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Referir-se ao pessoal não docente e respectiva atuação de maneira que contribua com a aprendizagem dos alunos, remete a uma reflexão sobre as possibilidades reais dessa atuação. Procura-se então, no presente subitem, abordar o papel de alguns funcionários pertencentes ao quadro do pessoal não docente e a partir destes dados analisá-los e confrontá-los posteriormente com aqueles apresentados nos PPPs das creches, focos de análise neste estudo.

Cada um dos funcionários que compõem a creche, sejam eles professores, auxiliares de limpeza, auxiliares de desenvolvimento infantil, cozinheiras, auxiliares administrativos, gestor, assistente pedagógico etc., desenvolvem ações essenciais no funcionamento e organização da instituição e também na ação educativa (MORAES, 2009). Contudo, ainda que a creche seja a promotora de encontros de diversos segmentos para diálogos e trocas, o que muito se nota é o trabalho realizado de forma individual por cada um dos segmentos; cada um realiza seu trabalho sem perceber a relação deste com a aprendizagem dos alunos. Para uma atuação integrada e articulada entre todos, incluindo o pessoal não docente,

a escola deve buscar mecanismos que favoreçam um trabalho avançado e inovador, tanto educacionalmente ou socialmente, em favor de uma atuação que mobilize seus integrantes em direção a uma maior capacidade de dar respostas aos desafios que a nossa sociedade impõe (ABUD, 2012, p. 2).

Para que cada um dos sujeitos, profissionais que atuam na escola, compreenda que sua ação pode ter impactos significativos na aprendizagem dos alunos, há a necessidade de entender a importância de intervir no cotidiano escolar de maneira a contribuir com o objetivo maior da escola, qual seja: a aprendizagem dos alunos.

No que tange ao pessoal não docente, das práticas por eles desenvolvidas que impactam na ação educativa e, por conseguinte na aprendizagem dos alunos, é possível destacar, por exemplo:

 Auxiliar Administrativo

O auxiliar administrativo tem relação direta e permanente com diferentes áreas de atuação da unidade escolar. Muitas vezes, esses profissionais são ―a ponte entre aqueles que tomam decisões gerenciais e os que executarão tais decisões; muitas vezes tomam decisões e executam tarefas relevantes e decisivas‖ (MEDEIROS E HERNANDEZ, apud ABUD, 2012,

p. 3). Como ―ponte‖, para além de organizar a documentação da escola e de atender a comunidade local e escolar, o auxiliar administrativo deve interpretar as ausências, os pedidos, os silêncios, uma atitude sem aparente justificativa, ou seja, o fazer e o agir desses profissionais perpassam, ―fundamentalmente, pelo caminho de que o secretário escolar é educador e como tal, interfere, sobremaneira, na condução das políticas educacionais da escola‖ (GAMA; CARVALHO, apud ABUD, 2012, p. 6). Esse profissional possui informações e dados que permitem aos gestores ―pensar estrategicamente o processo pedagógico da escola, bem como a memória dos sujeitos que nela estão ou estiveram inseridos‖ (ABUD, 2012, p. 3).

Na Rede Municipal de Santo André, a função do auxiliar administrativo compreende as seguintes atribuições:

 instruir processos;

 elaborar e formalizar processos e contratos;  atender servidores e munícipes;

 operacionalizar sistemas internos;  elaborar relatórios;

 acompanhar rotinas;

 realizar despachos administrativos;  realizar controles;

 tratar de documentos variados, cumprindo todo o procedimento necessário referente aos mesmos;

 executar serviços gerais de escritório;

 executar qualquer outra atividade que, por sua natureza, esteja inserida no âmbito das atribuições pertinentes ao cargo e área.

De uma forma geral, os auxiliares administrativos das creches de Santo André, ficam em uma sala, logo entrada do prédio, constituindo-se, mormente, no primeiro contato entre as famílias e os alunos que chegam à escola. Os pais os procuram para tirar dúvidas quanto à documentação, horários, materiais escolares, uniformes, alimentação, vacinas, enfim, uma gama de informações que por vezes acaba por tornar o auxiliar administrativo o elo entre a escola e a família.

No exercício da profissão desta pesquisadora em diferentes escolas, de diferentes níveis, incluindo nestes a creche, não raro era possível observar os alunos dirigindo-se à secretaria e solicitando materiais (a pedido dos professores ou por vontade própria), pedindo para ligarem para suas mães para que viessem buscá-los ou ainda ―puxando conversa‖ com os auxiliares. A forma como a resposta ou contato é estabelecido entre esse profissional e a criança pode revelar um ―cuidado‖ ou uma intencionalidade do professor a ser complementada pelo funcionário administrativo. Por exemplo, um aluno muito tímido e com dificuldades para se comunicar oralmente pode ser incentivado a se manifestar pela forma que o auxiliar conduzir ou receber esse aluno no espaço da secretaria ou ao encontrá-lo em algum ambiente da creche. Os auxiliares administrativos podem, também, ao conhecer os projetos desenvolvidos pelos professores, contribuir com a sua execução colaborando com os docentes na construção ou organização de algum material e com as crianças ao comentar e valorizar as produções dos alunos.

 Equipe da Cozinha: Merendeira e Lactarista

As merendeiras, ―ou manipuladoras de alimentos, como são chamadas pelos técnicos, têm, atualmente, importância reconhecida no processo educacional, pois a alimentação adequada é decisiva na formação do ser humano‖ (ASSOCIAÇÃO BENEFICENTE DOS PROFESSORES PÚBLICOS ATIVOS E INATIVOS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, sítio eletrônico).

Nas creches da Rede Municipal de Santo André têm as seguintes atribuições:

Lactarista

 contribuir para o desenvolvimento sadio, preparando refeições de acordo com a faixa etária das crianças do berçário (de três meses a dois anos) conforme descrição em cardápio encaminhado pela Supervisão de Alimentação Escolar5, utilizando técnicas de preparo, obedecendo às normas de higiene que a situação requer;

5

A Supervisão de Alimentação Escolar é um departamento da Companhia Regional de Abastecimento Integrado de Santo André, responsável pelo acompanhamento e orientação de todos os funcionários que atuam nas cozinhas da rede pública de ensino do município (tanto as estaduais quanto municipais). Conta com uma equipe formada por nutricionistas e orientadoras de merenda.

 receber alimentos para preparo das refeições conferindo quantidade e qualidade dos produtos recebidos;

 consultar o cardápio diário verificando se os gêneros alimentícios necessários ao seu preparo (ex.: papas amassadas, sucos, vitaminas, carnes entre outros) estão devidamente separados;

 preparar mamadeiras com leites específicos para cada idade;  preparar dietas existentes no lactário;

 distribuir os alimentos, observando a sua aceitação, bem como providenciar a reposição dos produtos quando solicitado;

 efetuar coletas de amostras de todas as refeições diariamente e descartá-las conforme cronograma descrito no lactário;

 operar equipamentos no serviço de alimentação, obedecendo às instruções de uso;

 cuidar da limpeza e esterilização das mamadeiras e demais utensílios;

 realizar higienização da cozinha, utensílios, equipamentos, bem como a conservação desse conjunto de aparelhos;

 efetuar registros relativos às refeições distribuídas, consumo de gêneros alimentícios e materiais de limpeza, realizando solicitações dos gêneros alimentícios e materiais quando necessário;

 tirar a temperatura de todas as refeições diariamente e registrá-las em formulário próprio;

 executar outras tarefas afins e correlatas quando determinadas pela nutricionista e orientadora de alimentação escolar e executar qualquer outra atividade que, por sua natureza, esteja inserida no âmbito das atribuições pertinentes ao cargo e área.

Merendeira

 Preparar e distribuir refeições, selecionando os ingredientes necessários, observando a higiene e a conservação dos alimentos para atender aos cardápios estabelecidos e as orientações que lhe forem determinadas, sendo:

preparar as refeições para os horários pré-fixados pela direção;

anotar a entrada e saída de gêneros alimentícios, diariamente, utilizando de fichas de controle de estoque e do saldo na planilha mensal;

conferir recibos e notas quando do recebimento de gêneros perecíveis ou estocáveis, desde que delegado pelo responsável da unidade escolar, comunicando à direção eventuais alterações nas características dos produtos;

receber e armazenar os produtos, observando data de validade e qualidade dos gêneros alimentícios, bem com a adequação do local reservado à estocagem, visando à perfeita qualidade da merenda;

executar as normas de estocagem e congelamento conforme orientações do nutricionista;

obedecer aos cardápios estabelecidos;

solicitar a reposição dos gêneros alimentícios, verificando periodicamente a posição de estoques e prevendo futuras necessidades, para suprir a demanda;

adequar o cardápio na falta de gêneros alimentícios, notificando à direção;

distribuir as refeições preparadas, colocando-as em recipientes apropriados, a fim de servir aos alunos;

proporcionar aos alunos a formação de hábitos saudáveis e boas maneiras ao servir as refeições;

receber ou recolher louças, talheres e utensílios empregados no preparo e consumo das refeições, providenciando sua lavagem e guarda, para deixá-los em condições de uso; efetuar a higienização e a manutenção da limpeza de todos os equipamentos,

utensílios, bancadas e área da cozinha e despensa;

zelar pela limpeza e higienização de cozinhas e copas, para assegurar a conservação e o bom aspecto delas;

respeitar as normas de higiene pessoal, ética profissional emanadas pela Secretaria de Educação, bem como as normas de higiene e segurança da Secretaria de Saúde;

anotar o número de refeições servidas diariamente e o seu total na planilha mensal; fornecer dados e informações sobre a alimentação consumida na unidade, para a

elaboração de relatórios;

preparar o café a ser servido aos funcionários da Unidade Municipal de Educação; executar qualquer outra atividade que, por sua natureza, esteja inserida no âmbito das

atribuições pertinentes ao cargo e área.

Diante das atividades desenvolvidas pelas merendeiras e/ou lactaristas, como as acima elencadas, é razoável inferir que ―a alimentação escolar não pode ser utilizada simplesmente como estratégia emergencial de combate à fome, mas, sim, como espaço privilegiado para a

formação de hábitos alimentares saudáveis e de cidadãos comprometidos com uma sociedade mais justa e equânime‖ (CARVALHO; MUNIZ; GOMES, 2008, p. 3).

Para muito além de alimentar, os momentos de refeição na escola devem configurar-se como espaços de formação de hábitos alimentares saudáveis, ou seja, espaços de educação alimentar. Nessa concepção, as merendeiras e lactaristas ultrapassam a condição de meros manipuladores de alimento, destacando-se o papel de educadores, haja vista serem a ligação entre os alimentos, a alimentação e os alunos. Assim, ao servir um aluno, cabe a cada um desses profissionais ―valorizar o que está servindo. Sua orientação é entregar a refeição e, com carinho, incentivar o estudante a se alimentar‖, em uma prática intencional, consciente da função educadora (ASSOCIAÇÃO BENEFICENTE DOS PROFESSORES PÚBLICOS ATIVOS E INATIVOS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, sítio eletrônico).

Dessa feita, pode-se dizer que o trabalho realizado pela equipe de profissionais que atuam nas cozinhas das creches vai muito além do que meramente cozinhar ou servir. Suas ações podem contribuir para aprendizagem dos alunos. Como exemplos do papel de educador que exercem esses profissionais, muitas vezes os alunos desperdiçam alimentos ou ainda amontoam-se para servir-se. Nessas ocasiões, uma intervenção consciente do funcionário, no caso da merendeira, é sinônimo de uma ação educativa, uma vez que pode contribuir com a ação educativa.

Para que a equipe da cozinha possa atuar de forma intencional e consciente, precisa conhecer os objetivos da escola e a importância de suas intervenções com os alunos, tanto na forma do tratamento quanto na forma de oferecer e apresentar os alimentos. A formação em serviço é uma alternativa possível para que esses profissionais obtenham as informações sobre a possibilidade do impacto de suas ações na aprendizagem dos alunos e ao mesmo tempo possam contribuir com informações aos professores para o trabalho em sala de aula no que diz respeito aos alimentos a serem servidos, posturas dos alunos, organização e limpeza etc.

Os responsáveis pela manipulação da merenda, nas palavras de Carvalho, Muniz e Gomes,

têm sensibilidade para outras questões, outras dimensões da vida, possuem um conhecimento de ordem prática e que deveria ser reconhecido no processo de formação de comportamentos e atitudes relativos à ética e à convivência social (2008, p. 2).

Pelas dimensões e amplitude do fazer da equipe da cozinha ou manipuladores de alimentos, como aduzem Costa e Lima ―embora o trabalho a ser produzido por elas detenha

grandes parcelas de ações mecânicas e rotineiras, ele requer adaptações criativas e reflexão permanente‖. Tais adaptações, por sua vez, implicam o ―reconhecimento da existência de um conjunto de espaços educativos que se apresentam no cotidiano da merendeira‖ (2002, p. 16) e, por conseguinte, na necessidade de uma cultura de formação de pessoal não docente no interior das escolas. Necessidade esta, que ―passa pela definição de qual trabalhadora se quer constituir ou formar, o que antecede a preocupação com as competências (saberes e habilidades) que elas devem dominar‖ e requer uma formação voltada para o desenvolvimento da ―autonomia como sujeito consciente e competente para desempenhar o seu papel como cidadã no ambiente da escola‖ (COSTA; LIMA, 2002, p. 17), e não mera aplicação e/ou mudanças nos conteúdos trabalhados nos cursos de treinamento.

Equipe da Limpeza: serventes

Os serventes, funcionários que também compõem o quadro de pessoal não docente e que exercem atividades no interior das escolas, são considerados, pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), como educadores.

A Rede Municipal de Educação de Santo André tem definidas as atribuições desse funcionário, são elas:

realizar limpeza geral de locais públicos; efetuar serviços de copa;

auxiliar na instalação e montagem de equipamentos; auxiliar o transporte de materiais para vários locais;

 executar qualquer outra atividade que, por sua natureza, esteja inserida no âmbito das atribuições pertinentes ao cargo e área.

Percebe-se pelas suas atribuições, acima mencionadas, e pelo exemplo a seguir, que todos os serventes exercem funções em que há contato com todos os públicos e espaços da creche e carregam saberes que, embora de senso comum, são primordiais à organização e à limpeza, enfim, ao bom funcionamento da escola. Os serventes, por exemplo,

conhecem aqueles alunos que não sabem usar o banheiro adequadamente, os que fogem da sala de aula e ficam perambulando pela escola ou aqueles que se escondem no banheiro [...], os que brigam no recreio, batem e são temidos pelos colegas, etc. (NUNES, 2000, p. 62).

Assim como tantos outros profissionais que compõem o quadro de pessoal não docente, os serventes

percebem várias coisas que acontecem com os alunos e não têm espaço para falar, um espaço de troca quanto ao que é necessário ao trabalho, em que pudessem participar vários atores — professores, merendeiras serventes, etc. — buscando entrosamento de seus papéis e alternativas às situações. Discutir as dificuldades referentes a outras dimensões do processo de educação, o que estão descobrindo, o que está acontecendo com os alunos, suas dificuldades, suas carências, etc., isso fica guardado, para elas. A escola na maioria das vezes não incorpora e não reconhece as experiências e as observações dessas potenciais educadoras (NUNES, 2000, p. 64).

Conforme Nunes, esses trabalhadores ―sabem o que dá certo e o que não dá‖. Faltam- lhes ser reconhecidos e ouvidos e, também a percepção, deles próprios, de que carregam um saber e um saber-fazer, e refletir sobre esses saberes, sendo necessário, para isso, ―somá-lo a informações provenientes do conhecimento científico‖, o que ―necessariamente passa por espaços formais de qualificação‖ (2000, p. 59), sem desconsiderar, contudo,

a competência construída na experiência cotidiana dos problemas da escola e na observação dos alunos; a capacidade de dedicação desses funcionários à escola e às crianças; o trabalho real [...], a dimensão coletiva e as relações de cooperação presentes no ato de educar desenvolvido pelo conjunto de trabalhadores na escola (2000, p. 58).

Todo o pessoal não docente, não importando o cargo ou função, desenvolve atividades em uma instituição social cujo papel precípuo é educar. Nesse ambiente, a parte de responsabilidade de cada um no ―tempo/espaço em que a criança permanece na escola diz respeito à contribuição e influência‖ que suas ―atividades também têm na formação e socialização dessas crianças‖ (NUNES, 2000, p. 63).

Para que os saberes e conhecimentos do pessoal não docente, citados anteriormente, possam ser incorporados ao PPP, reafirma-se que a mobilização e participação desses profissionais, pelo gestor, na sua elaboração é condição imprescindível para que sejam potencializados e contribuam com a ação educativa. O papel do gestor escolar para que essa participação ocorra com vistas a implicar, responsabilizar e valorizar esses profissionais é o de articular, coordenar e formar o pessoal não docente para que este entenda a importância de sua atuação tanto na elaboração do PPP quanto no desenvolvimento de suas atribuições, na relação adulto-adulto e adulto-criança e na forma como estas implicam na aprendizagem das crianças.