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Impactos do Letra e Vida na formação do professor: a visão dos cursistas

Uma questão importante a considerar na avaliação dos possíveis impactos do Letra e Vida é sua influência sobre os participantes, expressa por sua satisfação com o curso, sua percepção sobre o aprimoramento de seus próprios conhecimentos e a aplicação das habilidades e conteúdos aprendidos.

No que tange à concepção de aluno, uma professora da Escola Alfa apontou a mudança de sua percepção sobre os limites e as potencialidades de aprendizagem dos alunos. Segundo ela, agora entende que, “mesmo que ainda não leiam e escrevam formalmente, os alunos são capazes de aprender muito mais do que se espera deles” na metodologia tradicional (AL01TLVI1). Duas professoras assinalaram a mudança na compreensão do aluno como “sujeito da aprendizagem em seu contexto”, além de “respeitar mais a opinião dos alunos” (AL04TLVC) e a busca do estabelecimento de “parceria com a família” (AL01TLVC) como efeitos do curso sobre suas concepções.

A diretora da Escola Beta acredita que a maior contribuição do Letra e Vida tenha sido ajudar o professor a perceber e compreender a necessidade de formar um aluno pensante e crítico. Nesse sentido, uma professora da escola explica que o curso foi essencial para que ela consolidasse uma visão de aluno mais positiva:

Auxiliou na forma de ter outro olhar para o aluno com dificuldades de aprendizagem, propiciando compreender que o que o aluno faz sempre tem sentido. Isso faz com que o professor olhe o aluno com outros olhos, o respeite melhor, tente ver que há significado na produção do aluno. Acreditar que o aluno é capaz de aprender (BE02TLVC_2).

A consciência do trabalho do professor alfabetizador, ou seja, sua concepção de

professor também parece ter sido despertada numa das professoras da Escola Beta durante o curso:

Considero o professor alfabetizador o mais importante, a profissão mais importante. Hoje entendo que o professor alfabetizador marca a vida de uma criança. A consciência do papel de professor, a ideia de que sou um modelo de leitor, um modelo para o aluno, um instrumento que vai auxiliar o aluno a enxergar como é o mundo. O Programa faz [com] que você pense muito no individual da criança, faz com que você passe a trabalhar mais de perto com a criança, [a] ser mais atenciosa com as crianças. Acho que era muito autoritária, antes do Programa. Depois dele, passei a me preocupar mais com a criança, pois tenho que dar assistência às duplas etc. (BE01TLVC_2).

1 Codificação dos professores entrevistados: (1) as duas letras iniciais (AL, BE ou GA) referem-se a escola em

que trabalham; (2) os dois números que se seguem (01, 02, 03 ou 04) indicam a série em que lecionam; a letra seguinte (M ou T), o período; (4) LVC significa Letra e Vida completo e LVI, incompleto. Quando houver mais de um professor com a mesma característica, ele será designado por 1, 2, 3 etc.

Outra professora da mesma escola, porém, ressalta que algumas discussões deveriam ser aprofundadas: “Entendi que o professor tem que ser flexível e se adaptar às novidades e demandas. Contudo, essa necessidade de flexibilização não é discutida no curso; acho que isso faz falta no curso” (BE02TLVC_3).

No tocante à concepção de aprendizagem, essas mudanças referem-se à aceitação das diferenças individuais e dos diferentes tempos de aprendizagem (AL01TLVI), ao entendimento da alfabetização como um processo amplo, que vai além da codificação e da decodificação (AL04TLVC), à tentativa de compreensão do significado dos erros cometidos e ao entendimento de que tal erro pode ser entendido uma etapa da aprendizagem (AL02MLVC).

Alguns professores atestaram mudanças que vão além da sala de aula:

O modo de pensar a educação muda. Aprendi a valorizar a fala dos meus alunos, suas opiniões etc. O Programa ampliou meus horizontes. Entendi a importância de ler. Mudei o comportamento, a visão, culturalmente, tudo. Antes, não gostava de ler, agora sinto prazer em ler para meu filho (BE01TLVC).

Acho bárbara a teoria da Emilia Ferreiro; todos devem entender, pois trabalha o processo na mente da criança para a construção da escrita. Mas a teoria da Emilia Ferreiro é uma teoria, não é um método para se usar na sala da aula. Ela permite que se entenda o processo da criança, mas a partir do diagnóstico, ajuda pouco no que deve ser feito na prática. E os professores se atrapalham um pouco. Eu sinto falta de um suporte para um trabalho mais prático. [...] O Programa atende às expectativas, possibilita o avanço com a maioria dos alunos (BE02TLVC_2).

Mesmo sem ter terminado o curso, uma das professoras de 1ª série da Escola Beta diz que tudo o que aprendeu lhe deu “outra visão sobre o processo de aprendizagem, saber compreender que a criança tem fases e que é com paciência e dedicação que vou chegar aonde quero”. Segundo ela, deixou de “ser conteudista, preferindo trabalhar menos conteúdos, mas com a preocupação de que o aluno entenda, compreenda o que está fazendo” (BE01TLVI_2).

Segundo as entrevistadas, as principais contribuições do curso na formação para a

organização e o planejamento do trabalho estão na forma de preparar as aulas, pensando nos objetivos a alcançar com as atividades.

Uma professora de 1ª série ressalta a importância que o curso teve para o planejamento diário e a organização do trabalho:

Como não tinha visão de nada, achava que tinha que encher a lousa, sem planejamento, sem objetivos; hoje, entendo que posso dar só uma atividade, mas tem que ter um objetivo a ser alcançado [...] não aprendi a alfabetizar da forma como o Letra e Vida ensina na faculdade. Acho que o espaço para essa formação deveria ser na faculdade, que acaba sendo muito teórica [...] [não aprendi] a trabalhar na linha construtivista durante o magistério

[concluído em 1996]. O material do Ler e Escrever dá suporte ao trabalho, mas o professor tem que complementar, rever, enriquecer a proposta a partir de suas próprias idéias (BE01TLVC).

Sua colega, também de 1ª série da Escola Beta, concorda e se diz “encantada” com o curso. Explicou que, enquanto fazia o concurso para lecionar no estado, estudou textos que a “despertaram. Quis aprofundar como poderia direcionar minha ação para atender melhor as crianças e busquei ajuda com os colegas. Percebi que precisaria de mais ajuda, quando surgiu o curso” (BE01TLVI_2).

Quanto à gestão da sala de aula, mencionou-se que o curso contribuiu para o entendimento de que História, Geografia e Ciências podem ser trabalhadas pela leitura e escrita (AL01MLVC), para o manejo do mobiliário e a organização dos alunos em grupos (AL01TLVC), para o trabalho com projetos e atividades sequenciadas (AL02MLVC) e para a introdução da avaliação dos alunos utilizada para a análise de sua produção, visando a compreensão dos seus erros e a intervenção (AL04TLVC).

Também se observa que os professores recém-ingressados na carreira parecem ter sido marcados por essa preocupação de dialogar com a prática que estava no cerne da proposta:

Hoje, posso dizer que tenho menos dúvidas para montar os agrupamentos produtivos, é algo muito criterioso, mas que dá muito resultado. Como os alunos sentam em dupla desde os primeiros dias de aula, eu trabalhei muito com eles para ajudarem o amigo; assim, eles aprenderam a trabalhar em conjunto (Excerto de depoimento escrito entregue espontaneamente à pesquisadora após a entrevista (BE01TLVC_2).

Finalmente, quanto aos tipos de atividade realizados, em geral, os professores passaram a se preocupar em procurar textos que fossem interessantes para os alunos. Alguns contaram que introduziram momentos de “leitura para os alunos” na rotina (AL01TLVC), passaram a propor reescrita de textos e a fazer produções coletivas (com correção também coletiva) (AL02MLVC). Duas professoras citam a diversificação de desafios dentro de uma mesma atividade para alunos em diferentes níveis como a grande contribuição do curso para sua formação (AL01TLVC e AL02MLVC), e outra, a incorporação do trabalho com oralidade (AL04MLVC).

Em geral, a análise das falas dos professores permite perceber que, para os entrevistados, o Programa influiu em sua formação geral, além de subsidiar as práticas de alfabetização. Os depoimentos retratam influências na concepção de aluno e de aprendizagem, principalmente, e alguns ressaltam, mesmo com todos os limites que a análise de depoimentos impõe às conclusões, mudanças no modo de pensar a organização, o planejamento e a gestão

da sala de aula e, ainda, no tipo de atividade proposta para facilitar o processo de alfabetização.

No entanto, a prática encontrada nas escolas nem sempre espelhou o discurso dos alfabetizadores, como se discute na próxima seção.

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