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2.1 A Creche: histórico e especificidades

2.1.1 Indissociabilidade entre o cuidar e o educar

Para que as crianças de zero a três anos de idade se desenvolvam integralmente em seus aspectos físico, afetivo, psicológico, intelectual e social todas as ações na creche, devem, necessariamente, voltar-se à integração indissociável entre o educar e o cuidar.

No que se refere ao ato de cuidar, Leonardo Boff enfatiza que o cuidar sugere intimidade, sentimento, acolhimento, respeito, serenidade e repouso: ―Cuidar é entrar em sintonia com, auscultar-lhes o ritmo e afinar-se com ele‖ (1999 p. 96). Para Waldow, pesquisadora da área da enfermagem,

cuidado é um processo, um modo de se relacionar com alguém que envolve desenvolvimento e cresce em confiança mútua, provocando uma profunda e qualitativa transformação no relacionamento [...] é ajudar o outro crescer e se realizar (2004, p. 21).

Em se tratando do cuidado com a criança pequena, nas palavras de Maranhão,

os cuidados, [...] são todas aquelas atitudes e procedimentos ligados à proteção e apoio necessários ao cotidiano da criança: alimentar, lavar, trocar, curar, proteger, consolar, que são integrantes do educar, mas que exigem conhecimentos e habilidades diferenciadas (1998, p. 38).

Esse tipo de cuidado na primeira infância sempre foi e sempre será essencial, dado que se trata de uma fase que deve primar de total atenção, uma vez que representa a base de sustentação, pois proporciona a estrutura para formação do ser social, racional, psicológico do futuro adulto. Na infância o ser humano aprende lições básicas que vão determinar o seu comportamento adulto, por isso, a puerícia é um período extremamente crítico no desenvolvimento da construção social, racional e psicológica do ser. A fim de se evitar possíveis distorções em seu desenvolvimento é necessário atender às necessidades de bem- estar, saúde, proteção e segurança das crianças zero a três anos e onze meses e ―estar atento a seus afetos, emoções e sentimentos, às relações com os outros, com as coisas, com o ambiente‖ (ROSEMBERG, 1999, p. 23), é obrigação de todo adulto. Todavia, essas ações não devem estar desvinculadas de uma educação que objetive:

uma nova postura diante de si mesmo e de sua circunstância baseada [...] em uma ética de amor, zelo e respeito pela vida em todas as sua manifestações, que se traduz em quatro cuidados básicos. Autocuidado (cuidar de si mesmo), altercuidado (cuidar do outro), ecocuidado (cuidar do ambiente em que vive) e transcuidado (cuidar dos significados, sentidos e valores que presidem a sua existência). [...]. (COSTA, 2007).

Esse entendimento implica pensar o termo cuidar no sentido de valorização da criança, considerando-a ―como pessoa que está num contínuo crescimento e desenvolvimento, compreendendo sua singularidade, identificando e respondendo às suas necessidades‖ (BRASIL. MEC. RCNEI, 1998, p. 25). Cuidar, então, pode-se dizer, significa contribuir com o desenvolvimento integral do ser, em suas capacidades e habilidades em consonância às suas necessidades básicas diretamente relacionadas às questões de saúde, higiene, alimentação,

fato que inclui, inclusive requer, interesse pelo que a criança gosta, sente e pensa em relação a si mesma, ao mundo e as coisas do mundo (BRASIL. MEC. RCNEI, 1998). Para que esses objetivos sejam alcançados, não basta meramente cuidar, é preciso também focar na aprendizagem, pois as crianças precisam não somente e meramente a alimentar-se, a tomar banho, a realizar a higiene íntima, a relacionar-se consigo mesmas e com os outros, a resolver conflitos, mas também aprender a fazê-los e porque o fazem. Assim, educar, por sua vez, significa

propiciar situações de cuidados, brincadeiras e aprendizagens orientadas de forma integrada e que possam contribuir para o desenvolvimento das capacidades infantis de relação interpessoal, de ser e estar com os outros em uma atitude básica de aceitação, respeito e confiança, e o acesso, pelas crianças, aos conhecimentos mais amplos da realidade social e cultura (BRASIL. MEC. RCNEI, 1998, p. 23).

Educar quer dizer, então, propiciar às crianças momentos e espaços de brincadeiras, de interação e de trocas e compartilhamento de opinião e sentimento, por meio e a partir do acesso a ―elementos da cultura que enriquecem o seu desenvolvimento e inserção social‖ (BRASIL. MEC. RCNEI, 1998, p. 23) e possibilitem a liberdade de expressão e oportunizem o desabrochar de potencialidades e capacidades pautadas no diálogo e no respeito mútuo.

No ambiente das creches, a fim de que a integração cuidar e educar ocorra e, por conseguinte as aprendizagens, as estratégias a serem desenvolvidas necessitam estar bem definidas no PPP para que sejam aplicadas de forma intencional por todos os adultos que constituem a equipe de trabalho, pois conforme aduzem Forest e Weiss,

a ação conjunta dos educadores e demais membros da equipe da instituição é essencial para garantir que o cuidar e o educar aconteçam de forma integrada. Essa atitude deve ser contemplada desde o planejamento educacional até a realização das atividades em si (2008, p. 2).

Cuidar e educar, no caso da creche, é a própria ação pedagógica consciente de que a criança é um ser integral — e não compartimentalizado — e em desenvolvimento e, que, por isso mesmo, necessita, por parte daqueles que cuidam e educam (pessoal docente e não docente), de ações responsáveis de intervenção e estímulo a curiosidade e consonante com as características da faixa etária atendida, a qual requer um cuidado individualizado. Para tanto, faz-se imprescindível o conhecimento das características das fases de desenvolvimento, dos objetivos que se pretende atingir, da importância e do impacto do trabalho de todos os

profissionais para o desenvolvimento integral de cada criança. Para que essa inter-relação cuidar e educar funcione efetivamente, é necessário que as propostas pedagógicas das creches sejam organizadas de forma a criar

condições para que as crianças interajam com adultos e outras crianças em situações variadas, construindo significações acerca do mundo e de si mesmas, enquanto desenvolvem formas mais complexas de sentir, pensar e solucionar problemas, em clima de autonomia e cooperação. Podem as crianças, assim, constituir-se como sujeitos únicos e históricos membros de famílias que são igualmente singulares em uma sociedade concreta (OLIVEIRA, 2007, p. 49).

Do até aqui exposto, apreende-se que a integração entre educar e cuidar — por meio das Diretrizes Curriculares e Referencial Nacional para a Educação Infantil, do Documento Política Nacional para a Educação Infantil – Pelo direito às crianças de zero a seis anos a educação e da LDB 9.394/96 — constitui-se um ganho na história da educação das crianças brasileiras. A partir do momento em que as creches saem da condição de assistência e passam a ter um caráter educativo do qual ―é parte intrínseca a função de cuidar‖, a articulação entre ambos passa a ser o ideal e o desejável na estruturação e organização do fazer pedagógico. Essa relação entre o cuidar e o educar, uma vez tida como indissociável e determinante da ação educativa nas creches, contribui, sobremaneira, para a formação das crianças em sua amplitude: física, emocional, afetiva, cognitiva e social.

É também inerente à relação entre o cuidar e o educar que as instalações físicas da creche apresentem características específicas e que o número de profissionais seja compatível tanto com o número de crianças quanto com a estrutura física das creches, pois as conquistas podem se perder se não houver estrutura e pessoal adequado para atender a demanda. O entendimento e prática dessa imbricação entre o cuidar e o educar também remete, necessariamente, ao pessoal não docente e a formação em serviço desse pessoal, uma formação que propicie a discussão sobre valores, preconceitos, experiências e sobre a própria história; uma formação cultural em torno das especificidades educacionais das crianças da creche; uma formação vista como qualificação no entendimento das consequências da própria prática e melhoria do ato educativo; uma formação planejada na qual gestor escolar e pessoal não docente, cada um com seus saberes e experiências, se envolva de igual modo e responsabilidade; uma formação intencional, pois pouco ou nada adianta lei e diretrizes se não há consciência sobre a própria atuação e sobre os impactos dessa atuação na aprendizagem dos alunos. Consciência necessária, haja vista essa atuação em conferir o modo de ação da

criança em relação à vida e na percepção do mundo e da realidade, exercendo, direta ou indiretamente, poderosa influência sobre o pensamento e sobre toda a conduta do futuro adulto.

Para além da estrutura física e para que haja um saber verossímil sobre as características peculiares a cada faixa etária e uma consciência da importância e intencionalidade da própria prática na relação educar e cuidar, é condição sine qua non um PPP que contenha escolhas, projetos e propostas que primam pela cultura da participação e pela formação de pessoal considerando sempre a relação cuidar e educar.

2.2 Projeto Político Pedagógico: elemento articulador dos meios e dos fins da ação