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No âmbito da reforma levada a cabo, em 1973, pelo ministro Veiga Simão, é criado o ensino primário supletivo para adultos através do Decreto-Lei nº 489/73, de 2 de outubro.

É neste contexto que, a partir de 1974, surgem, com o apoio da Divisão do Ensino Especial da Direção-Geral do Ensino Básico, centenas de escolas de tipo particular e cooperativo, nomeadamente por iniciativa de pais e da comunidade, para dar resposta aos indivíduos com deficiência intelectual que representavam um grupo sem respostas educativas e rejeitado pelas escolas regulares, em contraste com as respostas já estabelecidas para as deficiências motoras e sensoriais. Mendonça (2009) lembra que, não obstante as reformas introduzidas terem procurado democratizar o sistema de ensino, as medidas discriminatórias para com os alunos com deficiência continuaram a vigorar numa lógica de separação.

Em 1975, nasce o movimento cooperativo: Cooperativa de Educação e Reabilitação de Cidadãos Inadaptados (CERCI), impulsionado pelos pais de crianças classificadas na categoria deficiência intelectual e apoiado pela Divisão do Ensino Especial da Direção-Geral do Ensino Básico, como alternativa para as crianças rejeitadas pela escola regular. A propósito da constituição e funcionamento destas organizações, Lopes (2007) refere que os pais, impulsionadores da sua criação, constituem os órgãos diretivos com consequências na generalizada ingerência técnica, aspeto que foi sendo

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Decreto-lei nº 40 964, de 31 dezembro de 1956.

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Decreto-lei nº 42 994 ,de 28 maio de 1960.

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contornado ao longo do tempo pelo número crescente de técnicos cada vez mais qualificados que incorpora os quadros destas instituições.

Pode afirmar-se que entre a década de setenta e meados dos anos oitenta do século XX as respostas continuavam a ser dadas pelas instituições de ensino especial, apesar da publicação de um corpo normativo que revela indícios tímidos de mudança. A Constituição Portuguesa publicada dois anos depois da revolução de abril, em 1976, apresenta-se como um dos exemplos ao estabelecer a universalidade e gratuitidade do ensino obrigatório no ensino básico (artigo 74º). Esta mudança ideológica teve de esperar alguns anos pela sua efetiva aplicação.

No ano seguinte, o Decreto-lei nº. 174/77, de 2 de maio, estabelece a possibilidade da frequência dos cursos dos vários graus de ensino, em regime de disciplinas para os alunos com algumas deficiências e na condição de “que a natureza da deficiência não afete o nível intelectual”.

No ano de 1979, a redação da Lei nº 66/79, de 4 de outubro, estabelece a natureza, âmbito e objetivos da educação especial e cria o Instituto de Educação Especial. Da análise à redação desta lei percebe-se que se privilegia a possibilidade de frequência dos estabelecimentos regulares de ensino e, pela primeira vez, surge a referência à necessidade de se procurarem soluções para a vida pós escolar, nomeadamente ao nível da formação e reabilitação profissional. Porém, uma vez que esta lei nunca viu regulamentação, o efeito pretendido no texto foi, obviamente, protelado.

Diverge-se de Sanches e Teodoro (2006) quando estes defendem que Portugal aderiu parcialmente ao modelo de integração em 1979, uma vez que se mantêm em funcionamento as escolas especiais, paralelamente à integração da maioria dos alunos na escola regular. Esta divergência fundamenta-se em duas ordens de razão: em primeiro lugar, apesar de se reconhecerem avanços nas respostas do sistema nacional de educação para alguns alunos com deficiência de natureza motora ou sensorial, esta oferta não era extensiva aos alunos com deficiência intelectual. Logo, se uma parte dos alunos, aqueles com DI, ficava de fora do grupo que se equacionava integrar não se pode falar da adesão ao modelo de integração. Em segundo lugar, sem grande coerência, ao mesmo tempo que se apela à frequência das escolas regulares, são criados os Centros de Educação Especial, legitimando o reconhecimento do ensino especial à margem do sistema educativo nacional.

Não obstante este trabalho não ter pretensões de estudar de forma exaustiva o insucesso escolar, a reflexão sobre este fenómeno torna-se incontornável pela sua visibilidade nas experiências educativas dos participantes neste trabalho, que sugere aquilo que Almeida e Vieira (2006, p. 39) classificam de “situação naturalizada de repetência”. Também Benavente (1990) revela que a escolaridade obrigatória de seis anos era apenas assegurada a alguns alunos, numa altura em que se assistia à banalização do fenómeno “insucesso”.

Benavente, Campiche, Seabra e Sebastião (1994, p. 31) caracterizam o insucesso como massivo, precoce, cumulativo e socialmente seletivo, revelando que a “democratização no acesso ao sistema de

ensino não se traduz, necessariamente, numa democratização do sucesso”. A este propósito parece de grande utilidade mobilizar a tese de Charlot (cit. in Alves, 2006) que defende que o insucesso escolar, não sendo uma realidade abstrata, não existe por si, porque o que existe são alunos com histórias de insucesso. Para o autor, o insucesso pode ser operacionalizado enquanto objeto de estudo de uma forma mais clássica, desenvolvida pela teoria da reprodução. À luz desta abordagem, o insucesso está associado ao fenómeno de seletividade social, demonstrada pela relação entre uma maior taxa de reprovação dos filhos e a baixa qualificação académica dos progenitores (Alves, 1998, 2006).

Ainda a propósito da importância da origem social, Benavente (1990, p. 6) propõe a teoria do handicap sociocultural para explicar o sucesso ou insucesso dos alunos à luz da “pertença social, pela maior ou menor bagagem cultural de que dispõem à entrada na escola”. Por seu turno, Almeida e Vieira (2006, p. 65) sublinham que foram os trabalhos da sociologia crítica, levados a cabo no início dos anos setenta, que tornam “visíveis as dificuldades da escola em contrariar os mecanismos de reprodução social e cultural que através dela prevalecem”. Para além da origem social, a pertença ao universo masculino aparece igualmente como um atributo de maior incidência das experiências de insucesso (Cavaco et al., 2015; Alves, 1998).

Para alunos classificados com NEE, o efeito do insucesso repetido servia de argumento à sua incapacidade para aprender e conduzia à legitimação da decisão de serem “atirados para a escola segregada” (Capucha, 2010, p. 38). Também Bénard da Costa (1995) chama a atenção para o facto de que à medida que a escola deixou de ser exclusiva de uma elite restrita de alunos e passou a receber alunos com diferentes ritmos de aprendizagem, nomeadamente dificuldades de aprendizagem, teve de encontrar mecanismos de resposta que não passaram, até ao início da década de noventa, da estratégia de os fazer repetir de ano. Ainda segundo esta autora, os primeiros anos de escolaridade eram os mais críticos, podendo as crianças permanecer no primeiro ciclo do ensino básico até aos 14 anos de idade, período em que saíam da escola, em alguns casos para a frequência noturna109 (Bénard da Costa, 1995). Apesar de se concordar com Alves e Canário (2004) quando afirmam ser indiscutível que na década de setenta se assistiu a uma reconfiguração do sistema educativo, em termos de discurso e políticas, em torno da valorização de ideais como a igualdade de oportunidades e luta contra a exclusão, a paisagem parece não ter sofrido alterações significativas ao nível das respostas efetivas para os alunos com dificuldade em realizarem ao mesmo ritmo as aprendizagens académicas.

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A modalidade de ensino recorrente implementada no final da década de oitenta destinava-se aos indivíduos com idade a partir dos 15 anos para o ensino básico e 18 anos de idade para o ensino secundário.