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No caso do Brasil, as práticas participativas e a descentralização dos processos de tomada de decisão foram definidas pela Constituição de 1988, após o retorno ao regime democrático no país. No âmbito am- biental, a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), promulgada em 1997, com a Lei Nacional n.º 9433/97, tornou-se um exemplo dos novos arranjos institucionais que criaram condições para a implantação dos princípios proclamados pela Agenda 21. Mais precisamente foi atra- vés do seu Artigo 10 que, à semelhança da Convenção de Aarhus, se sa- lientou a importância da participação, do acesso à informação e à justiça nos processos de tomada de decisão (CNUAD 1992). Apesar disso, os mecanismos criados para promover espaços comunicativos democráti- cos, que procuram facilitar uma participação cidadã mais qualificada, têm vindo a inserir-se numa perspetiva de governança que se confronta com o facto de os problemas ambientais persistirem à margem da agenda pública. Isto tem vindo a gerar uma situação que, apesar dos avanços na descentralização das políticas ambientais, implica um inegável descom- passo na implementação da gestão ambiental que multiplica passivos ambientais, parcamente desafiados, apesar das demandas da sociedade, pelos gestores públicos (Jacobi 2005, 135-136).

Ainda assim, as diretrizes e os princípios que passaram a reger o novo sistema de gestão das águas, instituído pela referida lei, refletiram uma mudança profunda relativamente ao modelo anterior. Segundo Jacobi (2009), nesse momento crucial de inflexão, observou-se a substituição de

uma gestão institucionalmente fragmentada, composta por práticas his- tóricas de planeamento tecnocrático e autoritário, por uma gestão ba- seada na tríade integração, descentralização e participação, sendo a bacia hidrográfica considerada a unidade regional de planeamento e gestão das águas. Estamos, portanto, perante uma mudança significativa na forma como se processa o manejo dos recursos hídricos, sendo que a nova ló- gica orientada pela gestão colegiada e integrada procura garantir uma ca- pacidade efetiva de arbitragem de conflitos e de ajustamento de interes- ses, considerando o debate e os acordos sociotécnicos (Fracalanza, Jacob e Eça 2013).

A Lei das Águas (Lei Nacional n.º 9433/97) é um bom exemplo de transição de um modelo centralizado de tomada de decisão, baseado em práticas de comando e controlo onde o Estado definia e fiscalizava a implementação da gestão dos recursos naturais, para um modelo baseado na descentralização da tomada de decisão e na construção de consensos como forma de negociação. No Brasil as instâncias partici- pativas são os Comitês de Bacia Hidrográfica e os Conselhos de Recur- sos Hídricos estaduais e nacionais, nos quais se estabelecem processos de negociação entre os diversos agentes públicos, usuários e sociedade civil organizada (Jacobi 2009; Ribeiro 2009). Incluem-se como matéria de deliberação, para além dos investimentos, ações voltadas para o for- talecimento do sistema de gestão da água, para a implantação de siste- mas de informações, para as redes de monitorização para as instituições de gestão.

O sistema considera a qualidade e a quantidade da água, por meio de ações que promovam o uso múltiplo dos recursos hídricos. A política participativa caracteriza-se por ser um processo decisório aberto aos di- ferentes atores sociais vinculados ao uso da água, dentro de um contexto mais abrangente de revisão das atribuições do Estado. Fortalece-se, assim, a gestão descentralizada de cada bacia hidrográfica pelas respetivas orga- nizações (consórcios, comités, subcomités e agências), e institui-se a co- brança pelo uso do recurso como um dos principais instrumentos de atuação destes órgãos. Atualmente existem mais de cento e oitenta Co- mités Estaduais, sete Comités Federais e quarenta e dois Consórcios In- termunicipais.

Ainda assim e tal como referido para o caso português, os complexos e desiguais avanços na gestão dos recursos hídricos no Brasil revelam que estas engenharias institucionais, baseadas na criação de condições efetivas para multiplicar experiências de gestão participativa, ainda encontram resistência nas antigas instituições e estruturas de gestão. Neste sentido,

Sustentabilidade, transparência e recursos hídricos em Portugal e no Brasil cabe reforçar a necessidade de se promover a superação das assimetrias de informação buscando-se a afirmação de uma nova cultura de direitos. Nesse arranjo institucional, a negociação tem como objetivo a obtenção do consenso por meio de discussões que definem as resoluções para a implementação da política de recursos hídricos.

O processo de gestão em bacias hidrográficas, enquadrado no novo sistema mais aberto e participado, ainda é, afinal, embrionário, sendo prioridade dos organismos de bacia a implementação dos instrumentos necessários para a sua gestão. De qualquer modo, as mudanças em curso representam uma possibilidade efetiva de transformação da lógica de ges- tão da administração pública nos estados e municípios, abrindo uma in- terlocução mais complexa e ampliando o grau de responsabilidade de segmentos que sempre tiveram participação assimétrica na gestão da coisa pública (Fracalanza e Jacobi 2005).

Ao mesmo tempo, com a criação do novo arranjo institucional a par tir da Lei n.º 9433, surgiram demandas e oportunidades para que o exer- cício da transparência estivesse presente no processo de tomada de deci- são. Nesse contexto, a transparência torna-se chave nos vários momentos como na disponibilização dos dados que embasam os instrumentos de gestão, na disponibilidade das etapas e dos documentos originados du- rante o processo decisório tanto em colegiados de bacia como nos órgãos de Estado e, finalmente, na divulgação e aprovação final dos projetos e regras que orientam a gestão dos recursos hídricos no país.