• Nenhum resultado encontrado

O comprometimento da disponibilidade e da qualidade dos recursos hídricos pode ser encontrado até mesmo em regiões marcadas por uma hidrologia favorável e independente. Situado em uma região de planalto, o território escolhido para ser ocupado pelo Distrito Federal (DF) e pela Capital da Federação, Brasília, conta com as duas características. A alta disponibilidade hídrica e a qualidade dos cursos de água haviam sido identificadas pela primeira missão demarcadora territorial do DF, ocorrida no final do século XIX. Dos relatos da missão constou também que a futura Brasília teria independência hídrica, contando com a presença de numerosas nascentes e rios de pequeno porte e com a inexistência de cursos de água que adentrassem o território (SILVEIRA, 1999). Os rios brasilienses vertem para três grandes bacias hidrográficas nacionais: a do Tocantins/Araguaia, a do São Francisco e a do Paraná.

A partir do início dos trabalhos de preparação do território para a transferência da Capital, na segunda metade dos anos 1950, a cobertura primitiva do solo do DF começou a ser convertida. Para GOLDER-FAHMA (2006), as características de relevo, com uma grande disponibilidade de áreas planas em chapadas suaves, haviam condicionado a dinâmica de uso e ocupação do solo, atraindo assentamentos urbanos e permitindo a implantação de glebas de agricultura. Não existiam, assim, em Brasília, relevantes benfeitorias urbanas ou rurais nas margens dos rios, muitos dos quais estavam cavados em entalhes nas chapadas.

A conversão do solo nativo para uso urbano e agrícola contribuíra para o desenvolvimento econômico e social da Capital, mas também afetara a qualidade e a disponibilidade da água exigindo a tomada de ação pelo Poder Público e pela sociedade. Conforme apresentou Silveira (1999), a questão da disponibilidade hídrica foi um fator preponderante em várias ações governamentais, como a preservação da bacia do rio Paranoá e a adoção de planos de urbanização que tinham por meta garantir a auto- sustentabilidade em termos de abastecimento de água potável para a população residente.

Similar ao modelo francês de gestão descentralizada por bacia, a política distrital da água começou a ser estruturada por um instrumento legal em 1993, ganhando impulso e modernidade em 2001, após a publicação de uma nova lei alinhada com a política nacional, estabelecida em 1997. Em fins do ano de 2010, a gestão da atual política distrital estava descentralizada, conforme havia sido previsto na Lei de 2001. A responsabilidade pela gestão era compartilhada entre órgãos governamentais e instâncias colegiadas formadas por representantes do Poder Público, dos usuários da água e das associações civis.

O presente capítulo teve como objeto de estudo a gestão da atual política da água no Distrito Federal. No capítulo, foi adotado como objetivo “caracterizar, mediante o emprego de princípios e de um conjunto temático de indicadores de sustentabilidade, o estágio da gestão a partir da realização de análise comparativa entre crenças expressas por gestores, em entrevistas individuais presenciais, e dados acessíveis, públicos e gratuitos”. A hipótese específica adotada neste capítulo foi a de que “a gestão está em um estágio caracterizado por uma coerência parcial de crenças sobre a sustentabilidade ambiental”.

No sentido de alcançar o objetivo pretendido, o objeto foi estudado a partir de entrevistas individuais presenciais nas quais se buscou identificar crenças expressas por indivíduos representantes de atores institucionais responsáveis pela gestão. Os entrevistados foram amostrados a partir do universo de indivíduos legalmente responsáveis pela gestão. As crenças foram detalhadas quanto ao valor, ao impacto sobre a sustentabilidade, em parte ou em todo o território do DF, e ao cenário futuro considerado mais provável. Os valores das crenças expressas foram, por fim, comparados a estimativas obtidas a partir de fontes de dados disponíveis pública e gratuitamente.

4.1.1 Procedimentos metodológicos

Os procedimentos metodológicos utilizados para desenvolver o estudo descrito no presente capítulo, e para testar a hipótese específica, acompanharam um plano de pesquisa integrado por cinco etapas. Durante a primeira delas foi estabelecido o universo dos indivíduos representantes dos atores institucionais responsáveis pela gestão da atual política distrital da água. O estabelecimento foi conduzido a partir de consultas a documentos legais disponíveis em jornais oficiais e sites na Internet dos atores. O resultado da etapa foi uma lista contendo nomes, vinculações profissionais e contatos de representantes e atores representados.

A segunda etapa teve como objetivo definir uma amostra representativa de indivíduos a serem entrevistados, para fins de análise da gestão. Foi necessário, a partir de entrevistas com especialistas e consultas à literatura, definir critérios de ordem técnica e prática para selecionar os integrantes da amostra. Tendo como ponto de partida a lista estabelecida na etapa anterior, foram aplicados os critérios e definida a amostra.

A terceira etapa tratou da identificação, durante a realização das entrevistas individuais, das crenças dos indivíduos sobre valores dos indicadores de sustentabilidade aplicáveis ao caso em estudo. As entrevistas foram conduzidas com o suporte de um questionário-guia. As crenças foram detalhadas quanto aos impactos identificáveis sobre os pilares social, ambiental e econômico do desenvolvimento sustentável. Foi também

investigada a abrangência geográfica dos valores, que poderiam ser localmente restritos ou cobrir todo o território distrital. Por fim, aos entrevistados foi solicitado descrever o cenário futuro julgado como mais provável para cada indicador. O resultado da etapa foi um banco de dados contemplando valores e detalhes das crenças dos indivíduos para os indicadores que haviam sido considerados.

A quarta etapa tratou da identificação de dados úteis para estimar valores dos indicadores. A identificação foi feita por pesquisa em documentos, dados e sistemas de informações disponíveis pública e gratuitamente. Foram privilegiados, na etapa, dados publicados por entidades de pesquisa, órgãos e empresas de governo e trabalhos acadêmicos fundamentados em trabalhos de campo. Essa etapa permitiu uma realizar um estudo comparativo entre os valores dos indicadores expressos nas entrevistas e os provenientes das estimativas.

Na quinta e última etapa, foi realizada uma análise da gestão, abordando, em particular, os limites de ação dos gestores e a necessidade da integração entre a política da água e outras políticas. As necessidades de ampliação de limites de gestão e da integração foram apreciadas a partir da consideração do uso do recurso segundo princípios de desenvolvimento sustentável.