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LOCAIS PREFERIDOS E LOCAIS TEMIDOS NOS ESTÁDIOS

3 A AUTO-IMAGEM DOS TORCEDORES REPLICANTES

3.5 LOCAIS PREFERIDOS E LOCAIS TEMIDOS NOS ESTÁDIOS

O lugar é outro aspecto da auto-imagem: os torcedores encontram-se em locais pré- estabelecidos para partilhar as emoções do jogo. Cada torcedor ocupa um determinado espaço dentro de um setor. A torcida é este quadro preenchido, conforme as sensações de topofilia (BALE apud GIULIANOTTI, 2000), quando o torcedor está acostumado e sente-se em ambiente familiar no estádio onde a partida acontece, e de topofobia, geralmente quando o

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O sorriso deste Bahia. Tribuna da Bahia, Salvador, 1 ago. 1972.

89 OUTRO empate no Ba-Vi. Tribuna da Bahia, Salvador, 8 set. 1975. 90

jogo acontece no estádio do rival. Em um exemplo extremo de topofilia, os torcedores chegam cedo ao estádio da Fonte Nova, e vão humanizando a paisagem da arquibancada à medida em que preenchem os espaços vazios:

Desde as primeiras horas da tarde que o colosso da Ladeira da Fonte das Pedras começou a se engalanar recebendo os esportistas madrugadores. Aos poucos aquela escadaria de cimento tingida de barro vermelho foi se transformando numa aquarela multicor[...] Até mesmo os degraus que ainda não foram cobertos de cimento apanharam um bom número de expectadores (ATARDE, 1955)91

O posicionamento da torcida é uma estratégia de ordenamento do espaço físico que produz uma maior sensação de segurança e aconchego, fortalecendo a topofilia. Ficar mais próximo dos companheiros de torcida, em oposição aos adversários, é uma ideia útil, caso ocorra um enfrentamento, e também inspira a afeição daqueles que partilham de sentimentos comuns de amor ao time favorito e ódio extremo ao rival. Assim, ao chegar aos estádios, os torcedores já sabem onde vão se posicionar:

À direita das cabines de rádio concentravam-se os tricolores; à esquerda, os rubro-negros. Charangas, foguetes, balões, bandeirinhas, lenços brancos e o vozerio das massas alegres naquele oceano de cabeças dentro da diáfana beleza da tarde, com um palco de luta num autêntico salão de festas(ATARDE, 1957)92.

Do lado esquerdo das cabines de rádio, como se estivesse pressentindo a vitória, a torcida do Vitória começou a gritar, agitar as bandeiras. Do lado direito, a do Bahia respondeu, certa de que o seu time conseguiria um triunfo consagrador como aquele de quarta-feira passada diante do Leônico(TRIBUNA DA BAHIA, 1980)93.

As cabines de rádio servem de referência, mas há quem chame também de Setor B ou Lado B o local onde costumava posicionar-se a torcida do Bahia na Fonte Nova, seguindo a mesma denominação do Campo da Graça. Como o Bahia foi fundado depois de outros clubes que já tinham aficcionados, como o Vitória, o Ypiranga e o Botafogo, convencionou-se chamar de Lado B o local específico para a presença dos tricolores:

Na Graça, o Bahia enchia o lado B, o Vitória as numeradas. A torcida do Botafogo ficava na sombra, a do Ypiranga lotava a geral, e do Galícia, enchia o lado A. A arquibancada era elitizada, a sombra, da classe média, e a geral era do povão. E ainda havia o ingresso para os automóveis(MENDES JR, 1999, p.160).

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PERANTE 25 mil “fans”. Sucesso do Vitória sobre o tricolor. A Tarde, Salvador, 15 ago. 1955.

92 FESTA das duas maiores torcidas. A Tarde, Salvador, 15 jul. 1957. 93 GOL de Tadeu. Tribuna da Bahia, Salvador, 17 nov. 1980

Assim, a torcida do Bahia habitualmente se posiciona neste setor do estádio: é provável que este comportamento pré-reflexivo resultante da auto-imagem, no aspecto lugar, repita-se no novo estádio em construção para substituir a Fonte Nova, demolida em 27 de agosto de 2010:

Por várias vezes Sima gritou Bahêa e mostrou a sua camisa aos torcedores. A alegria foi tanta que nem se lembrou em ir ao lado B, fazer a torcida do Bahia participar da sua festa. “Sei lá, estava completamente fora de mim, quando vi a bola passando a linha de gol. Nem mesmo me lembrei em dar uma satisfação a minha torcida. Espero que ela me desculpe(TRIBUNA DA BAHIA, 1972)94.

A partida acabou. Uma festa no lado B das cabines de rádio. No lado A, a torcida do Vitória, cabisbaixa, deixa o estádio(TRIBUNA DA BAHIA, 1976)95

Talvez pelo Vitória ter assinalado o gol de abertura nos primeiros minutos, o lado B da Fonte Nova onde fica localizada a sua torcida ficou calada o tempo todo(TRIBUNA DA BAHIA, 1980)96.

Em situações de exceção, o Ba-Vi desloca-se de sua cidade-sede, Salvador, e dos estádios da capital baiana. A realização do clássico é uma atração a mais em amistosos. Feira de Santana, principal cidade do interior baiano, situada a 108 quilômetros de Salvador, é um destes destinos do Ba-Vi fora da capital. A torcida feirense vai ao estádio ver os times de Salvador e as torcidas da capital também se deslocam para Feira: “Dois empates: Fluminense de Feira 3xRemo do Pará 3, Bahia 2xVitória 2 foram registrados ontem à noite, na rodada dupla efetuada no estádio municipal de Feira de Santana”97

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Já a topofobia, ou o pavor de visitar o adversário, passa a registrar menções constantes a partir da utilização do Estádio Manoel Barradas, de propriedade do Vitória, para os jogos do time. Embora inaugurado em 1986, o Barradão vem a ser utilizado com mais frequência a partir de 1991, e se consolida três anos mais tarde, com a inauguração dos refletores para permitir os jogos noturnos. O estádio rompe com a neutralidade do local do Ba-Vi, como ocorria quando o Vitória mandava seus jogos na Fonte Nova, estádio pertencente ao governo do Estado e onde tanto Bahia quanto o clube rubro-negro sediavam suas partidas. Com a sequência de triunfos no Barradão, a topofobia instalou-se entre os torcedores visitantes:

94 FOI assim a festa do Bahia. Tribuna da Bahia, Salvador, 24 abr. 1972. 95

VITÓRIA arranca para o título. Tribuna da Bahia, Salvador, 17 mai. 1976.

96 GOL de Tadeu. Tribuna da Bahia, Salvador, 17 nov. 1980.

“Muita gente acredita em milagre, mas vencer o Vitória por três gols de diferença, dentro do Barradão, nem mesmo o mais otimista dos tricolores acredita”98

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A topofobia tricolor ao Barradão encontra respaldo nos números. No período entre 1991 e 2005, o Bahia visitou o Barradão 29 vezes e perdeu 20 partidas, vencendo apenas três, com seis empates: “o Bahia é o time que mais vezes enfrentou o Vitória no Barradão, é o que mais perdeu, o que mais sofreu gols, o que mais foi goleado, o que mais foi vice do Vitória nos inúmeros títulos conquistados no Barradão”(RIBEIRO e SANTOS, 2006) .

Pela arquitetura do estádio Barradão, o posicionamento dos torcedores não seguiu lógica semelhante a do Campo da Graça e da Fonte Nova. O fato de o Bahia ser visitante, pois o estádio particular pertence ao Vitória, também contribuiu, pois a diretoria do rubro-negro passou a determinar onde a torcida adversária ficaria posicionada, afetando, em parte, a percepção da auto-imagem tricolor no aspecto local, quando o clássico realiza-se no Barradão. Já os torcedores do Vitória sabem onde se encontram e ocupam a maior parte do estádio: “No outro lado das arquibancadas, de frente para as cabines de imprensa, os torcedores do Vitória eram um verdadeiro contraste com os do Bahia”99.

Encontrar os torcedores em determinados locais é tão relevante como auto-imagem que favoreceu estratégias de expansão das torcidas e a consequente superação da assistência. Os fãs do Bahia eram minoria nos primeiros anos do clube, o que levou o presidente Carlos Wildberger a adotar em 1940 uma estratégia para arregimentar adeptos:

Contratou quatro avantajados crioulos no cais do porto e os colocou nas gerais, recomendando toda a disposição para torcerem e “convencerem” a que os demais também torcessem pelo Bahia. Cada um deles recebia 100 mil réis e toda a assistência médica e hospitalar pelas pancadas recebidas nos eventuais problemas, além de muitos drinks. Não há dúvidas que a torcida cresceu bastante(CALMON E CASAES, 1969)

Na transição da assistência para a torcida, as atenções do futebol deslocam-se do campo, onde os jogadores atraíam os olhares dos espectadores, para as arquibancadas, graças às disputas entre os frequentadores de seus clubes de preferência. A cena era diversa e o entusiasmo passa a ser uma referência importante para o frequentador do estádio se reconhecer e reconhecer o adversário: “A nota mais interessante da tarde foi o duello entre os lados A e B, que applaudiam, daquelle sector, auxiliados pelos adeptos de Galícia, Ypiranga e

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VITÓRIA humilha o Bahia. Correio da Bahia, Salvador, 7 abr. 1997

Botafogo, interessados na descollocação do Bahia, as jogadas do rubro-negro; e do lado B, os do Esquadrão de Aço”100

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O local da cidade, fora do estádio, onde os torcedores se encontram, também demarca fisicamente os territórios simbólicos. Os adeptos do Vitória, na gênese deste antagonismo com o Bahia, vão à Pastelaria Colón, enquanto os tricolores preferem a Confeitaria Chile. Ambos os pontos ficam no centro da cidade, mas cada grupo vai para seu local específico. A pequena diferença compõe mais um traço da rivalidade que se vai construindo na formação deste composto binário indivisível. Até hoje, o Bar Colón, cujo proprietário é rubro-negro, mantém esta característica de ponto de encontro de torcedores do Vitória. (SANTOS; RIBEIRO, 2006).

No período da metamorfose da assistência para a torcida, os frequentadores do Campo da Graça, reunidos nos mesmos locais, passam a revelar uma capacidade de vibração num gradiente de variadas intensidades, de comedida a extremada, em vez da apatia anterior: “A assistencia applaude-o”101; “Esse resultado despertou grande enthusiasmo em alguns assistentes”102; “A assistencia applaude-o fortemente”103; “...Os applausos são ensurdecedores [...]”104

O entusiasmo partilhado em um mesmo local onde os torcedores se encontram para celebrar altera o perfil da assistência pacata para a torcida participativa: “Vibravam as duas grandes torcidas com aplausos e apupos, num duelo fora da cancha que servia para completar a beleza da tarde esportiva cem por cento bahiana”105

. A exaltação ao comportamento da torcida remete à ideia de espetáculo nas arquibancadas. O palco desloca-se do campo para o local onde habitam os frequentadores do estádio da Fonte Nova: “Por último, o público. A sua conduta na avalanche do seu entusiasmo, juntou-se na suplementação e no coroamento do magno espetáculo. O verdadeiro delírio que em ondas sucessivas e intermitentes sacodia os torcedores contagiava a todos inclusive aos mais sóbrios” 106

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Em jogos de estádio cheio, a participação do público inspira os jornalistas em crônicas escritas com um lirismo proibitivo aos cânones do jornalismo tradicional. A euforia do torcedor pode ser transmitida para o autor de textos igualmente entusiasmado:

100 VICTORIA, apesar de vencido, soube impor-se pela sua fibra, ardor e combatividade! A Tarde, Salvador. 24

jul 1939.

101POR 9x4 o “Bahia” derrotou o “Victoria”. A Tarde, Salvador. 2 mai. 1938 102

IGUALARAM-SE no placard, Bahia e Vitória. A Tarde, Salvador, 2 jun. 1941.

103ABATENDO o Bahia por 3x0, o Vitória deixou o Guarani em previligiada situação. A Tarde, Salvador, 13

jun. 1946

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