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JORNALISMO ESPORTIVO COMO ELO DO MUNDO DO ESTÁDIO COM A SOCIEDADE

2 O JORNALISMO AUTORIZADO A INTERPRETAR A TORCIDA

2.1 JORNALISMO ESPORTIVO COMO ELO DO MUNDO DO ESTÁDIO COM A SOCIEDADE

O setor da sociedade autorizado a produzir narrativas sobre esta torcida, fazendo o pêndulo entre o mundo “real” da vida e o “paralelo” dos estádios, é o jornalismo esportivo. Esta especialização da imprensa na Bahia foi se transformando à medida em que se diferenciava, graças à importância que passou a obter junto à comunidade, a partir do início do século passado. O futebol impulsionou a prática do esporte coletivo, até então limitado ao prazer de grupos isolados, adeptos de modalidades como o turfe, o cricket e a regata. Este jornalismo logo tornou-se atrelado à demanda de informações por parte das grandes massas de torcedores, tornando-se uma manifestação cultural de forte impacto na sociedade baiana.

Na Bahia, como em outros estados, embora tenha se iniciado no ambiente da burguesia, o futebol, ou o esporte bretão, por ser originário da Grã-Bretanha, rapidamente, conquistou as multidões (SANTOS, 1981). Logo, segundo Sussekind (1996), tornou-se fonte de inspiração para o surgimento de jornais e revistas de uma imprensa especializada, capaz de cativar leitores cada vez mais ávidos por conhecer, repercutir e ressaltar o desempenho dos jogadores de seus times preferidos. O número de publicações esportivas no País aumentou de

5 em 1912 para 58 em 1930, um crescimento de 1.060%, o maior registrado entre todos os itens de jornalismo especializado (SUSSEKIND, 1996)

Antes da chegada do futebol ao Brasil, no século XIX, são eventuais as referências nos jornais da época sobre a realização de jogos ou competições ou mesmo encontros entre pessoas para prática de alguma modalidade. O esporte, de um modo geral, sofria críticas das camadas mais intelectuais da sociedade e os desportistas eram até ridicularizados. A cavalhada, esporte medieval herdado de Portugal, e a regata, praticada pelos jovens abastados, em busca da sonhada eugenia, ou a “melhoria da raça”, recebiam atenção.

Nenhum espaço se verificava para o ainda exótico futebol, mesmo porque provavelmente era praticado de forma precária e esporádica, nas praias, por jesuítas, operários ingleses e marinheiros de navios estrangeiros que desembarcavam em Salvador, por pouco tempo, trazendo bolas de futebol, que logo eram recolhidas a bordo. As bolas permaneciam em solo brasileiro só o tempo suficiente para ajudar a difundir o conhecimento sobre o novo esporte (CADENA, 2001)

O que mais se aproximava da noção de esporte e tinha espaço nos jornais eram jogos de salão e passatempos que a juventude preferia, a exemplo da cabra-cega e do chicotinho- queimado, entre outros jogos10. Ao surgir, o futebol apresenta um caráter altamente inovador, embora conflituoso, em um contexto marcado pela difusão de valores e princípios que caracterizam a chamada era moderna: “uma atividade destinada a redimir e modernizar o corpo pelo exercício físico e pela competição, dando-lhe a higidez necessária a sua sobrevivência num admirável mundo novo – esse universo governado pelo mercado, pelo individualismo e pela industrialização”. (DaMATA,1994, p. 41)

Este novo esporte do mundo moderno ajudou a constituir o jornalismo esportivo que, em contrapartida, por meio das notícias, influenciou na formação do perfil e no alcance das diversas modalidades. A notícia do surgimento do futebol na Bahia se realizou com a chegada das bolas de couro trazidas da Europa em 28 de outubro de 1901, pelo jovem José Ferreira Júnior, conhecido por Zuza, que fôra enviado para a Inglaterra pelos pais, por causa da dificuldade de adequar seu comportamento ao que a família burguesa considerava uma “educação decente”11

. Foi este zelo extremado de pais conservadores e decididos a controlar o jeito expansivo de um jovem rebelde que acabou criando o futebol na Bahia e,

10 Acervo família Catharino 11

Informações prestadas pelo bisneto de Zuza, Bayma Ferreira, em depoimento ao jornalista esportivo Paulo César Lafene, documentário 100 anos de futebol na Bahia, Programa TV Revista, exibido pela TV Bahia no dia 28 de outubro de 2001. Disponível no Centro de Documentação (Cedoc) da TV Bahia, em Salvador.

consequentemente, gerando as primeiras notícias de jornal, embrião do que hoje se denomina imprensa esportiva.

Zuza trouxe o livro de regras do futebol, a bola de couro, a bomba e a agulha de encher aquela ferramenta tão inovadora quanto atraente e que reunia os rapazes para os primeiros babas no então Campo dos Martyres, local onde a Coroa Portuguesa executava revoltosos para dar exemplo a quem se insurgisse contra Lisboa. Depois, o local passou a ser conhecido como Campo da Pólvora, denominação atual da praça que foi adaptada para funcionar como uma das estações do futuro metrô de Salvador.

As bolas eram raríssimas e, fora dos locais onde a alta sociedade praticava o futebol junto aos ingleses e seus descendentes, os jornalistas da época não identificavam como notícia de destaque o encontro de pessoas comuns que saíam correndo atrás de uma bexiga de boi costurada ou uma bola improvisada de pano.

Os jornalistas da virada do século XIX para o XX davam ao recente noticiário esportivo um tom inusitado que caracteriza o gênero jornalístico chamado fait-divers (LAGE, 1987). As notas esportivas apareciam misturadas ao noticiário geral, tornando o aparecimento tardio da crônica dedicada ao esporte um indício para este setor ser considerado um „desvio‟ do jornalismo convencional, estigma que foi decisivo para fazer do jornalismo esportivo um setor periférico e revelador de talentos para outras áreas mais valorizadas, como economia, política e cidade (FONSÊCA, 1987 e LEANDRO, 2003).

Segundo Alcoba (1993) e Fonsêca (1987), o futebol era tido como atividade pouco sociável e compatível com o perfil de homens rudes e de pouca instrução. Além do gênero fait-divers, os textos das notícias carregavam no tom do que se convencionou chamar hoje „coluna social‟, destacando grandes feitos dos rapazes da burguesia local ou da numerosa colônia inglesa que, à época, habitava Salvador.

2.2 O FUTEBOL IMPULSIONA O JORNALISMO ESPORTIVO: O EMBRIÃO DO