• Nenhum resultado encontrado

É a partir de meados dos anos oitenta, do séc. XX, que se assiste a uma produção legislativa com fortes repercussões ao nível da educação especial (Rodrigues, 2006). Nasce o conceito de educação integrada, legitimada por um conjunto de mudanças legislativas e educacionais que, progressivamente, vão alterando a lógica de atendimento à diversidade de alunos que habita a escola.

A publicação da Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE), Lei n. º 46/86, de 14 de outubro, introduz importantes mudanças que retratam um período que se optou designar por integração emergente. O ensino básico é assumido como universal, obrigatório e gratuito com duração de nove anos, terminando esta obrigatoriedade aos 15 anos110. Alves (1998, p. 64) chama a atenção para a ambiguidade da utilização de critérios “que conferem legitimidade a esses abandonos”. Dito de outra forma, Alves (1998) defende que são os próprios critérios que definem a escolaridade obrigatória que, paradoxalmente, conferem quase um ‘direito de abandono’ a todos os alunos que mesmo que não alcancem o nível escolar, considerado referência obrigatória, o possam fazer por atingirem o limite de idade. Assim sendo, a escolaridade obrigatória contínua a ser apenas assegurada a alguns alunos na medida em que se apresenta condicionada ao comportamento e aproveitamento. Tal é ilustrado na posição de Rodrigues (2006, p. 303) quando refere que “o aluno com dificuldade não era um aluno de pleno direito da escola, mas tão só uma benesse que a escola condicionalmente lhe outorgava”.

Influenciada pelo Relatório Warnock (Department of Education and Science, 1978), a LBSE adota o conceito “necessidades educativas específicas” (ponto 1, artº. 20º, Lei n. º 46/86, de 14 de outubro) sem, no entanto, abandonar a referência simultânea às deficiências físicas e mentais. Pela primeira vez a redação de uma lei impõe que a escola regular deve “assegurar às crianças com NEE, designadamente deficiências físicas e mentais, condições adequadas ao seu desenvolvimento e pleno aproveitamento das suas capacidades” (alínea j, art.º 7º, Lei n. º 46/86, de 14 de outubro).

Dois anos mais tarde, em 1988, são criadas e regulamentas, através do Despacho Conjunto n.º 36/SEAM/SERE/88, de 17 de agosto, as Equipas de Educação Especial e definidas a nível local como serviços destinados a apoiar a intervenção com os alunos com NEE. Estas equipas cobrem todo o ensino, com exceção do ensino superior.

Correia (2001) assinala a influência desta mudança para a operacionalização da partilha do mesmo espaço físico por todos os alunos, nomeadamente nas atividades extraescolares contribuindo para a integração social dos alunos com NEE. Nesta altura, as salas de apoio ganharam protagonismo e os alunos passaram a ser integrados em algumas atividades com as classes regulares.

A designação “integração emergente” parece adequada para caracterizar este período tendo em conta que, apesar do discurso presente nos documentos que repetem a palavra integração, a prática revelava uma realidade diferente, num tempo em que as escolas de ensino especial continuavam a

110

Esta medida apenas abrange os alunos que ingressaram pela primeira vez no sistema educativo no ano letivo 1986/1987. Para os que não cumprem este requisito, a escolaridade obrigatória é de 6 anos.

ocupar um lugar de destaque no atendimento educacional dos alunos com deficiência, mesmo que esse atendimento pudesse passar, em casos pioneiros, pelo espaço físico da escola regular.

Integração

Os anos noventa do século XX marcam o período de criação efetiva de condições para o atendimento a TODOS os alunos com a entrada em vigor de três dispositivos legais que se vêm a revelar decisivos para que se possa falar de um modelo de integração. Prescrevem inequivocamente a integração e promovem uma alteração profunda nos modos de atendimento às crianças com NEE e dos jovens e adultos que não realizaram a escolaridade de primeira oportunidade.

Pode mesmo afirmar-se que este período é caracterizado pela introdução de uma reforma, se se adotar a definição de reforma proposta por Canário (1992, p. 198), ou seja, “uma mudança em larga escala, com carácter imperativo para o conjunto do território nacional, implicando opções políticas, a redefinição de finalidades e objectivos educativos (…)”.

A consolidação da novidade ideológica da Escola para TODOS traduz-se em medidas políticas que procuram a sua operacionalização no sistema educativo. Exemplo disso é a publicação de um conjunto de legislação que reconfigura uma escola cada vez mais integradora. Logo no início da década de noventa, a publicação do Decreto-lei n. º 35/90, de 25 de janeiro, determina que as crianças e jovens com NEE, decorrentes de deficiências físicas ou mentais, não podem ser dispensadas da frequência da escolaridade obrigatória.

Um ano mais tarde, a publicação do Decreto-lei nº 319/91, de 23 de agosto, considerado o pilar legislativo da educação especial em Portugal, de acordo com Lopes (2007), promulga o regime educativo especial que consiste na adaptação das condições em que se processa o ensino-aprendizagem dos alunos com NEE. Com a publicação deste decreto-lei, tem início uma inovadora resposta escolar de integração educativa, nomeadamente ao estabelecer o atendimento dos alunos com NEE nas escolas regulares, ao assegurar às escolas e às respetivas equipas educativas a responsabilização da escola regular destes alunos, ao abrir a escola aos alunos portadores de deficiência e ao consagrar um conjunto de medidas111 cuja aplicação devia ser adotada sempre que se revelasse indispensável para atingir os objetivos educacionais definidos (Decreto-lei, 319/91 de 23 de agosto). Outra condição definida no preâmbulo deste diploma prevê a substituição de categorias baseada em decisões do foro médico pelo conceito de aluno com necessidades educativas especiais assente em critérios pedagógicos, levando Lopes (2007 p. 26) a defender que este decreto-lei representa um marco de substituição do “modelo médico de avaliação e intervenção por um modelo baseado em critérios pedagógicos”.

111

São dez as medidas de apoio previstas no Decreto-lei n.º 319/91, de 23 de agosto: 1) equipamentos especiais de compensação; 2) adaptações materiais; 3) adaptações curriculares; 4) condições especiais de matrícula; 5) condições especiais de frequência; 6) condições especiais de avaliação; 7) adequação na organização de classes ou turmas, 8) apoio pedagógico acrescido; 9) ensino especial; 10) encaminhamento extraordinário para instituições de educação especial (cf. DL 319/91, de 23/08).

O facto de o conceito de NEE se assumir como um conceito central sem nunca ter sido clarificado oficialmente, é considerado por Niza (1996) como um constrangimento à operacionalização das respostas, contribuindo para alguma arbitrariedade e/ou confusão na seleção dos alunos a beneficiar de medidas educativas especiais.

Para permitir operacionalizar os ideais de uma Escola para TODOS (EPT) consagrados na LBSE e no Decreto-lei 319, é publicado o Despacho Conjunto 105/97, de 01 de julho. Este despacho é inovador na medida em que substitui o docente de educação especial, mais orientado para a intervenção com público com deficiências ou limitações de natureza permanente, pelo docente de apoio educativo com a função “contribuir para a igualdade de oportunidades de sucesso educativo para todas as crianças e jovens”. O professor de apoio passa a constituir-se como um recurso para todas as crianças que, em algum momento da sua trajetória escolar, revelem dificuldades de aprendizagem.

O desenvolvimento notável de reconhecimento dos direitos humanos que vinculam direitos políticos, económicos, sociais e culturais marcados pela Declaração Universal dos Direitos do Homem — DUDH112 e pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência — CDPD113 são sustentados pelo reconhecimento do direito fundamental a uma vida autónoma e cidadania plena e, com prejuízo das visões mais assistencialistas, apelam à desinstitucionalização progressiva e à adoção de políticas de inclusão. Revela-se particularmente importante a redação do artigo vigésimo quarto, onde os Estados Partes reconhecem e se comprometem a assegurar um sistema de educação a todos os níveis e ao longo da vida.

É neste período que se assiste também à diversificação de ofertas formativas, dentro da escolaridade obrigatória, que procuram responder à “inevitável tensão entre a uniformização e a heterogeneidade” (Alves e Canário, 2004, p. 988-989), ao insucesso e ao abandono114. Castro (2008, p. 20) defende que a saída do sistema escolar sem diploma não deverá ser qualificada como abandono escolar, mas como “uma saída desqualificada quer a nível escolar quer profissional. Portanto, estes jovens abandonam o sistema escolar quando atingem a idade legalmente estabelecida por lei para o poderem fazer”.

O conceito de abandono escolar pode também ser visto como o proposto por Benavente et al. (1994) ou Mendes (2006) que o entendem como toda a saída da escola sem conclusão do grau de ensino frequentado, excluídas as situações de transferência de escola ou falecimento.

112

United Nations (1948). The Universal Declaration of Human Rights.

113

United Nations (2006). Convention on the Rights of Persons with Disabilities.

114

Em 2001 a alfabetização total da população encontra-se por cumprir, verificando-se uma taxa de analfabetismo de 9% nos portugueses com idade superior a 10 anos (Cf. Almeida e Vieira, 2006, p. 30).