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As informações textuais disponíveis sobre Voile são escassas. A única delas assinada pelo compositor se encontra na partitura:

- Vela (no feminino): é a vela destinada a captar a força do vento. Eu a utilizei em meu caiaque.

- Véu (no masculino): a palavra parece interessante também devido ao segredo que se quer esconder de vista55.

Além dessa nota de programa, alguns poucos parágrafos sobre a peça são ocasionalmente encontrados em textos sobre as obras tardias de Xenakis, dentre os quais o mais informativo é o de James Harley em Xenakis: His Life in Music (2004):

Em sua próxima obra, orquestrada para 20 instrumentos de cordas, Xenakis retornou mais explicitamente às preocupações esculturais de Dämmerschein. Aqui, porém, o cluster massivo é substituído (em maior parte) por estruturas de crivos, com cada instrumento tratado como solista. Voile (1995) é, evidentemente, um título fortemente impressionista. O compositor observa que ambos os significados são importantes: a “vela” que ele usa em seu caiaque, e o “véu” que pode manter em segredo aquilo que há por trás dele. A música, porém, se encontra distante de Debussy. As sonoridades verticais e diagonais são mais geométricas do que evocativas de um dia de brisa.

54 O texto original, na íntegra: “An exploration of abstraction in sound. The works on this program were selected

on two criteria: the musicians of A Far Cry love them, and audiences often approach with skepticism… until they have a listen. The pieces increase in “difficulty.” Can you make it to the end?” (texto obtido em http://afarcry.org/all/the-afc-challenge). Assim, Voile foi selecionada como a mais “difícil” das peças do concerto, uma vez que foi a última do programa.

55 Texto original: “Voile (au feminin): c'est la voile destinée à capter la force du vent. Je l'utilisais sur mon kayak. Voile (au masculin): le mot semble intéressant aussi en raison du secret qu'on veut cacher à la vue”. Na partitura há também uma versão em língua inglesa.

O crivo de 40 notas escutado no início retorna como uma pedra-de-toque para as breves excursões a outras formações (incluindo o cluster cromático ocasional). A música se desdobra como uma sequência de segmentos breves de material variado. Em 5 minutos e meio, esta encomenda da Orquestra de Câmara de Munique dificilmente constitui uma obra de maior porte, mas ainda assim uma gama expressiva ampla se encontra compactada em sua breve duração. Após a seção de abertura geométrica, há uma breve passagem de glissandos curtos que passam de um a outro dos onze violinos. A distribuição espacializada deste material é encerrada com um tutti de glissandos no compasso 10, seguido por uma passagem cordal, ainda apenas para violinos, de três sonoridades verticais de estrutura intervalar e extensão contrastante. No compasso 13, o crivo de abertura retorna, estendendo-se do topo à base e trazendo o restante do conjunto. Outra progressão cordal leva a uma passagem contrapontística na qual cinco grupos de cordas perseguem contornos independentes. Cada camada permanece em seu próprio registro e faz uso de um intervalo diferente para suas cordas duplas. A passagem nos compassos 19-21 é fascinante devido ao que é exposto quando o véu é afastado. Uma sucessão descendente de notas de um crivo secundário cede espaço a um fragmento melódico evocativo. É harmonizado em cordas duplas de intervalos variados, começando e terminando com o som arcaico de quintas paralelas. Este vislumbre tentador de um tipo de música completamente diferente é varrido quando o crivo retorna. Sucedendo essa passagem, um breve foco é dado às violas, em um contraponto de espaçamento fechado. Isso leva, no compasso 23, a uma seção de polifonia mais dispersa que se desloca das violas aos violinos, de volta às violas, e então aos violoncelos e contrabaixos. A seção final é mais rítmica, com a música surgindo a partir do centro, cada instrumento pulsando suas cordas duplas até a entrada de todo o conjunto. A peça termina com uma breve oscilação entre dois acordes de crivos que incluem todas as vozes.

Voile é uma obra concentrada de material espesso e textural, com passagens contrapontísticas e também melódicas. As próximas duas partituras de Xenakis, para conjuntos menores, deslocariam o foco para preocupações mais lineares e rítmicas, ainda que o cluster reapareceria como coloração timbrística (...) (pp.218-219).

Três implicações podem ser inferidas do texto de Harley: a primeira, e mais significativa delas, é o fato de que a Teoria dos Crivos, uma das ferramentas composicionais mais recorrentes na obra de Xenakis a partir de Nomos Alpha (1966), é entendida por Harley como essencial em Voile, sendo mencionada continuamente como base para formação dos acordes e, subsequentemente, determinação das alturas; a segunda constatação é o crédito dado por Harley às notas de programa referentes ao título, que sugerem a modelagem metafórica do véu sendo erguido para revelar música contrastante da que a antecede em um trecho específico da peça; por fim, o texto é isento de referências a quaisquer recursos

composicionais específicos além dos crivos, descrevendo sequencialmente seções e eventos sonoros identificados por Harley.

Em relação ao emprego de crivos, a afirmação de Harley contradiz a afirmação de Exarchos (2007), que, em sua tese intitulada Iannis Xenakis and Sieve Theory – An Analysis of the Late Music (1984-1993), nomeia Paille in the Wind (1992) como a última peça de Xenakis a fazer uso de crivos, ressalvada a obra Mosaïques (1993), que consiste em excertos de peças anteriores (p.14). Exarchos observa, ainda, que as peças posteriores a 1993 não apresentam evidências de crivos e tendem ao cromatismo, ainda que sua pesquisa não tenha levado em consideração todas as peças do período entre 1993 e 1997 (p.14). Diante desse impasse e da relevância que a teoria possuía para Xenakis56, cabe dar início à investigação aqui apresentada com uma investigação sobre a pertinência do emprego de crivos em Voile.