• Nenhum resultado encontrado

Como dissemos de início, a unidade desta coletânea não é dada por uma temática, mas por um estilo de pesquisa, por um modo de abordar o mundo empírico. Por isso procuramos nas páginas anteriores apresentar alguns dos pressupostos metateóricos que conformam os artigos reunidos nesta coletânea, Trajetórias, Sensibilidades, Materialidades: experimentações com a fenomenologia. Ao explorar tais questões deve ter ficado claro para o leitor que a unidade a qual nos referimos não comporta uma perfeita ho- mogeneidade, há diferenças de ênfases, elaborações e acentos. Isto nos pôs frente à questão: como alinhar os distintos capítulos, sem dar ao leitor a impressão de que eles foram aleatoriamente agrupados?

Decidimos, para enfrentar o problema, dividir os capítulos em dois grandes grupos: “Narrativas, Histórias e Práticas” e “Corpos, Coisas e Lugares”. Do primeiro fazem parte: A Popularização da Biomedicina: Literatura e ima-

ginário, de Paulo César Alves; Corpo e tempo na experiência de recomposição do cotidiano de mulheres em situação de violência sexual, de Gessé de Souza

Silva; Vida Cotidiana, Disrupção Biográfica e Narrativa na Experiência de Viver

com HIV/AIDS, de Laura Recoder; A experiência clínica: prática, posição e forma- ção do médico do trabalho no Brasil, de Luiz Correia Oliveira; ‘Os experimentos que dão errado’ e as contingências na vida do laboratório, de Iara Maria Souza.

Um elemento que perpassa a todos eles é a preocupação com os processos de interpretação e criação de narrativas. Desnecessário dizer, posto que já deve ter sido suficientemente explicitado nas páginas anteriores, a concep- ção de narrativa e interpretação que adotamos aqui não repousa em qualquer compreensão do mundo como texto ou da narrativa como discurso fechado sobre si mesmo, uma vez que o mundo para além dela seria inalcançável. Ao contrário, a despeito das variações, os autores compartilham a ideia de que a realidade está sempre aí quando se elabora uma narrativa, quer seja porque desposam uma concepção ontológica de hermenêutica – segundo a qual, antes de ser um modo de conhecer, a compreensão expressa na narra- tiva é um modo de ser – ou porque acentuam o acesso ao mundo que nos é dado pela narrativa.

O segundo conjunto de artigos versa mais diretamente sobre proble- mas relativos ao corpo (e aprendizado) e à materialidade. Fazem parte desta seção: Tempos e Movimentos da Casa: trajetórias do habitar, de Maria Gabriela Hita; O corpo da malícia: reflexões acerca de habilidades sensoriais, corpos e

mundos, de Christine Zonzon; No terreiro: processos encarnados de autoidenti- ficação no Candomblé, de Luciana Duccini; Cuidar do santo: orientação prática e sensibilidade no traçado de relações entre pessoas e orixás, de Miriam Rabelo

e A paisagem temporal do laboratório, de Iara Maria Souza. O corpo, tal qual tratado aqui, remete simultaneamente à história e à natureza, sem que isso se mostre contraditório ou fragmentado. E, conforme fica claro em vários dos capítulos, falar do corpo – contar suas histórias, descrever alguns dos movi- mentos em que se engaja ou os estilos que se cristalizam a partir destes en- gajamentos – quase que inapelavelmente requer que atenção seja referida também aos espaços e às coisas com as quais ele se faz.

REFERÊNCIAS

ALVES, Paulo C. A teoria sociológica contemporânea: da superdeterminação

pela teoria à historicidade. Estado e Sociedade. v. 25, n. 1, p. 15-31, 2010.

ARENDT, Hannah. A condição humana. 10 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense

Universitária, 2004.

DESPRET, V. The Body We Care For: Figures of Anthropo-zoo-genesis. Body

& Society, v. 10, n. 2–3, p. 111–134, 2004.

DEWEY, John. The Reflex Arc Concept in Psychology. In: MCDERMOTT, J. (Org.). The philosophy of John Dewey. Chicago: The University of Chicago Press, 1981.

GADAMER, H. G. Verdade e método. Petrópolis: Vozes, 1997.

HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo – Parte I. Petrópolis: Vozes, 1988. HEIDEGGER, Martin. Construir, Habitar, Pensar. In: ______. Ensaios e

conferências. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 125-141.

HUSSERL, E. Meditações cartesianas - Conferências de Paris. Lisboa: Centro de Filosofia, 2010.

INGOLD, Tim. The perception of the environment. Essays on livelihood,

INGOLD, T. Bringing things to life: creative entanglements in a world of materials. Apresentado In: ______. ‘Vital signs: researching real life’, 9 de setembro 2008, Universidade de Manchester.

INGOLD, Tim. Drawing together: materials, gestures, lines. In: T. Otto e N. Bubandt (Org.), Experiments in holism. Oxford: Blackwell, 2010a, p. 299-313. ______. The Textility of Making. Cambridge Journal of Economics, v. 34, n. 1, p. 91-102, 2010b.

JACKSON, M. Introduction: Phenomenology, Radical Empiricism, and Anthropological Critique. In: ______. Things as they are. New directions in

phenomenological anthropology. Bloomington: University of Indiana Press,

1996, p. 1-50.

JAMES, William. Essays in radical empiricism. Mineola, NY: Dover, 2003. LATOUR, Bruno. A esperança de Pandora. Bauru, SP: EDUSC, 2001.

______. How to talk about the body? The normative dimension of science

studies. Body & Society, v. 10, n. 2–3, p. 205–229, 2004.

______. Reassembling the Social. An introduction to actor-network-theory.

Oxford: Oxford University Press, 2005.

______. A Textbook Case Revisited - Knowledge as a Mode of Existence. In: HACKETT, J.; AMSTERDAMSKA, O.; LYNCH, M.; WAJCMAN, J. (Org.), The

Handbook of Science and Technology Studies. Cambridge, MA, The MIT Press,

2008.

MARRES, Testing Powers of Engagement Green Living Experiments, the Ontological Turn and the Undoability of Involvement. European Journal of

Social Theory v.12, n.1, p. 117-133, 2009.

MERLEAU-PONTY, M. ‘L’Institution’ dans l’histoire personelle et publique.

Résumés de Cours (Collège de France, 1952-1960). Paris: Gallimard. 1968,

p. 59-65.

______. Fenomenologia da Percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1994. ______. O Visível e o Invisível. São Paulo: Editora Perspectiva, 1992. MOL, A. Ontological Politics: a word and some questions. In: LAW, J.; HASSARD, J. (Org.), Actor Network Theory and after. Oxford: Blackwell, 1999.

______. The Body Multiple. Ontology in medical practice. Durham, Duke

University Press, 2002.

POLLOCK, D. Personhood and illness among the Kulina. Medical

RABELO, M.C. Merleau-Ponty e as Ciências Sociais: corpo, sentido, existência. Em M. Valverde (Org.), Merleau-Ponty em Salvador. Salvador: Arcadia, 2008. ______. Estudar a religião a partir do corpo: algumas questões teórico- metodológicas. Caderno CRH, Salvador, v.24, n.61, p 15-28, 2011.

RICOEUR, P. Freedom and Nature. The voluntary and the involuntary.

Evanston: Northwestern University Press, 1966.

STENGERS, I. Penser avec Whitehead. Une libre et sauvage créations de

concepts. Paris: Éditions du Seuil, 2002.

VILAÇA, M.A. Chronically Unstable Bodies: reflections on Amazonian Corporalities. Journal of the Royal Anthropological Institute, v.11, p. 445-464, 2006.