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3.3 Processamento e análise de dados

3.3.1 Procedimentos para análise quantitativa

A necessidade de avançar na compreensão da relação entre formação docente e sua influência no desempenho dos alunos impõe o desafio de analisar os dados existentes e buscar meios de mensurá-la. Ao mesmo tempo em que se reconhecem as dificuldades metodológicas para estudos de impacto, defende-se aqui a necessidade de buscar desenhos de pesquisa alternativos que permitam analisar os impactos das diversas políticas e programas educacionais.

Como se viu no Capítulo 1, uma das dificuldades metodológicas de atribuir impactos (e, consequentemente, derivar relações de causalidade) a determinadas ações e programas em educação é que dificilmente se podem controlar (e conhecer) todas as variáveis que intervêm nas mudanças que se seguem à implantação da intervenção. Além disso, é difícil obter dados sobre a situação inicial e antecedentes que podem influir nos resultados subsequentes à intervenção.

Um exemplo desta pesquisa foi a dificuldade de compreender em que medida os conhecimentos que os professores aplicam em sua prática cotidiana, mesmo condizendo com o que aprenderam no Letra e Vida, foram construídos tão somente por sua participação no curso, visto que outras atividades de formação, até mesmo as mais informais como o aprendizado entre pares, pode ter uma influência maior sobre a prática do professor do que o curso de que participou.

Pode-se objetar que essa dificuldade seria superada pela criação de um instrumento que medisse os conhecimentos dos professores cursistas antes e depois do curso, mas, mesmo que ele possa ter concorrido para a ampliação do conhecimento dos cursistas, não se pode concluir que eles passariam a aplicar tais conhecimentos em sala de aula e, ainda mais, que aumentaram os índices quantitativos e qualitativos de alfabetização. Dificilmente se argumentaria em favor de uma relação tão linear e direta. Como visto no Capítulo 1, vários fatores influenciam e condicionam os resultados escolares, de modo que se devem modalizar as conclusões que envolvem relações de causalidade. Além disso, para assegurar o rigor desse tipo de avaliação, ela teria que ser prevista no planejamento do programa, o que não aconteceu nesse caso e tampouco é comum em políticas e programas educacionais.

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Alguns dos estudiosos que visam compreender os fatores que influem no desempenho dos alunos (muitos deles ligados a pesquisas sobre efeito-escola) têm usado modelos de regressão estatística e análise hierárquica para detectar a relação entre determinado fator e os resultados do processo que se analisa. Segundo Soares e Andrade (2008), esses estudos foram influenciados pelo impacto negativo do Relatório Coleman15, tornando-se mais recorrentes em educação desde a década de 1970, sempre com a preocupação de determinar os fatores que possivelmente expliquem o desempenho dos alunos.

Em particular, estudos baseados em modelos hierárquicos multiníveis têm implicado avanços na compreensão de impactos de intervenções em escolas. Raudenbush e Bryk (2002) advogam sua aplicação em pesquisas que tenham três propósitos gerais: melhor estimativa de efeitos em unidades individuais, formulação e teste de hipóteses sobre os efeitos transversais (por exemplo, como o tamanho da escola pode afetar a relação entre classe social e desempenho acadêmico) e parcelamento dos componentes de variância e covariância entre os níveis (p. 7).

Entretanto, limites nos dados disponíveis não permitiram que se usassem modelos hierárquicos nesta pesquisa, tendo-se buscado usar a análise de regressão múltipla para estimar os efeitos das variáveis de interesse (variáveis independentes) nas variáveis de estudo.

A análise de regressão múltipla é uma técnica adequada para modelar a relação entre uma variável dependente (neste caso, os resultados dos alunos de 1ª série em 2007 e o Idesp de 4ª série de 2007) e um conjunto de variáveis independentes (como a porcentagem de professores na escola que cursaram o Letra e Vida, o nível socioeconômico dos alunos, os resultados obtidos em testes anteriores e outras variáveis apresentadas a seguir):

Os modelos de regressão múltipla são métodos estatísticos que permitem lidar com fenômenos nos quais a variável-resposta é influenciada simultaneamente por muitos fatores [...]. A análise de regressão linear múltipla permite estimar a contribuição de cada fator para explicar as proficiências, descontadas as contribuições dos outros fatores incluídos no modelo (Soares; Alves, 2003, p. 7).

Como defendem Shavelson (1996) e Licht (1995), os estudos de regressão são usados para predição e testagem de teorias. Aqui, aplicou-se o segundo sentido: determinar se a equipe escolar com diversos professores que cursaram o Letra e Vida tinha alguma influência

15 O Relatório Coleman, de 1966, mostrou que o fator socioeconômico era mais determinante no desempenho

dos alunos do que a escola, ou seja, fatores extraescolares como a classe econômica a que o aluno pertencia determinavam, segundo o autor, seus resultados, levando-o a concluir que a “escola não faz diferença”. A partir de então, diversos estudos empíricos procuraram conhecer as características escolares que fazem diferença no desempenho dos alunos.

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nos resultados obtidos pelos alunos16. Se positivamente indicada pelo modelo, essa influência poderia sustentar que a participação no Programa fez alguma diferença e, portanto, que, potencialmente, ele teria impacto nos resultados dos alunos. Nesse sentido, a regressão pode ajudar a compreender e explicar a natureza do fenômeno em estudo.

Contudo, nem mesmo essa técnica estatística permite relacionar diretamente os resultados dos alunos ao Letra e Vida, devido à dificuldade de se avaliar impacto relatada no primeiro capítulo:

A covariância de X e Y é algo que podemos observar ou medir empiricamente. Não podemos, no entanto, observar diretamente os efeitos causais que talvez acreditemos que tenham criado a covariância. É isso que faz da causalidade um conceito tão metafísico17 (Macclendon, 1994, p. 7, tradução nossa).

Mesmo assumindo que a regressão múltipla não prova causalidade entre as variáveis, sua importância reside no fato de que não é possível falar em causalidade sem que haja covariância entre as variáveis em estudo (Macclendon, 1994). Entender quanto as variáveis covariam ou não é um primeiro passo para inferir alguma relação entre elas, e a regressão permite esclarecer as relações de covariância. Nesse sentido, ainda que a covariância não seja suficiente para inferir causalidade à relação em estudo, se o modelo mostrasse sua inexistência, qualquer outra tentativa de analisar a influência da formação dos professores nos resultados dos alunos dificilmente seria defensável. Além disso, os resultados obtidos pela análise poderiam ser um dos indicadores para o estudo sobre a força da relação da formação dos professores no curso Letra e Vida e os resultados dos alunos.

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