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O NOVO ESTÁDIO COMO PONTO DE ENCONTRO

5 O QUE LEVOU A ASSISTÊNCIA A VIRAR TORCIDA?

5.1 O NOVO ESTÁDIO COMO PONTO DE ENCONTRO

O primeiro ponto é o estádio. A inauguração da Fonte Nova, em 1951, coincide com o fortalecimento de um mercado consumidor de bens relacionados ao futebol e anunciados nas páginas esportivas dos jornais. Antes da Fonte Nova, os assistentes se encontravam no Campo da Graça, estádio para até 7 mil pessoas que ficavam sentadas numa estrutura de madeira, expostas ao sol e à chuva, nos setores conhecidos por A e B, dispostos de um lado e de outro do campo. As arquibancadas eram chamadas de “pombal” ou “poleiro”. A metáfora dos jornalistas comparava torcedores a pombos, pois estas aves constroem seus ninhos uns próximos dos outros, em um desenho similar ao dos torcedores sentados lado a lado e de cima à parte baixa do suposto “pombal”.

Empoleirados, à semelhança dos torcedores, os pombos equilibram-se sobre hastes de madeira, mesmo material do qual eram construídas as arquibancadas do Campo da Graça. A arquibancada “pombal” ou “poleiro” recebia o impacto do sol forte, virada para o poente. Toda esta inconveniente luminosidade incomodava a “assistência”, e causava sério desconforto, que foi gerando críticas devido à insatisfação dos frequentadores, cada vez em maior número e mais exigentes de uma boa prestação de serviço. Outra alusão ao mundo animal era a denominação de “jaula” para o espaço onde se separava a assistência do ambiente do campo de jogo por uma área reservada, situada, na parte inferior do “poleiro”, ao nível do gramado. O cronometrista, responsável por contar o tempo do jogo e determinar seu início e fim, por meio de uma campanhia, posicionava-se nesta “jaula”, que funcionava também como o corredor de passagem dos jogadores rumo ao campo de jogo. No tempo da “jaula”, o regime amadorista passava também por sua metamorfose até constituir o profissionalismo no futebol. “Pombal”, “poleiro” e “jaula”, alusões ao mundo dos seres irracionais, são expressões estranhas aos valores atribuídos ao esporte pelo neoolimpismo proposto por Pierre de Coubertin189, como “disciplina, lealdade e esforço”190.

189 O Barão de Coubertin é tido como o criador do movimento olímpico moderno que recuperou os valores

morais introduzidos na Grécia Antiga, berço da Olimpíada original, realizada na cidade de Olympia, daí o nome. Cf. FONSECA, Ouhydes João Augusto da. O “cartola” e o jornalista (influência da política clubística no

jornalismo esportivo de São Paulo). Dissertação de mestrado em Ciências da Comunicação. Universidade de

A comparação com situações do mundo animal revela uma visão de público desvalorizado, comparado a bichos, em uma angulação depreciativa. Os torcedores passaram a reivindicar mais conforto nos estádios, como fica demonstrado nas referências às “dependências de madeira do velho estádio”191

e na “idosa construção”, onde eram necessários “remendos” até a situação extrema de interdição: “... no domingo a polícia tomou as devidas providências, obstruindo as entradas do poleiro”192

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Com a assistência em expansão contínua, no estágio pleno da metamorfose para transformar-se em torcida, e a imprensa refletindo e, ao mesmo tempo, estimulando esta participação de público, o local onde se realizam os jogos fica cada vez menor em relação à demanda. O Campo da Graça torna-se pequeno demais para acomodar uma assistência já inquieta e mais numerosa. As deficiências da estrutura do estádio ficaram mais expostas: “Pena que a Bahia ainda não possua seu estádio”.193

O “pombal” já não serve, pois implica em “sacrifícios do espectador, que se imprensou no velho madeirame[...] naquela tarde quente[...]”194.

As pequenas reformas no Campo da Graça, com “telhados novos, pregos batidos, tabuado com uma mão de pintura”, representam uma melhoria que atrai o público, “notadamente o elemento feminino”, provando que o “belo sexo também gosta de futebol, somente deixando de ir à Graça para não correr risco de vida” 195

. Mas estas melhorias já não atendem, quando se observam as “archibancadas e geraes apinhadas, mao grado o pouco ou nenhum conforto que offerecem... as falhas do gramado, de nivelação, ou de seu tamanho... não deixam dúvidas quanto à necessidade de construirmos já e já um estádio condigno”. 196. A insatisfação chega ao estágio máximo, quando se registra a falta de segurança: “A grade da geral, que fica próxima ao arco, foi ao chão, derrubando os torcedores que nela estavam debruçados...” 197

É possível estabelecer o seguinte parâmetro: o interesse do público aumenta enquanto o estádio parece encolher. Os jornais, organizados como empresas de comunicação, defendem a expansão do público e do estádio. É neste contexto que se dá a ruptura com o velho Campo 190

Entre os deveres dos atletas, estão o respeito ao adversário, aprender na derrota, seguir estritamente as regras dos jogos e as determinações dos árbitros das competições, vencer sem tripudiar do rival e evitar trapacear. Cf. ALCOBA, Antonio. Como hacer periodismo deportivo. Editorial Paraninfo, 1983, Madrid. P. 32

191SUCESSO tricolor no grande “clássico”. A Tarde, 12 mai 1947. 192

O Vitória destruiu as aspirações do Bahia. A Tarde, Salvador. 25 out 1948.

193VITÓRIA “dinamitou” o Bahia por 7x1. A Tarde, Salvador, 3 jul 1947. 194SEM jogar o Ipiranga. A Tarde, Salvador. 25 jan. 1952.

195 BRILHANTE “performance”. A Tarde, Salvador. 5 set 1949. 196

VITÓRIA, apesar de vencido, soube-se impor pela sua fibra, ardor e combatividade! A Tarde, Salvador. 24 jul 1939.

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da Graça, a partir da construção do Estádio da Fonte Nova. O jornal expõe as fragilidades do Campo da Graça e comemora a inauguração da Fonte Nova. Os jornalistas registram este contraste, repercutindo e ampliando a demanda por aumento da capacidade de público e melhoria das instalações para o palco do futebol: “Foi um empolgante espetáculo esportivo o encontro Bahia x Vitória, realizado ontem à tarde, na Fonte Nova, o estádio encheu-se de transbordar muita gente de pé, até o final da peleja, por sua vez”198

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Além do crescimento das rendas, o estádio da Fonte Nova é um motivo para a torcida baiana se orgulhar. Em vez do madeirame e dos consertos de emergência, no Campo da Graça, agora é o gigante de concreto, o “mais belo estádio do Norte e Nordeste do Brasil”199. Ocorre que a Fonte Nova, por sua vez, também começa a ficar pequena, pois o clássico Ba- Vi, como produto cultural, não para de atrair cada vez mais torcedores e se firma como o palco onde o jogo conheceu seu auge em rivalidade, tornando-se um dos principais confrontos do futebol brasileiro.

Figura 15: Vista aérea do estádio Octávio Mangabeira, a Fonte Nova200..

A Figura 15 traz uma imagem da Fonte Nova, em 1968, antes de uma partida pelo Torneio Roberto Gomes Pedrosa, que teve como representante baiano o Esporte Clube Bahia. Vê-se também o Ginásio Antônio Balbino e aspectos urbanos do entorno do estádio. A Fonte Nova foi demolida em 27 de agosto de 2010 para construção de um novo conjunto esportivo denominado Arena Fonte Nova.

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PELA primeira vez, o estádio super-lotado. A Tarde, Salvador, 15 ago. 1954.

199 INSTANTE de vibração. A Tarde, Salvador, 10 out. 1960.

Figura 16: Lance da partida Bahia 2x1 Fluminense do Rio.

Na Figura 16, vê-se uma imagem da partida semifinal do Campeonato Brasileiro de 1988, ocorrida no dia 12 de fevereiro de 1989, recorde de público no Estádio da Fonte Nova, com mais de 110 mil pagantes e público estimado presente ao estádio de 130 mil pessoas201.

Figura 17: O momento da implosão do estádio da Fonte Nova

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Na figura 17, vê-se, em destaque, a capa dupla da edição do jornal CORREIO, mostrando o momento da implosão do estádio. No mesmo lugar, vem sendo construída a Arena Fonte Nova, visando à Copa do Mundo de 2014202.

5.2 O CONSUMO DÁ ACESSO AO TORCEDOR NA ERA DO FUTEBOL COMO