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A NOVA GESTÃO PÚBLICA E OS IMPACTOS NA EDUCAÇÃO SUPERIOR

INDEPENDÊNCIA DO ESTADO

1.3 O Estado e o mercado universitário

1.3.1 Reforma e contra-reforma universitárias

A Reforma Universitária de 1968 moderniza naturalmente as reformas universitárias anteriores e as modifica na intenção de abolir com o que é antiquado, com o inadequado e com o arcaico. O jeito modernizante da reforma universitária brasileira denota sinais de uma modernização administrada, de forte conotação salvacionista adaptada às condições do governo. O modus operante da reforma universitária brasileira é revelado de acordo com as percepções das instituições educacionais e ainda mais pelos atores, sujeitos, protagonistas, que se envolveram com a teoria científica e a propagação da ciência em termos de conquistas. (CUNHA, 2007)

que resta, com efeito, da longa frequência dos textos antigos ou do comércio prolongado com os autores clássicos senão o direito de compreender sem ruborizar as páginas rosas do dicionário e, num grau mais alto da consagração escolar, o desembaraço e a familiaridade característicos dessas relações de pais célebres com os filhos...” (BOURDIEU & PASSERON 2014, p. 159)

60 Não tratamos mais o tom modernizante, neste século é um metadiscurso, e a sua verbalização é simplesmente irrelevante, na reforma que está em curso. Ao conceituar a reforma universitária os conceitos de habitus34 e campo35 serão essenciais para o entendimento das orientações reformistas e de contra-reforma. Com esses conceitos a consciência é esclarecida e encontra-se longe de práticas impositivas e relações de poder e dominação social.

Com o objetivo de historicizar as possibilidades e limites da reforma Shiroma, Moraes & Evangelista (2007) desenvolvem os atos de reforma do ensino brasileiro, o primeiro ato é o dos anos de 1930 que regulamentou uma série de decretos os quais são eles: Decreto 19.850, de 11 de abril de 1931, que criou o Conselho Nacional de Educação; Decreto 19.851, de 11 de abril de 1931, que dispôs sobre a organização do ensino superior no Brasil e adotou o regime universitário; Decreto 19.852, de 11 de abril de 1931, que dispôs sobre a organização da Universidade do Rio de Janeiro; Decreto 19.890, de 18 de abril de 1931, que dispôs sobre a organização do ensino secundário; Decreto 19.941, de 30 de abril de 1931, que institui o ensino religioso como matéria facultativa nas escolas públicas do país; Decreto 20.158, de 30 de junho de 1931, que organizou o ensino comercial e regulamentou a profissão de contador; Decreto 21.241, de 14 de abril de 1932, que consolidou as disposições sobre a organização do ensino secundário. A regulamentação na prática universitária significou

a organização da escolha do reitor, dos diretores e membros dos conselhos, a definição dos programas, ano por ano, às regras de escolaridade, os critérios de nomeação de professores e os seus salários totalizando assim, 328 artigos.

O segundo ato de reforma trouxe em execução os seguintes decretos-leis: Decreto-lei 4.048 de 22 de janeiro de 1942, Lei orgânica de ensino industrial; Decreto- lei 4.073, de 30 de janeiro de 1942, cria o serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) – outros decretos se seguiram a este, completando a regulamentação da matéria; Decreto-lei 4.244, de 9 de abril de 1942, lei orgânica do ensino secundário; Decreto-Lei 6.141, de 28 de dezembro de 1943, lei orgânica do ensino comercial; Decretos-leis 8.529 e 8.530, de 2 de janeiro de 1946, lei orgânica do ensino primário e

34 ― ...exprime sobretudo a recusa a toda uma série de alternativas nas quais a ciência social se encerrou, a

da consciência (ou do sujeito) e do inconsciente, a do finalismo e do mecanicismo, etc...‖ (BOURDIEU 1989, p.60)

35 ―Ao apresentar aqui, de modo mais sistemático os conhecimentos que pude obter, no decurso dos anos,

pela aplicação a universos diferentes do mesmo modo de pensamento daquele que é designado pela noção de campo‖. (BOURDIEU 1989, p. 31). O campo é científico apenas quando o modus operante (a gestão organizacional) é explicitado com clareza para aquele que vivencia o local.

61 normal, respectivamente; Decretos-leis 8.621 e 8.622, de 10 de janeiro, cria o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC); Decreto-lei 9.613, de 20 de agosto de 1946, lei orgânica do ensino agrícola. As diretrizes contemplaram os trabalhadores e profissionais encaminhando-os para uma rápida formação destinado ao mercado de trabalho, grande parcela da classe operária engajava-se ao processo fabril, após 20 anos os cursos e atividades com vinculação direta à preparação da mão-de-obra industrial passaram a dedicar- se à formação mais especializada de nível técnico com ênfase nas escolas públicas, como por exemplo, as escolas técnicas profissionalizantes criadas nos de 1960. (SHIROMA, MORAES & EVANGELISTA, 2007, p.25)

Foi apenas em 1961 que os embates ideológicos no nosso país estremecem as forças conservadoras e iniciam o clima favorável de efervescência cultural e política . O crescimento dos sindicatos chamou os movimentos de educação popular, os quais, acompanham o trabalho de conscientização política. Os ventos da reforma trataram de organizar os interesses reais das cidades, dos bairros, das profissões, do analfabetismo, da reforma agrária, do movimento operário e do movimento estudantil. A jornada compartimentava a consciência nacional de um lado, e por outro promovia inciativas ousadas inspiradas para a mudança. Esse momento configura-se como o terceiro ato de reforma no país, intelectuais brasileiros junto com agências internacionais atuou formulando e inspirando as linhas principais de reforma do ensino.

A lei 5.540 talvez tenha sido uma dos mais contraditórios empreendimentos do regime militar. Promoveu uma reforma no ensino superior brasileiro, extinguiu a cátedra – suprimindo o que se considerava ser o bastião do pensamento e do comportamento conservadores na universidade -, introduziu o regime de tempo integral e dedicação exclusiva aos professores, criou a estrutura departamental, dividiu o curso de graduação em duas partes, ciclo básico e ciclo profissional, criou o sistema de créditos por disciplinas, instituiu a periodicidade semestral e o vestibular eliminatório. No caudal dos atos de exceção da ditadura militar, a universidade brasileira foi obrigada a testemunhar a repressão, a perseguição policial, à expulsão, o exilio, as aposentadorias compulsórias, a tortura, a morte de muitos de seus melhores pensadores. (SHIROMA, MORAES & EVANGELISTA 2007, p.32)

As mudanças na universidade foram de grande impacto, as políticas para esse nível de ensino contribuíram para o incentivo de ascensão das camadas populares ao saber, ademais estimulou a expansão privatizante dessa modalidade de ensino ao assinalar a possibilidade de transferências de recursos públicos para as instituições privadas, o crescimento exagerado estimulou o investimento no desenvolvimento da

62 formação do capital humano. No período de 1962 a 1973 o ensino superior público brasileiro passa de 100.000 a 800.000 estudantes universitários e o ensino superior privado passa de 40.000 a 500.000. As faculdades isoladas privadas se proliferaram por todos os estados da federação. A título de exemplificação temos que o Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967 e o Decreto-Lei nº 900 de 29 de setembro de 1969 regulamentam a criação e funcionamento de empresas estatais, autarquias e fundações com inclusão das fundações universitárias. Duas formas de privatização são postas em prática: 1) a direta: através do implemento e subvenção, com dinheiro público, à criação maios ou menos indiscriminada de instituições de ensino superior privadas; 2) a

indireta: através da criação de fundações de direito público e privado, numa tentativa de o Estado desobrigar-se do econômico-financeiro, da manutenção do ensino superior e aumentar seu poder de intervenção. (SILVA Jr & SGUISARDI 2001, p.178-183)

O quarto ato de reforma do ensino é denominado de década perdida pelos economistas, mas também é marcada pelo fim do regime militar e pela esperança de democratização. A consolidação da democracia apareceu lentamente e apresentaram desenhos distintos, muitas opiniões e interessantes debates, o grande dilema foi trabalhar com a fase de transição e consolidar um consenso democrático. Para O‘ Donnell (1991) o esforço da democratização consiste em precisar tipologias, pois a democracia aponta vários caminhos para a democratização, a herança do autoritarismo deixa resquícios que apenas em longo prazo se conduzem e assemelham a existência de democracia representativa ou delegativa que são aquelas recém-instaladas nos países. Fundamentando o argumento anterior a perdição desse momento histórico consiste na pouca atenção dada ao financiamento da educação, com o avanço de espaços mais participativos, o imperativo da transparência no sistema de financiamento da educação aumenta as chances de materialização de diretrizes mais coerentes com o ideário da universidade pública vigente.

O norteamento educacional para o século XXI advém da Lei de Diretrizes e Bases da educação Nacional (LDBEN) nº 9394 de dezembro de 1996. Os comentários giram em torno do seu caráter minimalista, flexível, desregulamentador, omisso, privatista e inerte. (SHIROMA, MORAES & EVANGELISTA, 2007, p. 56)

Antes e após a edição da Lei nº 9.192, de 21/12/1995 que estabeleceu a lista tríplice para indicação e nomeação de dirigentes universitários das IFES, as instituições envolvidas atestaram o favorecimento do corporativismo acadêmico, sempre existiram vozes discordantes em defesa de que a nomeação de seus dirigentes deveria estabelecer

63 a composição de 70% de seus membros docentes com consulta no interior dos três segmentos da comunidade acadêmica. Neste contexto de reforma, a ênfase orientadora das ações das IFES em favor da educação pública e de qualidade atentaram para a elaboração do Plano de Desenvolvimento Institucional enfatizado à época, o qual envolvia o MEC, ANDES, FASUBRA, UNE, ANDIFES, ABRUC, ANUP, ABRUEM, que visava, dentre outras coisas, a criação de mecanismos capazes de garantir as condições básicas para a consecução da autonomia de gestão financeira e patrimonial e para a caracterização de fontes e bases de cálculo e as formas de regularidade da distribuição de recursos para as IFES. Em destaque as orientações das ações dessa década para as IFES são:

a)Significado das IFES para o processo de desenvolvimento do país; b) a importância das atividades de pesquisa e a busca de parcerias com a sociedade, visando a transferências de resultados; c) a defesa do princípio constitucional da associação ensino, pesquisa e extensão; d) engajamento das IFES no programa ― Ação da Cidadania contra a miséria, a fome e pela Vida‖ (Carta de Manaus, 1993); e) a participação no esforço junto ao Congresso Nacional pela aprovação da nova LDB; f) a participação no debate teórico-conceitual e prático sobre autonomia universitária e sobre medidas concretas do processo de avaliação institucional; g) a participação, quanto ao financiamento das IFES, na tentativa de definição de base de cálculos e de critérios para alocação equitativa de recursos; h) a dupla função dos Hospitais Universitários: acadêmica e assistencial. (SILVA Jr & SGUISSARDI 2001, p.126)

Esse documento aponta já no início deste século para a necessidade de implementar-se um amplo processo de avaliação institucional, aponta a necessidade de criar novos mecanismos para a partição dos recursos suplementares atribuídos a cada instituição e propõe à questão da autonomia a revisão do Art. 20736 da Constituição Federal apresentando a polissemia do conceito e as controvérsias de sua aplicabilidade. Após a aprovação da LDBEN temos que:

(Art. 13) A universidade, no exercício de sua autonomia, deve promover concomitantemente:

I – geração de conhecimentos, tecnologias, cultura e arte;

II – disseminação e transferência de conhecimentos e tecnologias, preservação e difusão do patrimônio histórico-cultural, artístico e ambiental;

III – formação acadêmica e profissional em padrões de qualidade reconhecidos nacional e internacionalmente; e

IV – articulação com a sociedade, visando contribuir por meio de suas atividades de ensino, pesquisa e extensão para o desenvolvimento educacional,

36 As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e gestão financeira e

64 socioeconômico e ambiental sustentável de sua região. (...) talvez fosse correto prever a aprovação de uma lei que, com todas as suas eventuais limitações, pudesse significar alguma ruptura com o processo de reforma da educação superior. (...) a crise existe e são muito profundas as marcas de um sistema universitário, no Brasil, caracterizadamente neoprofissional, em que mais de 90% das instituições se identificam como instituições ou universidade apenas de ensino. É forte a tendência de que mesmo as universidades que desenvolvem traços nítidos do modelo humboldtiano ou de pesquisa, tendo em vista a penúrias das verbas e os baixos salários, estejam se tornando universidades heterônomas, isto é, cuja agenda de pesquisa e de criação de novas carreiras obedeça cada vez mais interesses externos vinculados a prioridades do mercado ou de agencias que valorizam certo tipo de pesquisa operacional. (SGUISSARDI 2006, p.1050-1051)

Para o contexto atual de reforma universitária, a contra-reforma ressalta os enfrentamentos de todos os tipos de adversidades: políticas, financeiras, administrativas, salariais, de carreira, de formação, de representação e de condições de trabalho, agora depara-se com uma mais nova ameaça, que trata pois de articulações em torno do fim da gratuidade do ensino superior público. A nova engrenagem da reforma universitária em curso em sua conexão com o mercado trata de ações focalizadas em redefinir a universidade em organizações sociais competitivas e inseridas no mercado, pois ganha força a idéia da flexibilização do principio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.

Os apontamentos de Leher (2004) indicam algumas saídas que são: estratégias de universalização, autonomia, democracia, controle social das instituições privadas, articulação ensino-pesquisa, financiamento público das instituições estatais, condições de trabalho dos trabalhadores da educação, assistência estudantil, democratização efetiva dos órgãos de fomento a C&T, colonialidade do saber, integração com países periféricos e centrais, criação de um espaço universitário latino- americano, patentes e propriedade intelectual, dentre outros.

Nessa mesma direção para Sguissardi (2005) a questão chave para se pensar a proteção e defesa da universidade pública é enfrentar o debate em torno do conhecimento, da ciência, da educação superior, como bem público versus bem privado ou em outros termos, restabelecer o confronto entre o público e o privado/mercantil e tirar desse debate e desse confronto todas as consequências possíveis.

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1.3.2 Generalizações da reforma universitária: adaptando a tendências