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Perfil dos participantes

1.2.4. Técnicas de tratamento da informação

Concluído o trabalho de campo, urgiu deitar mãos à obra de análise e interpretação da pluralidade de dados resultantes da recolha do material empírico nos dois planos de análise (macro e micro).

Num plano macro, mobilizou-se a análise das referências à população classificada na categoria DI na construção histórica das políticas de educação, formação, proteção social, saúde e incentivo ao trabalho, procurando contextualizar os diferentes itinerários biográficos, procurando relações com as oportunidades disponíveis. Ao mesmo tempo, a análise da evolução das políticas também permitiu observar os efeitos impressos pelas mudanças estruturais nos cursos de vida, valorizando-se a compreensão do modo como os processos de transição individual são influenciados pelas circunstâncias estruturais e culturais em que se desenvolvem.

Nesta tarefa revestiu-se de particular importância a reunião e análise reflexiva de um conjunto de documentação sobre os contextos ideológicos que deram origem à definição do quadro normativo de educação, reabilitação e emprego, bem como a sua operacionalização ao nível das ofertas

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A Residência Autónoma é um projeto que visa acolher pessoas com deficiências e incapacidades que, mediante apoio, possuam capacidade de viver autonomamente, sendo, para tal, trabalhadas algumas competências pessoais e sociais, com vista a uma melhor integração na sociedade.

educativas/formativas, da promoção e manutenção de emprego e do incentivo e promoção de condições favoráveis à vida independente disponibilizadas em Portugal, desde meados do século vinte, para as pessoas classificadas na categoria DI. A triangulação das fontes selecionadas foi fundamental para iluminar o conhecimento da evolução das respostas direcionadas para o público classificado com DI ou NEE.

Desta análise da legislação e normativos de produção nacional resultou uma proposta de tipologia que sublinha o percurso evolutivo das políticas educativas e formativas destinadas a alunos com deficiência e NEE. Esta tipologia resulta do estabelecimento de relações entre os momentos sócio históricos e os imperativos ideológicos em vigor que enformaram a legislação específica, para um público escolar com necessidades especiais, ou a ausência dela.

A análise da informação estatística disponível, nomeadamente nos Censos e estudos sobre educação, formação e integração no mercado de trabalho contribuiu para caracterizar as condições de existência e participação, conhecidas, dos indivíduos classificados na categoria DI. Na análise e discussão de resultados foi sempre tida em conta a preocupação sublinhada por Lahire (2004, p. 315) e que se traduz na afirmação de que o sociólogo não faz completamente o seu trabalho se descurar, no trabalho de análise “os aspetos da vida passada ou presente do entrevistado que não entram no campo de consciência e de interesse espontâneo deste”.

No plano micro, ganharam particular relevo as entrevistas e as notas de campo constituídas por um conjunto de informação em forma narrativa. De acordo com Angrosino (2007), não existe uma fórmula única que sirva a estratégia de análise dos dados qualitativos recolhidos no trabalho de campo, referindo que alguns investigadores defendem mesmo que a análise dos dados é necessariamente “feita à medida”, no sentido em que deve atender às particularidades dos projetos específicos. Esta característica tem constituído um dos argumentos de crítica à análise qualitativa etnográfica “acusada de se constituir mais como uma arte do que como ciência” com os investigadores a serem acusados de serem pouco rigorosos nas suas análises (Angrosino, 2007, p. 5).

Tomando as críticas em consideração, a opção intencional pela análise de conteúdo foi a técnica de tratamento da informação selecionada, uma vez que, como defende Bardin (2009), tem como finalidade permitir efetuar inferências com base numa lógica explicitada, que favorece a passagem da descrição à interpretação e a descoberta de padrões, regularidades, e singularidades que emergem a partir dos dados. Por seu turno, Pais (2005, p. 93) descreve a análise de conteúdo como um conjunto de procedimentos que permite “desestabilizar a inteligibilidade imediata das superfícies textuais das entrevistas transcritas mostrando, em contrapartida, as suas características latentes – e, logo, ocultamente presentes”, reforçando os argumentos que justificam a sua mobilização nesta investigação. A primeira tarefa consistiu na transcrição das entrevistas áudio, que decorreu de forma quase simultânea com o trabalho de campo. Lalanda (1998, p. 882) destaca o contributo deste processo que

permite que o investigador reencontre as “vozes do real” e descubra “as linhas de força que irão estruturar a própria investigação, o que significa ultrapassar a singularidade da situação e atingir os elementos que conduzem à construção da dimensão social (coletiva) subjacente e permitem a ‘descoberta’ de uma tipologia”. Saliente-se que, terminada a análise de dados, se procedeu à eliminação dos registos áudio, guardando-se apenas as transcrições das entrevistas.

A tarefa seguinte consistiu na leitura e releitura das entrevistas, bem como na revisão das notas de campo de modo a estimular “a reflexão sobre o que já sabemos, mas também sobre o que ainda queremos questionar” (Angrosino, 2007, p. 5). Este processo revelou-se fulcral para a familiarização com cada um dos itinerários biográficos, etapa indispensável para o escrutínio dos padrões únicos, antes de se procurar generalizar semelhanças e diferenças entre os diversos casos (Eisenhardt, 1989). Neste plano, o indivíduo é um caso singular e representa a unidade de análise considerada, razão pela qual a redação das narrativas de vida obrigaram a um “mergulho” nos aspetos singulares e pontos de viragem do curso de vida. Esta fase revelou-se indispensável para o exercício de descrição e interpretação dos discursos dos atores, através “da criação de significado pelo investigador” (Geertz, in Graue e Walsh, 2003, p. 283).

Do fluxo de análise das entrevistas transcritas e das notas de campo decorreu a descrição e a classificação num processo de codificação do material. Esta etapa, segundo Bardin (2009) é de grande importância, uma vez que permite a realização das interpretações e inferências, possíveis pelo recurso à codificação, à classificação e à categorização. Não obstante algumas categorias de análise terem sido definidas, à priori, aquando da elaboração do roteiro de trabalho de campo, da auscultação do material de campo surgiram novas categorias, não antecipadas, que foram incluídas na grelha de análise, aspeto valorizado pela dinâmica das lógicas indutiva e dedutiva.

A análise das trajetórias individuais parte da construção das narrativas, designadas por foto-grafias que não são mais do que pequenas sínteses que resumem a sua história de vida. Na senda de Yin (2012), a análise individual de casos, nomeadamente a descrição mais exaustiva de algumas singularidades, combinou-se com o cruzamento de casos, nomeadamente na revelação de padrões constituídos por diferenças e similitudes. Para além da análise individual, favoreceu-se a comparação entre casos numa tentativa de destacar e compreender não só o que os une, mas também o que os distingue dando relevo às singularidades. Nesta justaposição procurou-se, para além do confronto resultante da comparação entre casos, examinar o material de campo à luz da teoria, sempre com a preocupação de articulação com os contextos sociais, históricos e políticos que contribuíram para as singularidades dos cursos de vida e disponibilização de oportunidades. Desta interação nasceu uma dinâmica de comparação entre todas as fontes utilizadas, nomeadamente entre a teoria, os dados recolhidos e a contextualização ideológica e política.

Se em alguns casos se encontrou uma replicação da teoria, o que de acordo com Eisenhardt (1989) favorece a confiança do investigador na medida em que, de algum modo, validam o seu trabalho, noutros perante as desconformidades entre a teoria e os dados disponíveis, procurou compreender-se e descrever-se os fenómenos, contribuindo para a (re)construção de teoria.

À luz da inspiração weberiana de definição de ideal-tipo (Aron, 1994), a análise do material empírico permitiu construir tipologias que propõem e caracterizam os modelos típicos que se pretende possam contribuir para tornar mais inteligível a compreensão dos modos como os sujeitos gerem a classificação na categoria DI e os perfis de transição para a vida adulta.

Uma vez que a estratégia desta investigação não tem o propósito de generalizar os resultados obtidos, mas antes dar a conhecer profundamente experiências concretas e particulares, o recurso à elaboração de tipologias procura constituir um recurso analítico que resulta do esforço interpretativo para facilitar a compreensão de um fenómeno de natureza tão abstrata como o apresentado neste trabalho. Para Weber, a proposta ideal-tipo apresenta-se como um conceito “ideal” que permite medir a realidade com o objetivo de tornar mais claro o conteúdo empírico, nomeadamente quanto aos elementos mais relevantes, com os quais comparamos a realidade (Aron, 1994). Não existindo, na realidade, os ideais-tipo não são mais do que um instrumento de análise que facilita a compreensão do fenómeno. Dominique Schnapper (2000, p. 30) apresenta o ideal-tipo como um “quadro simplificado e esquematizado do objecto da pesquisa com o qual a observação sistemática do real (...) deve ser confrontada”. Para esta autora, as tipologias resultam da “estilização e acentuação dos traços essenciais” e representam recursos que permitem “sintetizar as aquisições da pesquisa de modo a extrair as características fundamentais ou a elaborar um modelo abstracto com o qual as condutas podem ser comparadas” (Schnapper, 2000, p. 35). Assim sendo, as propostas apresentadas devem ser vistas tão-somente como propostas analíticas de referência social e sociológica onde se procurou agrupar, em perfis, as complexidades e singularidades exibidas pelos participantes, numa tentativa de facilitar a compreensão da realidade.

Para ilustrar as trajetórias individuais e as redes sociais, sempre que se considerou pertinente, recorreu-se à representação gráfica dos dados, nomeadamente a infografias que procuram permitir a análise caso a caso, sem perder de vista o contexto global. A transcrição dos excertos das entrevistas, que corresponde às vozes dos participantes, assim como as referências às notas de campo são outro recurso para ilustrar o processo indutivo de sistematização e análise.