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Atualmente assistimos a um interessante movimento musical aconte- cendo na cidade de Paris, no qual o samba ocupa um lugar importante, principalmente pela grande quantidade de grupos musicais atuando na cena cultural da cidade que são formados por músicos brasileiros, mas sobretudo, por músicos franceses.

Essa novidade na cena cultural francesa, que acontece com mais ênfase em Paris, possui características que nos permitem afirmar que existe um

interessante movimento musical no qual o samba desempenha um papel fundamental, a ponto de podermos dizer que atualmente está aconte- cendo uma «nova onda do samba» em Paris, nos moldes do que aconte- cia nas primeiras décadas do século XX.

Sem dúvida, esse movimento começa alguns anos antes, durante a dé- cada de 1990, com o fenómeno conhecido em França pelo nome de «ba- tucadas». Esse fenómeno se constitui a partir de grupos e associações for- madas em grande parte por franceses e brasileiros que se juntam para tocar tambores e outros instrumentos de percussão, tendo como referên- cia as escolas de samba e os grupos de percussão tradicional do Brasil – como o maracatu, por exemplo – e que se apresentam principalmente em lugares públicos como ruas, praças e parques. Esse fenómeno tem se difundido com muito vigor por diversos outros países da Europa tam- bém.

O fenómeno das batucadas se popularizou por toda a França e é atual- mente um movimento muito conhecido e admirado pelo público francês, atraindo um grande número de pessoas a cada apresentação. Essas per- formances acontecem principalmente durante o verão, em datas come- morativas, festivais de música, desfiles, paradas, ou simplesmente em apre- sentações públicas feitas aleatoriamente. Uma grande parte dos músicos franceses que atuam nos grupos de samba no país tiveram a sua primeira aproximação com a cultura e a música brasileira através das batucadas.

Em França existem hoje numerosos grupos e artistas que buscam uma identificação com a forma tradicional de tocar o samba, seja pela escolha dos instrumentos utilizados (violão de 6 e 7 cordas, cavaquinho, surdo, pandeiro, tamborim, repique, agogô, ganzá, etc.), seja pelo repertório das canções que são cantadas no idioma português, seja pela proximidade com o público em razão de boa parte dos concertos de samba serem or- ganizados em círculo, onde o público se posiciona em volta dos músicos, que geralmente tocam sentados em volta de uma mesa. Esse formato re- mete à forma tradicional de tocar o samba no Brasil, conhecida como «roda de samba».

Na cidade de Paris, onde a pesquisa que deu origem a esse artigo foi realizada, existem numerosos grupos de samba, formados por músicos brasileiros e franceses, e outros grupos ainda, formados exclusivamente por músicos franceses. Podemos nomear alguns desses grupos que estão frequentemente presentes na programação musical na cidade: Roda do Cavaco, Zabumba, Mistura Fina, Le Club Democráticos, Les Meninas, Esquina do Samba, Les Bécots de Lapa, Samba de Rosa, Dudu d’Aqua- rela, Pedrão & Os Metropolitanos. Entre artistas franceses que têm inte-

A cultura do samba brasileiro em Paris grado o samba aos seus repertórios, podemos citar: Aurèlie et Verioca, Lanna, Valèrie Marienval, Chloé Deyne, Nicolas Son, Seu Teteu, entre outros.

Durante a pesquisa, tive oportunidade de me aproximar de diversos grupos musicais e artistas franceses que têm no samba o seu principal meio de pesquisa e expressão artística. Na qualidade de músico, perten- cente ao universo do samba, pude vivenciar interessantes trocas culturais e musicais com esses sujeitos. Fui a diversos concertos, ensaios, participei em eventos, dividindo o palco e experiências musicais com boa parte desses artistas. Além disso, realizei também um vídeo-documentário in- titulado Samba Lumière, que dialoga com essa temática a partir de regis- tros de concertos e ensaios desses grupos e de depoimentos de pessoas ligadas a esse universo musical.

Nos depoimentos colhidos entre esses sujeitos, constatei que muitos dos músicos franceses que tocam e cantam o samba vão frequentemente ao Brasil para fazerem estágios nos grupos e escolas de samba, para aprender um pouco melhor a língua portuguesa, para se aproximar um pouco mais da cultura brasileira e aprender seus códigos, fator essencial para compreender melhor as sutilezas do samba.

Pude constatar também, nessa pesquisa, que os concertos de samba em Paris recebem um público diverso, formado por brasileiros, franceses, sul-americanos, africanos, europeus, árabes, asiáticos, que representam a diversidade étnica e cultural existente na cidade. O samba tem a capaci- dade de reunir uma» tribo», como diria Michel Maffesolli (1988), uma diversidade de pessoas e culturas que interagem num momento de cele- bração coletiva, no qual a proximidade e o afeto entre as pessoas, a pos- sibilidade de dançar e cantar juntos, de compartilhar um momento de felicidade e liberdade, produz um sentimento de pertencer a uma verda- deira «comunidade», no seu sentido mais profundo (Bauman, 2001).

A motivação principal do público, segundo depoimentos colhidos entre os frequentadores dos concertos de samba, é justamente o seguinte: fazer parte da comunidade de pessoas que se reúnem em torno das «rodas de samba», onde as relações humanas são mais próximas. O samba, de uma forma geral, permite às pessoas a possibilidade de descobrirem uma nova forma de interação social através da música, da dança, da festa. O samba permite uma maior abertura, proximidade e espontaneidade no seio das relações humanas, características frequentemente atribuídas ao povo brasileiro. «É o sol em Paris», alguns dizem.

Os músicos franceses que se apaixonam pelo samba e buscam apren- der os códigos do samba e o público que participa desses concertos for-

mam uma comunidade em torno da música e da cultura brasileira e afir- mam, através das entrevistas realizadas em função dessa pesquisa, que o samba é responsável por importantes mudanças em suas vidas. Afirmam que o samba permite novas descobertas sobre eles mesmos e suas relações com os outros, experimentando novas formas de se relacionar, mais pró- ximas e solidárias. «É como viver no Brasil», dizem outros.

Talvez seja essa uma das causas que expliquem a admiração e a fasci- nação que o povo francês cultiva pelo Brasil. Talvez seja essa, também, a razão pela qual o samba brasileiro ocupa, atualmente, esse lugar na cena cultural parisiense, como fora em outros momentos ao longo do século XX. A nova «onda do samba em Paris» parece possuir características ainda difíceis de compreender do ponto de vista sociológico, mas sem sombra de dúvida expressa um sentimento muito claro do público fran- cês em relação à cultura brasileira

O samba representa esse elo de ligação entre essas duas culturas, mais do que qualquer outra manifestação cultural que possamos destacar. Porém, o facto é que a relação entre Brasil e França possui características que revelam uma profundidade e uma intensidade que precisam ainda ser melhor compreendidas no âmbito das trocas culturais entre os dois lados do Atlântico.

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