequências imediatas da produção mecanizada sobre o trabalhador são assim expressas:

(...) a máquina, ao aumentar o campo específico de exploração do capital, o material humano, amplia ao mesmo tempo, o grau da exploração. Ela revoluciona radicalmente o contrato entre o trabalhador eo capitalista, contrato que estabelece formalmente suas relações mútuas. Tomando por base a troca de mercadorias, pressupuséramos, de início, que o capitalista e o trabalhador se confrontam como pessoas livres, como possuidores independentes de mercadorias, sendo um o detentor do dinheiro e dos meios de produção e o outro detentor da força de trabalho, mas agora o capital compra incapazes ou parcialmente capazes, do ponto de vista jurídico, Antes, vendia o trabalhador sua própria força de trabalho, da qual dispunha formalmente como pessoa livre. Agora, vende mulher e filhos. Torna-se traficante de escravos. (MARX 2008, p.452-453, livro I vol. 1)

A mecanização ao qual o trabalhador se subordina com sua regulação de tempo e intensidade, substitui o homem pela máquina, assim, o trabalho alcança o grau máximo de controle da direção, desqualificação, rotinização e zero satisfação, isto é, a barbárie mecanizada.

117 Neste sentido, Lombardi (2010) entende que não faz sentido discutir o modo de produção capitalista em sua relação com a educação e o ensino separado da problemática dos movimentos contraditórios que emergem das lutas entre classes e frações de classe, pois é parte constituinte da existência dos homens, o ensino e a qualificação profissional foram construídos a partir das teorizações e práticas burguesas. As contradições do movimento entre burguesia e proletariado e suas implicações educacionais, no campo da teoria marxista acompanha essa teia de relações, divisão do trabalho, gênese e desenvolvimento do capitalismo. A articulação teórica entre educação e o modo capitalista de produção é assim entendida.

1ºPossibilita uma profunda crítica do ensino burguês; 2º traz a tona como, sob condições contraditórias desse modo de produção, se dá a educação do proletariado, abrindo perspectivas para uma educação diferenciada, ainda sob a hegemonia burguesa; 3º Contraditoriamente a crítica do ensino burguês e o desvelamento da educação realizada para o proletário torna possível delinear a premissas gerais da educação do futuro; não como utopia, mas como projeto estratégico em processo de construção pelo proletariado. (LOMBARDI 2010, p. 231)

A indissociação dessa articulação trata de identificar a educação em conformidade com as condições materiais e objetivas historicamente construídas e consolidadas pelas diferentes formações sociais, haja vista, que a concepção de educação introduz-se mediante a aprendizagem de um ofício. Assim, trabalho e educação aproximam-se em seus primórdios para corroborar com a distinção da exploração das condições capitalistas de produção.

Neste contexto, as semelhanças aos meios de organização da produção fabril, isto é, da mecanização do processo de trabalho podem ser transferidas tranquilamente para o âmbito educacional, pois o fenômeno da racionalização na gestão e controle está imbuídos da presença constante do controle nas relações de trabalho alterando a subjetividade do trabalhador fragilizando o ensino e mais ainda o papel social a ser desempenhado. De qualquer maneira a educação assume o seu papel estritamente econômico no momento, o que pretendo destacar é que para a existência da funcionalidade da sociedade do conhecimento e/ou da informação/digital a educação é imprescindível. As características atuais do mercado de trabalho variam entre competitividade, turbulência econômica e imprevisibilidade, portanto o ajuste dos recursos humanos consiste na sua constante iniciativa à capacitação.

118 É fato que o sistema de ensino universitário acompanha as transformações e responde ao cenário que vivenciamos de novas tecnologias centradas na informática e nas telecomunicações, o que por sua vez, consiste na revolução nas dimensões e no papel do conhecimento, da ciência e da tecnologia e, portanto, na estrutura da

qualificação. A caracterização desse momento na economia e em termos de concepção de educação para a sociedade do conhecimento perpassa pela extensão da terceira revolução industrial, que por sua vez, ―traz consigo o desenvolvimento e o

fortalecimento das profissões, em contraste com grupos de trabalhadores não qualificados, ou pouco qualificados, que se veem relegados a uma permanente concorrência com as máquinas que ameaçam substituir seu trabalho por terem um custo menor”. (ENGUITA, 2004, p.38)

Ressalta-se a qualificação para o e do processo de trabalho em seus aspectos operacionais, profissionais e científicos embora não basta expor-se aos meios de comunicação e informação. Para adquirir o conhecimento é preciso proceder a mediação do professor na universidade afim de que a informação seja veiculada, problematizada e trazida para o exercício da reflexão.

Para Pimenta & Anastasiou (2002) concebem a universidade enquanto instituição educativa que se efetiva pela docência e investigação com finalidade a criação, o desenvolvimento, a transmissão e a crítica da ciência, da técnica e da cultura, a preparação para o exercício de atividades profissionais que exijam a aplicação de conhecimento e métodos científicos . As transformações da sociedade contemporânea inaugurou o fenômeno do ensino multifacetado e a necessidade de internalização de saberes e modos de ação teórico-práticos.

Por isso que o entendimento da docência perpassa pelas condições em que o conhecimento é organizado, pois a emergência da complexidade do pensamento moderno mascara a realidade social e a reveste de ideologias particularizadas sobre o mundo real. A comunicação na compreensão de idéias deve ser um aliado do docente entre o que existe nas estruturas do pensamento humano frente a postura pessoal e profissional do docente, enfim, as idéias são mediadoras e tradutoras na obstrução de ideologias pré-estabelecidas. Mesmo que a subordinação do trabalho docente ao capital fracione, mecanize e deforme as relações sociais e a transmissão crítica do conhecimento, o mais importante consiste em não esmorecer a identidade do grupo de trabalhadores da educação e o seu sentido de classe trabalhadora.

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2.5 .1 A construção do saber científico para o trabalho docente.

Devido à complexidade do saber e aos efeitos da sociedade do conhecimento o desafio para o trabalho docente exige, antes de tudo, que a universidade pública reconstrua o mosaico de suas contradições.

Em destaque a tarefa de ensinar na universidade pública pressupõe as seguintes disposições:

1. Domínio de um conjunto de conhecimentos, métodos e técnicas científicas que devem ser ensinados criticamente em consonância com a produção social e histórica da sociedade;

2. A condução a uma progressiva autonomia do aluno na busca de conhecimentos; 3. O desenvolvimento da capacidade de reflexão e teorização de conceitos;

4. A habilidade de usar documentação de domínio científico elaborados mediante o contato de obras dos clássicos da ciência;

5. Considerar o processo de ensinar e aprender como atividade integrada à investigação;

6. Propor a substituição do ensino que se limita a transmissão de conteúdos teóricos por um ensino que constitua um processo de investigação do conhecimento;

7. Integrar a atividade de investigação à atividade de ensinar do professor, o que supõe trabalho coletivo;

8. Buscar criar e recriar situações de aprendizagem;

9. Valorizar a avaliação diagnóstica e compreensiva da atividade mais do que da avaliação como controle;

10. Procurar conhecer o universo cognitivo e cultural dos alunos e, promover a interação e a participação.

A bagagem dos conhecimentos acumulados para atuação da profissão professor naturalmente envolve a proposição intrínseca de se ressaltar a investigação do processo de conhecimento integrada à contribuição dos alunos. Ao se considerar esses elementos têm que a sistematização dos conceitos são de um lado, mais bem elaborados devido o nível de aprofundamento teórico e por outro lado, contribui no processo de construção da identidade do professor pesquisador.

120 Nos estudos de Tomaz Tadeu da Silva (2013) o que se persegue para o trabalho docente envolve a relação social que é estabelecida na produção do conhecimento, pois, o conhecimento não deve ser visto como uma coisa, mas sim como uma relação social de poder entre grupos sociais, vendo- o assim, faz-se emergir a essência humana, a linguagem, o discurso e a cultura. Sendo assim, a teoria do currículo traz suas narrativas que corporificam noções particulares sobre o conhecimento dependendo de qual grupo social a representação é válida, legítima e dominante, por isso, que há saberes incluídos e excluídos, bom e mau, feio e belo, o certo e o que é errado, as vozes autorizadas e as que não o são, enfim, essa ligação da teoria do currículo vincula o poder e exclui determinado saber. Portanto, devemos atentar para não cairmos nessa armadilha teórico- prática.

Neste contexto, os docentes tendem no exame das organizações, tempos e espaços, movimentos e gestos regulados, rituais e cerimônias, veem –se submetidos a um processo de disciplinamento, domesticação e sujeição da separação entre mente e corpo. O desaparecimento ou o ocultamento do corpo docente implica na descorporificação e desencantamento de determinado conhecimento, pois os professores lançam mão dos enquadramentos físicos, espaciais e atemporais, de controle e proximidade de movimentos e ritmos que acabam por circunscrever a instituição das hierarquias sociais consubstanciadas pela reprodução do saber e autoridade do outro. Essa separação entre mente e corpo implica na separação entre trabalho mental e trabalho manual contribuindo para a incontrolável divisão do trabalho mental/intelectual versus trabalho manual.

A prática dos estudos culturais em educação preocupam-se com a relação conhecimento e poder, enfatiza-se a regulamentação, a certificação e a padronização do comportamento docente em detrimento das condições para o exercício do papel político e ético que devem assumir como intelectuais envolvidos na tarefa de educar com criticidade.

Em virtude desse enfoque, Giroux (2013) entende que de fato as disciplinas convencionais ou de categorias disciplinares ou administrativas, tradicionalmente, oferecidas nas faculdades de educação contribuem para a divisão intelectual do trabalho. Os estudantes vislumbram poucas oportunidades para estudar questões sociais mais amplas através da perspectiva multidisciplinar, a adesão dessas disciplinas está em desacordo com o campo dos estudos culturais, o qual focaliza as questões de gênero, classe, identidade nacional, colonialismo, populismo, textualidade e pedagogia crítica.

121 A ampliação dos parâmetros da aprendizagem conduzem para a orientação contra hegemônica de rejeição ao discurso alienante e frequentemente elitista do profissionalismo, ao invés disso, a defesa da construção do saber segundo a perspectiva dos ―Estudos Culturais‖ de Henry A. Giroux defende uma posição de produção do conhecimento e discursos que mantem uma relação com o poder, o qual deve ser examinado em conexão tanto com as condições de sua construção quanto com seus efeitos sociais. A universidade tem estado há muito tempo ligada a uma noção de identidade nacional amplamente definida pela transmissão da cultura tradicional ocidental, uma cultura que tem ignorado as múltiplas narrativas, histórias e vozes de grupos culturais e politicamente subordinados. O desafio posto consiste em usar o conhecimento científico descolado dessa educação supostamente liberal de disciplinas desenhadas para preservar uma cultura comum.