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O INTRAG procurou responder aos reptos lançados anteriormente procurando diagnosticar a situação onde foi implementado. No que res- peita às situações portuguesa e brasileira que, como já vimos, partilham algumas características, mas atravessaram conjunturas socioeconómicas muito diferentes, a situação tende a diferenciar-se, desde logo, pela maior disponibilização de dados regionais no Brasil. Há, no entanto, que ter em conta a dimensão do país que, certamente, impele o Brasil a regiona- lizar a informação para além das naturais diferenças impostas pelas bacias hidrográficas. Em Portugal, como já foi referido, a recentralização ocor- rida nos últimos anos impôs uma leitura quasi nacional dos dados, per- mitindo apenas distinguir as duas regiões autónomas atlânticas: Região Autónoma da Madeira e Região Autónoma dos Açores.

Mas vejamos, para já, os resultados por dimensão e por país. De acordo com a figura 1.3, Portugal distingue-se pela positiva, sobretudo, no que diz respeito à «transparência nos processos de planeamento» e, ainda que um pouco menos neste último caso, nas «relações com o público e as partes interessadas». Não fossem as alterações na gestão da água referidas e a posição portuguesa surgiria certamente mais favorecida. Tanto mais que os resultados de todas as outras dimensões (onde o desempenho por- tuguês surge menos conseguido) parecem decorrer, pelo menos em parte, das dificuldades de disponibilização de informação de órgãos de gestão em mudança ou, pior ainda, em extinção. Dificuldades que se impõem na transparência de processos e procedimentos quer na gestão e usos da água e dos recursos hídricos, quer nos contratos e licitações, quer na dis- ponibilização de informação contabilística e orçamental ou financeira.

Globalmente, portanto, o Índice de Transparência dos Recursos Hídricos em Portugal ficou-se pelos 29%, enquanto no Brasil o resultado final foi de 30%.

Relativamente à falta de informação disponível nas áreas económica e financeira que é notória em ambos os países, parte da explicação pode residir no facto de, em geral, quer no Brasil, quer em Portugal, as obras hídricas serem responsabilidade de outros sectores da administração pú- blica (e. g., energia, saneamento, agricultura, obras públicas...). Seja como for, tais resultados evidenciam a fragilidade do sistema de gestão dos re- cursos hídricos e a sua fraca influência sobre a tomada de decisão, num sistema onde infraestruturas e recursos financeiros tendem a estar fora do alcance dos órgãos de administração hídrica (Empinotti et al. 2014).

Por outro lado, se em Portugal assistimos à recente recentralização de serviços com as consequências já apontadas na transparência destes pro- cessos, a estratégia de gestão atualmente em debate (Plano Estratégico de Abastecimento de Água e Saneamento de Águas Residuais – PENSAAR 2020) parece reforçar essa centralização, agora com a introdução de uma estratégia simultânea de verticalização (fusão dos sistemas em alta com os sistemas em baixa) e horizontalização (fusão dentro dos próprios sis- temas). A ideia é reduzir custos de gestão e o número de entidades ges- toras e, com isso, ganhar, alegadamente, escala e eficácia.

No caso brasileiro, apesar do arcabouço legal e da institucionalização dos espaços de negociação participativos e descentralizados aduzidos pela Lei n.o9433, a tomada de decisão referente aos investimentos e re-

cursos financeiros permanece ainda largamente dependente de sectores historicamente responsáveis pela administração centralizada dos recursos hídricos a que acresce o movimento inverso de descentralização, mas

Figura 1.3 – Comparação de resultados entre países por áreas de transparência Portugal Brasil Transparência nos processos de planeamento Transparência nos contratos e licitações Transparência económica e financeira Transparência na gestão e usos da água Informação sobre os organismos de gestão Relações com o público e as partes interessadas

Sustentabilidade, transparência e recursos hídricos em Portugal e no Brasil

igualmente inibidor de transparência. É o caso da prestação dos serviços de água e esgotos que vem sendo realizada de forma direta pelos estados e pelos municípios, seja através de departamentos com competências es- pecíficas, seja por empresas estaduais (i. e., CESB – Companhias Esta- duais de Saneamento Básico), ou municipais (i. e., SAAE - Serviços Au- tónomos de Água e Esgotos), seja, ainda e crescentemente, por empresas privadas. Aliás, segundo a ONG Trata Brasil, a expansão nos últimos cinco anos de concessionárias privadas representa já 5% do negócio (Valor Económico 2013).

Figura 1.4 – INTRAG 2014 em Portugal e no Brasil (regionalizado)

Brasil – INTRAG 2014 = 30% Portugal INTRAG 2014 = 29%* 1. Minas Gerais 65% 2. São Paulo 58% 3. Espírito Santo 57% 4. Sergipe 52% 5. Ceará 49% 6. Paraíba 43% 7. Pernambuco 40% 8. Santa Catarina 38% 9. Distrito Federal 37% 10. Bahia 35% 11. Mato Grosso 34% 12. Rio de Janeiro 32% 13. Rio Grande do Norte 31% 14. Tocantins 28%

15. Pará 26% 16. Paraná 26% 17. Mato Grosso do Sul 25% 18. Goiás 25% 19. Rio Grande do Sul 22% 20. Acre 20% 21. Roraima 15% 22. Rondónia 15% 23. Alagoas 15% 24. Maranhão 12% 25. Amapá 6% 26. Piauí 5% 27. Amazonas 2%

*O total nacional foi conse- guido tendo em conta as anti- gas 5 ARH do continente, pelo que o seu valor foi pon- derado com 5. A fórmula de cálculo do índice é assim:

5*Continente + Açores + Madeira 7

1. Continente 31% 2. R. A. Açores 28% 3. R. A. Madeira 17%

Assim, no Brasil como em Portugal, para identificar e acompanhar os gastos financeiros relacionados com os recursos hídricos, seria necessário estender a análise a outros órgãos da administração pública nacional e, particularmente no caso brasileiro, também estadual. Estamos em crer, no entanto, que os baixos valores de transparência alcançados refletem, antes de mais, as dificuldades de implantação dos imperativos legais para a disponibilização de informação, numa prática de prestação de contas que globalmente se mostra ainda incapaz de dar resposta às necessidades de abertura e partilha proclamadas na lei e, sobretudo, nos discursos. Com efeito, tendo em conta que o valor máximo de transparência cor- responderia a 100%, os valores médios de 30% para o Brasil e 29% para Portugal testemunham exatamente as dificuldades sentidas quer na dis- ponibilização e utilização de informação sobre a gestão dos recursos hí- dricos nos dois países, quer igualmente na sua recolha e análise (no caso do Brasil, apenas seis estados e o distrito federal validaram os dados re- colhidos para a construção do índice).

A verdade, no entanto, de acordo com a figura 1.4, é que as diferenças intranacionais são de monta e, no caso de Portugal e do Brasil, parecem bem mais evidentes do que as ocorridas entre os dois países. No Brasil os valores variam entre os 2% do Amazonas com a menor transparência e os 65% de Minas Gerais. Em Portugal o desequilíbrio é menor mas, ainda assim, a Região Autónoma da Madeira, com 17% de INTRAG, fica-se por quase metade do valor atingido pelo Continente português (31%). Diferenças regionais que certamente se mostrariam ainda mais ex- pressivas se as cinco antigas ARH do Continente não tivessem sido ex- tintas e, com elas, se mantivessem as condições de análise regional.