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5 O QUE LEVOU A ASSISTÊNCIA A VIRAR TORCIDA?

5.4 OS LÍDERES DE TORCIDA

A torcida de futebol se institui ainda pela identificação das lideranças de torcedores, pois a assistência não permitia destacar seus integrantes que tinham comportamento muito similar e ordeiro. Estes líderes, citados e valorizados nos textos de jornal, ampliam a rivalidade no cotidiano dos torcedores, por meio da defesa de seus times e da troca de provocações com os adversários. Limitados aos aplausos, os espectadores de futebol na Bahia eram bem-comportados, no início dos anos 1930. No jogo entre “Victoria” e “Antarctida”, “o primeiro dos contendores recebeu palmas, ao entrar no gramado”221.

A participação dos líderes e a sua presença no imaginário do jornalismo esportivo coincidem com uma presença mais ativa dos frequentadores das arquibancadas. O primeiro torcedor representativo de um time, identificado nesta tese, era conhecido como o Barão de Mococoff, e dele resultou a criação de um bloco de Carnaval de muito sucesso até os anos 1980, o Amigos do Barão: “na sahida, o Victoria, precedido de seu maior torcedor, o Barão de Mococoff, percorreu o campo, saudando a assistência [...] Quando Siri bateu o penalty, o barão de Mococof não se conteve e gritou[...]”222

Em vez de um anônimo, o torcedor passa a ter nome e história: o clube está representado nas arquibancadas. Hoje comuns, os balões de assoprar tiveram seu papel neste processo: “Queiroz, no intervalo da preliminar, soltava balões juvenis nas numeradas”.223

O

220 A alma rubro negra contra a fibra do tricolor!. A Tarde, Salvador, 22 jul. 1939

221 COMEÇOU, hontem, a temporada de “foot-ball”. Diário de Notícias, Salvador, 14 abr. 1932. 222

VITÓRIA, apezar de vencido, soube impor-se pela sua fibra, ardor e combatividade! A Tarde, Salvador, 24 jul 1939.

torcedor Queiroz soltava balões no Campo da Graça. Estes torcedores representativos são citados, tanto quanto os jogadores, nas coberturas de clássicos mais empolgantes:

O Dr. Zezito Magalhães veio de avião do interior do Estado, até mais gordo; o Dr. Giovani Guimarães que dizia “estar de férias” quando jogasse o Vitória, lá estava junto ao microfone de Antonio Maria, dando palpites antitricolores; também o eng. Gilvandro Simas compareceu ao campo, sendo muito notada a sua presença pela arquibancada B. O Dr. Eurico Paiva, botou gravata nova, dessas de 800 cruzeiros, com as cores vermelho e preto para atrapalhar... O Luiz Viana já está mais preocupado com o jogo que com a assistência... A torcida do Lado B, diria o Barradas ao Renato Teixeira, em vez de “chiclete”, comeu, ontem, à noite, “pedra humo” em tabletes...224

. (ATARDE, 1946)

Estas referências aos torcedores-representativos, antes inexistentes nas narrativas de jogos, arrastavam consigo traços de bom humor em situações de exagero típicos de ironia e caricatura: “Assim, enquanto o pessoal do decano engordava de alegria, principalmente João Pinto, Barradas, Conde, etc., os dirigentes do tricolor tornavam-se pálidos (exceto, é claro, o prof. Drodoala) e tristonhos, fazendo planos para o terceiro turno...”225

.

Em outra situação extrema, tricolores “aparecem choramingando, quando o Bahia não vence uma partida” e, como resultado, “o Dr. Armandinho emagreceu 12 quilos”. Já, no outro lado,

o Vitória perde, perde, perde e aí estão fabulosamente gordos Luiz Catharino, Jorge Correa Ribeiro, Manuel Tanajura, Paulo Dantas, Renato Teixeira, Manuel Barradas, Dudu Conde, Eurico Paiva, Bras Bartiloti, Heron de Alencar, Toninho Magalhães, Agenor Gordilho Neto [...]226.

Os torcedores representativos, alguns deles conselheiros ou ex-dirigentes, defendem seus clubes e estimulam a rivalidade. O jogo já não se circunscreve nas dependências do estádio; escoa e ecoa para fora dele. Seus efeitos ganham repercussão na fala do torcedor- representativo, sinalizando um momento diferente em relação à era da assistência composta por anônimos. Abram Gardenberg é citado como “torcedor do Bahia”, em meio aos companheiros “Adroaldo Ribeiro Costa, Jaime Abreu e outros ilustres paredros” 227

. Já o “capitalista” Alberto Viana Braga é tido como um “freguês mal-agradecido”, ao repetir a frase “O Bahia não possue adversário”.228

Zezito Ramos, “magnata tricolor”, disse que, “em 21

224 ABATENDO o Bahia por 3x0, o Vitória deixou o Guarani e Ipiranga em privilegiada situação. A Tarde,

Salvador, 13 jun 1946.

225

O Vitória destruiu as aspirações do Bahia. A Tarde, Salvador. 25 out. 1948.

226

SCORE de Três a Três para manter o freguês. A Tarde, Salvador. 12 out. 1953.

227 ELES estão sem esperanças. A Tarde, Salvador. 11 out. 1951. 228 A maior “surra” de 1952! A Tarde, Salvador, 14 jul. 1952

anos, esta é a primeira partida decisiva que o seu clube perde”, agravada a “circunstancia de haver empatado o prélio nos minutos finais para receber um goal esmagador do seu rival”229

. Os torcedores com nome próprio não se encontram só em Salvador, pois os clubes identificam contingentes em todo o Estado, graças ao alcance proporcionado pelo rádio esportivo em franca expansão: “Hontem mesmo a família rubro-negra, dentre outros expressivos telegrammas, recebeu o seguinte de Ilhéus. “Turma do Victoria – Pastelaria Colón – Piedade – Bahia – de Ilhéus. Acompanhamos com o ouvido e o coração o formidável triumpho (c.a.) Armenio, Rebouças, Florindo, Pacheco, Durval e Caldas”...230

Por conta da economia baseada no cacau, Ilhéus tem uma elite de alto poder aquisitivo. A Revista Momento, organizada por membros da Academia dos Rebeldes, da qual fez parte Jorge Amado, publica anúncios publicitários de médicos e advogados. A intriga, componente indispensável da rivalidade, é estimulada.

Cronistas assumidamente torcedores atiçam a rivalidade ao defender pontos de vista polêmicos, como é o caso do autor Gegê, torcedor do Vitória e jornalista do „A Tarde‟. Tornam-se, eles próprios, também representativos dos clubes:

[...] Fiquei impressionado. Na arquibancada B... os torcedores do Bahia, em seguida ao goal do empate, arranjado de sorte, pareciam os S.S. de Hitler, no tempo áureo do nazismo. Batiam os pés no velho soalho, grunhiam como doidos. Levantavam os braços e sacudiam as cabeleiras, os que não eram carecas, pedindo mais um goal231. (ATARDE, 1952)

229

FUTEBOL Soberbo. A Tarde, Salvador. 28 set. 1953.

230 S.C. Victoria, “terror do returno”. Grande triumpho do amadorismo! A Tarde, Salvador, 23 out 1939. 231 O Bahia progrediu pouco. A Tarde, Salvador, 25 jan. 1952.

Figura 18:Aspecto da capa do suplemento esportivo do jornal Bahia Hoje

Na Figura 18, constata-se a apresentação do Campeonato Brasileiro de 1994, com a foto do torcedor-símbolo do Bahia, Lourival da Silva, conhecido por Lourinho, ao lado do “anãozinho tricolor”, como era conhecido o torcedor Evilásio Ferreira da Silva, que morreu atropelado, aos 54 anos, na Avenida Bonocô, quando retornava do Estádio de Pituaçu, onde havia assistido a uma partida do Bahia, pelo Campeonato Brasileiro da Série B, em 2009. Acervo pessoal. Coleção do autor, então editor do suplemento.

Torcedores em condições inusitadas são citados nos textos jornalísticos nas décadas seguintes, após a consolidação da era da torcida em substituição à assistência homogênea e apática: “Até mesmo o anão tricolor esqueceu a rivalidade e, antes da bola rolar, foi abraçar a Irmã Esperança, ferrenha torcedora rubro-negra”232.

O estudo dos torcedores-representativos demonstra o fim da era em que os espectadores não tinham seus nomes nem suas histórias publicadas nos jornais, compondo

232

uma assistência referenciada como uma massa uniforme, para o período de participação, a um só tempo individual e coletiva, no qual se destacam personalidades cujo comportamento serve de referencial para o restante da torcida.