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IMAGINÁRIO SOCIAL, “CULTURA DE REFORMA” E OPINIÃO PÚBLICA

Para compreender como no contexto sociohistórico do fin-de-siècle brasileiro foi instituída a popularização da Biomedicina – como a ela foi conferido um senso de legitimidade social – recorremos ao significado de imaginário social.

O termo “imaginário social” tem sido empregado com diferentes sig- nificações. Para os objetivos do presente trabalho, partimos da conceitu- ação desenvolvida por Charles Taylor (2004) e Castoriadis (1986), para os 19 O decreto Rivadavia Correa, de 05 de abril de 1911, sobre a questão profissional no Brasil é um exem- plo da postura positivista. O decreto defendia a desoficialização do ensino superior, facilitando assim a instalação de escolas privadas e, no caso da área de saúde, o reconhecimento de práticos não formados. Embora não tenha obtido sucesso, o decreto Rivadavia Correa torna evidente que a liberdade profissional, nas primeiras décadas da República, era uma questão ainda não resolvida. Assim, como argutamente ob- serva Dantes (2008, p. 60), a defesa “do diploma e seu registro em órgãos competentes era o tema central dos debates de 1911. No entanto, a fragilização das bases profissionais parece ter levado os médicos a verem charlatões e curandeiros em todos os cantos [...]”.

20 Conforme Beatriz Dantas (1983), os mecanismos reguladores criados pela Primeira República não extirparam os cultos religiosos “afro-brasileiros” e espíritas, alguns dos quais desenvolveram práticas terapêuticas, mas, ao contrário, foram fundamentais para a sua constituição. Ao investigar as relações en- tre crença, magia e acusações de feitiçaria e charlatanismo, Maggie (1992) chama atenção para a necessi- dade de pensar mais cuidadosamente nos mecanismos sociais reguladores dessas acusações. Com base no levantamento de processos criminais instaurados por suspeitos de infração aos artigos introduzidos no Código Penal pela República, relativos à prática ilegal da medicina, à prática da magia e à proibição do curandeirismo, Maggie (1992) observa que, pela leitura de tais processos, não fica evidente uma clara intenção de liquidar as práticas religiosas (e terapêuticas).

quais a ideia de imaginário social parte do princípio de que tudo que se apresenta no mundo sociohistórico está indissociavelmente tecido no sim- bólico. Embora as instituições não se reduzam apenas a seus componen- tes simbólicos, elas não podem existir sem que constituam a própria rede simbólica, isso é, operações que sustentam imagens da práxis humana. Para Taylor (2004) e Castoriadis essas redes são formadas por histórias, lendas, avaliações, pressupostos, crenças que fundamentam e legitimam a compreensão desenvolvida pelas pessoas sobre suas práticas coletivas. Não são percepções da realidade ou tampouco teorizações sociais, mas

imaginários sociais.21 De acordo com Castoriadis, as significações imaginá-

rias são presentificadas e figuradas na e pela efetividade dos indivíduos22.

As significações do imaginário social orientam e dirigem os sujeitos con- cretos sob diversas apelações, como “espírito”, “natureza”, “nação”, “virtude”, “pecado”, “deus”. Tais significações não são necessariamente explicitadas nos conceitos para que possam existir, mas nem por isso deixam de agir na prática e no fazer da sociedade “como sentido do comportamento humano e das relações sociais independentemente de sua existência ‘para a consci- ência’ desta sociedade” (CASTORIADIS, 1986, p. 171).

No Brasil, o imaginário social sobre a Biomedicina foi instituído nas vicissitudes das transformações vividas pelo país na segunda metade do sé- culo XIX, principalmente a partir de 1870. Nesse período, vários setores da sociedade brasileira passaram por significativos rearranjos demográficos, 21 Conforme Taylor (2004, p. 23-24), “by social imaginary, I mean something much broader and deeper than the intellectual schemes people may entertain when they think about social reality in a disengaged mode. I am thinking, rather, of the ways people imagine their social existence, how they fit together with others, how things go on between them and their fellows, the expectations that are normally met, and the deeper normative notions and images that underlie these expectations […)] It incorporates a sense of the normal expectations we have of each other, the kind of common understanding that enables us to carry out the collective practices that make up our social life. This incorporates some sense of how we all fit together in carrying out the common practice. Such understanding is both factual and normative; that is, we have a sense of how things usually go, but this is interwoven with an idea of how they ought to go, of what missteps would invalidate the practice”.

22 “Este elemento”, observa Castoriadis (1986, p. 175), “que dá á funcionalidade de cada sistema insti- tucional sua orientação específica, que sobredetermina a escolha e as conexões das redes simbólicas, criação de cada época histórica, sua singular maneira de viver, de ver e de fazer sua própria existência, seu mundo e suas relações com ele, esse estruturante originário, esse significado-significante central, fonte do que se dá cada vez como sentido indiscutível e indiscutido, suporte das articulações e das distinções do que importa e do que não importa, origem do aumento da existência dos objetos de investimento prático, afetivo e intelectual, individuais ou coletivos – esse elemento nada mais é do que o imaginário da sociedade ou da época considerada”.

sociopolíticos, culturais e tecnológicos. Para caracterizar a época, Alonso (2002) utilizou o termo “cultura de reforma”. Em síntese, trata-se de uma “cultura” gestada pela cisão da elite política imperial e pelas reformas sofri- das pela sociedade brasileira. Momento em que a elite intelectual teve pa- pel bastante importante para a criação de um novo senso de ordem moral – ou imaginário social – relativo ao ideal de modernização das instituições

nacionais23.

Alonso (2002) argumenta com acuidade que a “cultura de reforma” do

fin-de-siècle brasileiro (a “geração de 1870”) emergiu no processo de enfraque-

cimento das instituições que sustentavam o Império. Abaladas pelas “ques- tões sociais” (como a abolição da escravidão) e pelos conflitos entre Estado e Igreja, entre outros aspectos, o regime político dominante desestabilizou-se, provocando rearranjos sociais. Com isso, ampliou-se o campo de possibili- dades para novas formas de ação coletivas. A “crise política” contribuiu para abrir vias inéditas de ação para sujeitos sociais até então alijados dos centros de decisão e para grupos marginalizados frente às instituições monárquicas.

A “cultura de reforma” está associada à expansão da imprensa, à cons- trução de estradas de ferro e ao telégrafo. Esses empreendimentos inverte- ram as “regras do jogo” da sociedade imperial brasileira. Até então, o centro das decisões políticas estava mais sob o controle de uma “elite imperial”. Com a modernização da infraestrutura, aliada com novas formas de ação coletiva que se ampliavam no país, setores da população passavam cada vez mais a ter em mãos, de maneira mais rápida, maior volume de informa- ções sobre andamentos e vicissitudes da vida nacional e do “mundo mo- derno”. Fundamentalmente, o nítido crescimento de um “fenômeno midiáti- co” – o jornal e a revistas – permitiu maior visibilidade da palavra pública. A imprensa possibilitou a palavra para vários grupos sociais que surgiam nesse período, assim como a ascensão do escritor-jornalista, figura emble- mática da intelligentsia nacional da época.

23 É claro que não se deve perder de vista o fato de que a sociedade não respondeu homogeneamente as formulações da intelectualidade brasileira e tampouco deixou de haver tensões entre as diversas concepções “modernizadoras”. É importante ressaltar, contudo, que as reformas modernizadoras implan- tadas no país foram estabelecidas, em grande medida, por uma elite política-econômica dominante que advogava os ideais da modernidade.

No fin-de-siècle brasileiro, o intelectual – fundamentalmente o “homem de letras” – exerceu um importante papel na “cultura de reforma”. Embora não se constitua como o único grupo social a nutrir um ideal de modernida- de, a intelligentsia contribuiu, em grande escala, para o desenvolvimento de opiniões sobre acontecimentos, padrões ou regras de conduta tidas como “ci- vilizadas”. Talvez mais do que hoje, havia uma crença generalizada de que o “homem de letras” era quem desenvolvia reflexões mais profundas e refina- das sobre questões relativas a valores e quem melhor estava equipado para emitir julgamento sobre ações e acontecimentos humanos. Demonstrando grande interesse pelos emblemas da modernização – pelas inovações téc- nicas que começavam a ser disseminadas por todo o país –, os intelectuais da época manifestaram intensa preocupação pelas coisas públicas e pela

transformação das ideias e estilos de vida24. Ou seja, pautado pela autoima-

gem de ser “sacerdote da verdade” e protetor da civilização de seu tempo, o intelectual sentia-se guiado pela missão de lançar sementes para uma nova

moralidade pública25. Nesse sentido, interligou dois grandes objetivos: uma

intenção pedagógica e um ideal de civilidade e progresso, como condição necessária para assegurar identidade própria da nação. O intelectual do fin-

-de siècle foi o “porta-voz” da opinião pública sobre a “modernidade”.

Antes de prosseguir, devemos prestar mais atenção ao conceito de “opinião pública”. Esse termo tem sido tradicionalmente utilizado para se

referir à soma de opiniões individuais que adquiriu um estado público26.

24 Conforme argumenta Alonso (2002), tem sido comum entre os estudiosos do pensamento social brasileiro dos fins do século XIX retratar a produção intelectual da época como separada do campo polí- tico. Para essa autora, o movimento intelectual do período caracterizou-se por ser uma forma coletiva de contestação à ordem imperial. Assim, os “agentes mobilizaram intencionalmente elementos da política científica e da tradição nacional para exprimir seu dissenso com a ordem imperial” (2000, p. 52) 25 O intelectual do período em questão – o “homem-de-letras” – pretendia promover o que Jacob Bur- ckhardt (1993, p. 287) chamou de “matrimônio sagrado” entre o novo e o existente.

26 Essa definição tem sido repetida desde os “clássicos” do tema, como Harold Laski (Democracy in crisis, 1933), Alfred Sauvy (L´Opinion Publique, 1956), Fracis Graham Wilson (A Theory of Public Opinion, 1967), Robert Lane e David Sears (Public Opinion, 1964). Tal concepção está atrelada a um conjunto de pressupo- sições, sendo a primeira delas relacionada a uma idéia de que a imprensa, através do diário profissional de circulação cotidiana, publicizava opiniões ao dispô-las às mãos de cada leitor. A concepção “clássica” de opinião pública parte de uma suposição atomista e mecanicista do social, expressa no princípio on- tológico da sociedade como sendo um agregado de indivíduos singulares (proprietários de sua própria pessoa ou de suas capacidades) e que mantêm entre si uma relação de intercâmbio (contrato social). Nessa perspectiva, a uniformidade de uma opinião é uma questão de ordem quantitativa, probabilística ou estatística.

Nessa perspectiva, não se distingue a popularidade de uma opinião da opi- nião “autorizada” ou “qualificada”, que pretende influir nas concepções cole- tivas. Conforme Carlos Cossio (1973), é importante estabelecer uma diferen- ça entre opinião popular (ou do público) e opinião pública. Ambas exercem recíprocas influencias, mas não podem ser confundidas, pois apresentam características próprias.

Em termos gerais, opinião popular ou do público diz respeito à popu- laridade de uma opinião. A opinião do público é passageira, circunstancial e dura enquanto durar o motivo ocasional que a determinou. É um amálgama quantitativo de opiniões pessoais, podendo ocorrer em qualquer situação coletiva. Assim, como em um sufrágio, pode-se encontrar (e medir) a opinião popular nos momentos de eleição, nas partidas de futebol, etc. Em todos esses casos, a opinião do público se constitui mediante um processo de con- tagem de opiniões individuais coincidentes. Apesar de não ser necessaria- mente coerente, a opinião popular deve ser suficientemente precisa para os propósitos práticos que as pessoas têm em mente, pois ela é construída pela experiência prática e, portanto, depende da estrutura de tipificações, relevâncias e estoque de conhecimentos existentes na sociedade. Nesse as- pecto, a opinião popular não se refere a um mundo exclusivamente privado ou subjetivo, mas a um mundo comum a todos.

Por sua vez, a opinião pública – que também requer uma situação co- letiva – não é questão de popularidade pontual e, portanto, guarda mais estabilidade que a opinião popular. É uma opinião “autorizada” ou “qualifi- cada” que pretende influir na opinião popular; uma “avaliação” (equivoca- da ou não) acerca de fatos, que almeja se confundir com os próprios fatos. Por ser “fundamentada”, a opinião pública tem um caráter mais “reflexivo”, um conhecimento que transmite certa retórica argumentativa.

A opinião pública pressupõe alguém que possa opinar – o “porta-voz”. Alguém que se incube de atribuir valor aos acontecimentos; de filtrar ten- dências, ideias, problemas apresentados por uma massa não individualizada que constitui o público. Requer quem olhe, contemple ou censure uma dada experiência, tornando-a objeto de reflexão. Isso não significa dizer, contudo, que o porta-voz expresse puras idealidades. A compreensão desenvolvida por ele não é necessariamente uma questão de “plenitude intelectual” ou de

verdade. O porta-voz da opinião pública é aquele indivíduo que procura fil- trar uma “sensibilidade coletiva” e que é foco de atenção para determinados grupo sociais. Alguém que traduza em palavras e sentimentos tudo aquilo que é vivenciado por setores da coletividade e que esteja devidamente com- prometido a propagar, difundir ideias, ideologias e concepções. É, portan- to, aquele indivíduo qualificado para ser “iluminado pelos refletores”. Nesse sentido, há um componente de “elite” e de vocação no porta-voz.

Partindo do pressuposto de que os “porta-vozes”, estando à mercê da atenção social, só se fazem visíveis perante um auditório que os escuta e espera algo deles, podemos observar que sua proclamação ou silêncio é determinado, em grande medida, pelo seu público. Nesse sentido, toda opinião pública revela um nexo de união com a opinião popular. Ou seja, ela não se desenvolve em um plano distanciado da opinião do público. Enquanto gravita em torno da opinião popular, a opinião pública “se enrique- ce como um germe em um processo de maturação submetida à instância de certos princípios de convalidação ou de impugnação” (COSSIO, 1973, p. 37). Assim também, a opinião pública está constantemente a se popularizar, a se converter em opinião popular.

É importante, portanto, não perder de vista que o tamanho, a natureza e as necessidades de um novo público que desabrochava no cenário nacional tiveram enormes consequências para o “homem de Letras”. Mas também é importante enfatizar que o nexo de união da opinião pública com a popular tem suas nuanças, pois há usualmente uma tensão dramática na atividade pública do porta-voz. Trata-se de uma tensão entre as expectativas “intelectuais” do indivíduo (porta-voz) e a diversidade dos grupos sociais. Ou seja, se por um lado o porta-voz é sempre um sujeito concreto que gravita em torno do seu público; por outro, exatamente por se afirmar como indivíduo, não deixa de manter certo distanciamento da impessoalidade, do anonimato e das “paixões laicas” do mundo social. Essa tensão assumiu proporções significativas para o intelectual do fin-de-siècle, tão amante do conhecimento científico.

O advento da sociedade de massa – fenômeno de marcante presença a partir da segunda metade do século XIX – não passou despercebido por pensadores, filósofos e literatos, sendo motivo de longos debates e contro- vérsias entre eles. É importante salientar que a sociedade de massa pôs em

evidência a pluralidade humana, subverte tudo o que é diferente, singular, individual, qualificado. Não é apenas uma questão de superpopulação, mas de “intrusão”; de presença em vários espaços do mundo moderno (bares, igreja, escolas etc.). Nesse aspecto, a massa exerce certo controle do poder social (não necessariamente político). Para alguns, a “sociedade de massa” foi motivo de júbilo e afirmação da pluralidade, do triunfo dos princípios democráticos. Mas, para muitos, motivo de preocupação, ameaça a “essência

humana”27. Uma questão fundamental subjacente à reação contra o surgi-

mento da “sociedade de massa” é a incompatibilidade entre os interesses da multidão e a individualidade, um valor marcante na sociedade ocidental do século XIX. Nessa perspectiva, a sociedade de massa desenraiza tradições comunitárias; põe em cena o anonimato; não se baseia na personalidade dos seus membros, mas apenas nas partes que reúnem um a todos os outros. É, como observa Simmel (1939), um agregado homogêneo de indivíduos.

Demonstrando inconformismo como a “massa”, a intelligentsia da épo-

ca procurou “educá-la”28. A sua missão pedagógica era a de transmitir verda-

des, de ser moderno. Ou melhor, de “tornar-se moderno”. Processo esse que refletia, conforme o esquema evolucionista teleológico dominante na teoria social da época, os princípios – ou leis – da “evolução universal”. Na escala evolutiva, a sociedade brasileira encontrava-se em posição de atraso. Consti- tuíamos uma “subcultura europeia”; inferior por integrar elementos arcaicos, bárbaros, selvagens. Para amplos setores da intelectualidade brasileira, es- távamos “condenados” pela presença de uma raça mestiça. Crucial, portanto, para a conquista da modernidade seria ultrapassar os entraves herdados de um passado colonial, da economia escravista, do regime aristocrático, da monarquia católica e, até mesmo, da mistura de raças.

27 Em uma carta datada de 1871, Flaubert afirmou que a multidão tem um componente moral negativo. Nietzsche foi um dos mais rigorosos críticos do homem-massa. Em Assim Falou Zaratustra (1998, p. 204), é implacável: “Passo no meio desta gente e guardo os olhos abertos: eles não me perdoam que eu não in- veje suas virtudes. Procuram morder-me, porque lhes digo: ‘Para gente pequena, são necessárias virtudes pequenas’ – e porque custo a compreender que gente pequena seja necessária!”.

28 Cabe chamar atenção que a preocupação com a instrução pública foi um dos pontos essenciais do governo brasileiro a partir dos meados do século XIX, principalmente no chamado “tempo saquarema” (MATTOS, 1987).

Tornar-se moderno significava se insurgir contra uma “identidade na- cional” construída por uma sociedade imperial e pelo romantismo. O parti- cularismo e a singularidade da nação brasileira não se resumiam apenas a uma “natureza exuberante” e a presença do “índio”. A ideia de modernidade recolocava a discussão sobre “identidade nacional” de acordo com outros princípios e valores. Agora pesava mais avaliar a capacidade da nação em se tornar “civilizada”, ser edificada e regida por princípios científicos e tecnoló- gicos. Assim, como observa Velloso (1988, p. 7), com as reviravoltas do final do Império

o particularismo e a singularidade romântica são substituídas pe- los ideais universalistas. Isso significa dizer que a nossa cultura passa a ser avaliada por uma escala de valores padronizada. O sa- ber técnico-científico é considerado o fiel dessa balança [...] É a luz do ideário cientificista que esses intelectuais vão interpretar a cultura brasileira [...].

Portanto, sendo algo a ser conquistado pelo progresso, o ideal de mo- dernidade não era retomada empática do passado, restabelecimento de vínculos espirituais com tempos pregressos, mas a superação de uma reali- dade. Isso não significa dizer que o passado fosse negado na sua totalidade, mas se constituía, em vários aspectos, como o horizonte pelo qual era avalia- do o estágio de progresso humano.

Como bem observa Murari (2009, p. 128), o romance Triste Fim de Po-

licarpo Quaresma (1915), de Lima Barreto, é um exemplo paradigmático “do

percurso da intelectualidade brasileira em sua busca da essência nacional, do romantismo ao realismo naturalista”. No início do romance, Quaresma busca a redenção da cultura nacional através das suas “manifestações au- tênticas”, como nas canções populares, para em seguida se voltar à lavoura. Aposta no futuro, mas termina desiludido com o trabalho árduo no campo.

FASCÍNIO E TERROR NA RETÓRICA DA