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O TORCEDOR SE DIVERTE COM A TRISTEZA DO RIVAL

3 A AUTO-IMAGEM DOS TORCEDORES REPLICANTES

3.4 O TORCEDOR SE DIVERTE COM A TRISTEZA DO RIVAL

Uma das características que compõem o perfil típico do torcedor é a tendência ao bom humor, utilizado com frequência, por causa das situações divertidas vivenciadas pelos

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VITÓRIA. Tribuna da Bahia, Salvador, 26 abr. 1971.

79 HUGO foi o “rei” rubro-negro. A Tarde, Salvador, 4 dez. 1989. 80 CORAÇÕES guerreiros. Correio, Salvador, 3 mai. 2010.

admiradores dos clubes na arquibancada. O chiste81, como uma reinvenção dos clichês, indica a tendência de cultivar o bom humor como característica da torcida Ba-Vi. O torcedor se identifica pela utilização das figuras de humor, que são imprescindíveis para a construção do ambiente dos estádios: as chamadas “gozações” são comuns entre os adeptos de clubes rivais, antes, durante e depois dos jogos.

A ironia, figura de humor que se caracteriza pelo duplo sentido e uma presunção de dizer algo subjacente à mensagem, deixa no ar um conteúdo inverso ao que aparentemente se pretendeu comunicar:

O Gegê, apesar de sua tradicional aversão ao Bahia merece o respeito de seus torcedores. Ontem, quando terminou o prélio com o Vitória, vários deles o procuraram para apresentarem os seus sentimentos, mas... o festejado cronista havia evaporado como éter [...]82

Ora, os torcedores do Bahia só haviam procurado Gegê, após a partida, porque seu time, o Vitória, havia perdido. Como também o “festejado cronista havia evaporado como éter” para não precisar enfrentar as gozações de seus rivais, os tricolores. A figura de humor da ironia, no entanto, não comunica diretamente a causa do desaparecimento de Gegê; ao contrário, escamoteia esta causa, aparentemente, e requer uma postura mais atenta e inteligente de quem recebe a mensagem para tentar decifrá-la.

Ocorrência similar se observa no comentário seguinte:

[...] Quando o Vitória fez o seu único tento, o Dr. Antonio Teixeira, rubro- negro mesmo, tomou fôlego. Até os 4x0 ele estava surdo e mudo. Mas nos 4x1 alegrou-se e virou-se para uns torcedores do Bahia que estavam atrás dele, gritando com uma boca maior que o túnel da Gávea: - Vocês estão com medo? Risos da assistência[...].

Antonio Teixeira não “estava surdo e mudo”, apenas calado, por causa da goleada do Bahia sobre o Vitória, mas sua tentativa de impor algum receio por conta do único gol marcado pelo rubro-negro torna-se motivo de risos e escárnio porque um placar tão dilatado não poderia mesmo ser revertido e não havia, portanto, motivo algum para os tricolores terem medo, como Teixeira perguntou.

Assim, sucedem-se as manifestações de humor, que fazem o torcedor sentir-se como tal, seguindo o fenômeno de auto-imagem: “... Alguns torcedores do Vitória, não podendo

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A larga utilização do chiste na linguagem do ambiente esportivo foi demonstrada no trabalho “Freud e o chiste no jornalismo esportivo impresso baiano. Análise de títulos bem-humorados nas páginas do Jornal da Bahia 1989/1990”. O estudo, desenvolvido pelo autor, na disciplina Humor e Cultura, foi realizado como cumprimento de um dos requisitos para obtenção do grau de mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da Universidade Federal da Bahia (Ufba), em maio de 2002.

justificar a „lavagem‟ com o juiz, tomaram a data de 13 como pretexto. Um adepto do Bahia retrucou: Eh! 13 é só para eles. Para nós hoje é 14”83. Outro chiste de calendário faz referência ao Dia das Viúvas, 29 de junho: “Os tricolores tanto falharam no dia 28, que a festa das Viúvas terminou com um corte geral de cabelo e barba. Duas rolhas foram destampadas com estrondos de “adrianinos”. A primeira garrafa, o distinto capitalista tricolor Alberto Viana Braga ofereceu ao seu colega de fundos bancários e adversário rubro-negro, eng. Alberto Catarino”.84

. Além de perceber-se, conforme o conceito de auto-imagem, os torcedores também se percebem em relação ao outro, como indicam as figuras de humor que são dirigidas, sempre, à torcida rival, para terem seu efeito pleno de apreciar o sofrimento do adversário, efeito evidente do humor aplicado cotidianamente ao contexto da torcida Ba-Vi.

São lembradas com frequência pelos torcedores do Vitória as ofensas dirigidas pelos rivais no período de afirmação do Estádio Barradão, como sede das partidas do time rubro- negro, e que ficava próximo ao aterro sanitário de Salvador, hoje desativado e substituído por uma usina de reciclagem de lixo: “Os torcedores do Bahia caminhavam animados aproveitando para fazer uma brincadeira bem tocante usando máscaras de proteção ao odor dos arredores”.85

Neste mesmo período, ficou também na memória de grande parte dos torcedores, uma ironia dirigida pela torcida do Vitória ao então presidente do Bahia, Francisco Pernet, a quem os rubro-negros imploravam pela permanência, enquanto a torcida rival exigia a saída. Ora, gritar para o dirigente rival permanecer é uma sutil e refinada maneira de comunicar que se quer manter a situação como está, ou seja, uma ampla vantagem rubro-negra sobre o adversário: “A torcida do Vitória não poupou ironia para deprimir ainda mais o presidente do Bahia Francisco Pernet Netto. Com duas faixas em frente à cabine de imprensa, eles deram o recado: “Fica Pernet! Fica Pernet!”86

A tendência ao humor, e a incorporação deste senso para a diversão, na auto-imagem do torcedor, perturba ocasionalmente o ordenamento da cidade, que incorpora as brincadeiras. Da arquibancada, o humor ganha as ruas: “A alegria da torcida, descendo (ou subindo) a ladeira da Fonte Nova, enfiando-se nas ruas estreitas, com as bandeirolas coloridas, barulhenta como Carnaval. Ganhando a Joana Angélica, parando o trânsito, incomodando com piadas os torcedores adversários”.87

83A maior “surra” de 1952! A Tarde, Salvador, 14 jul. 1952. 84O dia das viúvas e das rolhas. A Tarde, Salvador, 30 jun. 1953 85

TORCEDORES protestam contra fedor do aterro. Bahia Hoje, Salvador, 15 mai. 1995.

86VITÓRIA mantém freguesia. Bahia Hoje, Salvador, 12 jun. 1995. 87 VITÓRIA. Tribuna da Bahia, Salvador, 26 abr. 1971.

O intervalo entre um clássico e outro é o período de deleite para as constantes brincadeiras provocadas pelos torcedores do time que venceu e está por cima. Nota-se, ainda, o transbordamento do humor, que sai do estádio e impregna a cidade:

Para os torcedores do Bahia, uma semana de festa, cheia de gozações. Na mesa do escritório, ou no caixa do banco, no balcão do bar ou na vitrina da loja granfina da Rua Chile, as pilhérias, as brincadeiras. Uma fotografia de Seu Sete ou de um leão, com o rabo entre as pernas. É o futebol, um troço que todo brasileiro gosta. Agora é tarde, as desculpas, as justificativas para a derrota, não têm mais valor. As afirmações de que o Vitória é o bamba no remo ou de que vai decidir o título do campeonato de basquete adulto, são logo encobertas pelas brincadeiras dos torcedores do Bahia:

- No domingo, fizemos cabelo, barba, bigode e ainda cavanhaque. Vencemos os juvenis, a corrida de bicicleta, os profissionais e a briga nos dentes de leite.(TRIBUNA DA BAHIA, 1972)88

Observa-se, ainda, a participação da torcida nas ruas da cidade, nas ótimas oportunidades de bom humor, quando se registram os momentos de conquista de títulos, plenos de felicidade para a torcida campeã, que se enche de inspiração:

Nas ruas e na cidade a festa se expande num carnaval de cores e charangas, algumas improvisadas até com latas de lixo, e em meio ao engarrafamento inevitável, e a grande maioria se dirige para a igreja do Bonfim, onde a exemplo de anos anteriores, de tantos campeonatos conseguidos, vão agradecer o sucesso de mais um título. Em meio a passeata as provocações e gozações aos torcedores do Vitória(TRIBUNA DA BAHIA, 1975)89.

O símbolo dos clubes é ridicularizado tanto quanto possível: “O Leão virou gatinho”, anunciava em tom descontraído, Jéferson Miranda, em referência ao mascote do Vitória, também conhecido como Leão da Barra”90

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