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Mapeamento e análise dos dispositivos legais na construção de respostas educativas

Identidade rechaçada

3. Educação, formação e trajetórias formativas

3.2. Mapeamento e análise dos dispositivos legais na construção de respostas educativas

De forma a contextualizar as trajetórias escolares e procurar interpretações para os níveis académicos aparentemente mais singulares dos participantes neste estudo, tornou-se imperativo estabelecer o cruzamento entre as políticas educativas nacionais destinadas a públicos com necessidades específicas, nomeadamente com deficiência intelectual, e as políticas de educação de adultos.

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Suportada numa investigação que conduziu, Tomlinson (2012) sugere existirem evidências que demostram que nos dias de hoje muitos pais preferem alegar que os seus filhos sofrem de transtornos com conotações médicas, neurológicas ou terapêuticas que pela sua natureza aliviam a responsabilidade deles.

Por uma questão de pertinência para o estudo, foi selecionado o intervalo de tempo entre a segunda metade do século XX, período próximo da idade de entrada na escola dos participantes mais velhos, até ao período de conclusão do trabalho de campo. Esta opção justifica-se por coincidir com as trajetórias escolares dos participantes no estudo e por se tratar de um período em que as influências supranacionais ganharam maior relevo.

Se a importância de organismos como a UNESCO parece inegável para a aceitação e generalização da importância da inclusão, nomeadamente através da realização da Conferência de Mundial sobre Educação de Necessidades Especiais, autores como Cavaco (2008) reconhecem-lhe um papel igualmente determinante na evolução de conceitos e modelos da Educação de Adultos105.

Mas foi a adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia (CEE) que marcou decisivamente a condução da política educativa nacional. Efetivamente, a integração na CEE, para além de económica e política, aproximou o país de um padrão simbólico de referência definido por Sousa (2004) como europeização. Uma das consequências foi que uma fatia dos fluxos financeiros passou a ter como alvo a proteção social de grupos mais desfavorecidos e com probabilidade acrescida de pobreza e exclusão social, nomeadamente ao nível da educação e formação. Contudo, para além da influência financeira, assiste-se igualmente a um quase mimetismo de adesão ideológica, observável na enunciação normativa dos diferentes dispositivos legais. Na prática, como afirma Azevedo (2001, p. 205) “à medida que os países mais desenvolvidos (do centro) adoptam certas medidas e essas medidas se apresentam como convergentes entre si, cria-se um poderoso factor de homogeneização mundial”.

3.2.1. Evolução dos modelos educativos nacionais

A evolução da situação da educação especial em Portugal, nos últimos trinta anos, é inegável. O processo de escolarização nacional, nomeadamente a concretização do sistema escolar público e obrigatório é comparado por Almeida e Vieira (2006, p. 27-28) a um caminho sinuoso, caracterizado por avanços e recuos que se prolongam no tempo, em que, nas últimas três décadas, se assistiu a “uma notável expansão da escolaridade junto da população mais jovem evidenciando uma acelerada procura educativa muito para além do estritamente imposto como obrigatório”.

O atraso nacional nas políticas de apoio aos alunos com NEE é destacado por Lopes (2007), que recorda que enquanto nos outros países já se abandonava o modelo de integração educativa para adoção do modelo de inclusão, na realidade portuguesa as estruturas de apoio à deficiência, ou problemas de desenvolvimento eram inexistentes. Acrescenta este autor que só nas últimas décadas é que as respostas destinadas a esta população sofrem profundas alterações e se passa da

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A este propósito recomenda-se a leitura do trabalho de Cavaco (2008) onde é feita uma análise exaustiva dos relatórios das Conferências Internacionais de Educação de Adultos.

quase inexistência da educação especial para a escola inclusiva, o que representa não só uma extraordinária alteração das estruturas de apoio, como a emergência e queda sucessiva de conceitos, que passam em curto espaço de tempo de heresia a dogmas (Lopes, 2007, p. 23).

Da análise da legislação e normativos de produção nacional e orientações internacionais, encontraram-se algumas características que conduziram à proposta de uma tipologia que sublinha o percurso evolutivo das políticas educativas destinadas a alunos com deficiência e NEE. O estabelecimento desta tipologia resulta da análise documental da produção normativa e legislativa em articulação com o estabelecimento de relações entre os momentos sócio históricos e os imperativos ideológicos que foram enformando a legislação específica, para um público escolar com necessidades especiais.

O estabelecimento destes cinco modelos educativos (ilustrados na Figura 4) designados por segregação, segregação mitigada, integração emergente, integração e inclusão imperfeita procura contextualizar a delimitação da oferta educativa no tempo, por referência a um público com características específicas, nomeadamente limitações significativas na aprendizagem e para o qual a escola e os curricula regulares, sem adequações na oferta e avaliação, constituí uma barreira intransponível. A construção desta tipologia constitui, ainda, um instrumento de análise relevante para aceder à compreensão dos efeitos das ofertas educativas no curso de vida dos participantes, responsáveis, em grande medida, pelas suas trajetórias escolares e formativas.

Figura 4 — Tipologia dos M odelos Educativos

Segregação

Pode afirmar-se que até à década de setenta do século XX se viveu um problema de analfabetismo estrutural. Este período é caracterizado por políticas educativas fundadas num modelo que impunha a segregação e se caracterizava pela exclusão dos alunos com deficiência do sistema regular de ensino. A expressão desta segregação encontra-se ilustrada, por exemplo, na Lei nº 1:969, de 20 de maio de 1938. Neste dispositivo legal, que contemplou as novas bases da reforma do ensino primário, pode ler-se que o ensino primário passa a compreender dois graus, mas apenas para os alunos que apresentassem a condição “física e mentalmente sãos”.

A política de exclusão estende-se pelo Estado Novo como se observa na redação da Lei nº 38 969, de 27 de outubro de 1952, que isenta da frequência escolar os menores “incapazes por doença ou por

Segregação Segregação mitigada emergente Integração Integração

Inclusão imperfeita

defeito orgânico ou mental”, oferecendo, em alternativa, a possibilidade de frequência de classes especiais para “doentes” ou “anormais” desde que existissem a menos de três quilómetros.

Quando existiam recursos, a educação destes indivíduos ficava a cargo das instituições de ensino especial, na sua maioria constituídas por organizações que emergiram da sociedade civil para colmatar a ausência de respostas do sistema educativo. São disso exemplo a criação de classes especiais para crianças diminuídas mentais, no âmbito da iniciativa de grupos organizados de pais, que se foram multiplicando pelo país.

Mas este modelo ideológico de segregação também se alicerça na seleção assimétrica de ofertas de acordo com o género. Em 1956106, foi estabelecido o alargamento da escolaridade obrigatória de três para quatro anos apenas aos alunos do sexo masculino, sendo necessário esperar quatro anos para que, em 1960107, este alargamento fosse estendido às crianças do sexo feminino. Em 1964108, uma nova reforma aumenta a escolaridade obrigatória para seis anos. É a partir dos finais dos anos sessenta, do século XX, que se assiste em Portugal, na opinião de Alves e Canário (2004), a uma tímida transição da escola elitista para uma escola de massas.