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Juízo de admissibilidade e juízo de mérito

No documento O Cabimento dos Embargos de Divergência (páginas 84-88)

3. CABIMENTO DOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA

3.1 ACÓRDÃO EMBARGADO

3.1.6 Juízo de admissibilidade e juízo de mérito

Ao analisarmos o cabimento de um determinado recurso contra uma determinada decisão, importante enfrentar tal requisito em relação à natureza da decisão, no que se referente a questões preliminares e de mérito.

De fato, os recursos ficam sujeitos a duas análises, consideradas juízo de admissibilidade e juízo de mérito. No primeiro, cabe ao julgador averiguar a presença das condições processuais específicas para cada modalidade recursal, enquanto no segundo, o julgador enfrentará o próprio conteúdo do recurso pretendido.

Nos recursos extraordinário e especial, o juízo de admissibilidade é duplo, feito previamente pelo juízo a quo, como meio de evitar a utilização desnecessária de nossas Cortes Superiores, já atravancadas ante a demasiada quantidade de demandas. Trata-se de um juízo provisório, tendo em vista que não vincula o órgão ad quem. Neste órgão, são novamente enfrentadas as questões preliminares, podendo novamente o recurso ser ou não admitido.

Em tais modalidades recursais, a fundamentação é vinculada, devendo a parte, em suas razões, demonstrar a violação de lei federal, para o cabimento do recurso especial ou a violação direta a Constituição Federal e a repercussão geral, para o cabimento de recurso extraordinário. O juízo de mérito é feito em uma única fase, na qual o julgador irá examinar as referidas razões recursais para prover ou não o recurso interposto.

Flávio Cheim Jorge200, sobre o tema, entende que o fator de diferenciação do juízo de admissibilidade e do juízo de mérito dos recursos é o “grau de cognição exercido pelo órgão julgador”. Não haverá julgamento caso a cognição tenha sido sumária e, o inverso, haverá julgamento caso seja conhecido concretamente o conteúdo do recurso, em cognição exauriente.

Surge, então, a dúvida sobre o cabimento dos embargos de divergência quanto ao juízo de admissibilidade ou de mérito do recurso extraordinário ou especial. Para alcançarmos uma

200 JORGE, Flávio Cheim. Teoria Geral dos Recursos Cíveis. 4 ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos

resposta, é necessário delinear os parâmetros inseridos pela lei processual quanto ao cabimento dos embargos de divergência.

Considerando o conteúdo do art. 546, CPC, que se refere a decisão de Turma em recurso especial ou extraordinário que divergir do julgamento de outra decisão, no respectivo Tribunal, vê-se que o ponto crucial é a divergência entre as decisões, não importando se ocorrida no juízo de admissibilidade ou no juízo de mérito.

Tanto o Código de Processo Civil quanto os textos regimentais dos Tribunais Superiores não fazem qualquer distinção quanto a tais questões, podendo haver divergência jurisprudencial em qualquer uma delas.

Neste sentido ensina Barbosa Moreira201, ao afirmar a desnecessidade do julgado de Turma em recurso especial ou extraordinário conhecer ou não o recurso, ou dar ou não provimento a ele. O Autor ainda alerta para uma atitude do Supremo Tribunal Federal que pode levar o intérprete do direito a dúvidas.

Tem decidido a Corte Suprema, com certa frequência, que ‘não se pode, em embargos de divergência, pretender seja reapreciada preliminar de conhecimento de recurso extraordinário’. A tese, enunciada nesses termos na ementa de ac. de 6.5.1982, E.R.E. nº 93.861, in Rev. Trim. de Jur., vol. 101, pág. 1.223, padece de imprecisão e gera o risco de alimentar equívocos. Na espécie então examinada, a fundamentação do voto do relator, na pág. 1.227, esclarece que o embargante havia invocado suposta divergência entre o acórdão embargado e duas proposições da Súmula referentes a matérias não versadas naquela decisão; ora, bastava isso para excluir o cabimento dos embargos, sem necessidade de ir mais longe.

Oreste Nestor de Souza Laspro202 informa o julgamento se refere tanto à questões preliminares quanto às de mérito, de maneira que, mesmo apenas enfrentando o juízo de admissibilidade, o julgador por certo julgará o recurso. O não conhecimento não se refere a não conhecer o recurso, mas não conhecer o mérito do recurso. “O recurso, todavia, é sempre decidido”.

201

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil, Lei nº 5.869, de 11 de janeiro

de 1973. Vol. 5: arts. 476 a 565. 15 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 643.

202 LASPRO, Oreste Nestor de Souza. O objeto dos embargos de divergência. In RePro 186. São Paulo: Revista

Para Bernardo Pimentel Souza203, as questões sobre juízo de admissibilidade ou de mérito não se diferenciam quando do cabimento dos embargos de divergência, sendo irrelevante qualquer tentativa de distinção. Não importa se o julgador não conheceu o recurso excepcional, ou conhecendo, deu ou não provimento à ele.

O que importa é se os arestos confrontados deram soluções jurídicas diferentes a casos idênticos ou, no mínimo, similares. (...) basta imaginar o dissenso acerca da exigência, do significado ou do alcance do prequestionamento. Tanto que o Superior Tribunal de Justiça editou os enunciados 98 e 211, assim como o Supremo Tribunal Federal elaborou os verbetes 282 e 356, todos acerca do prequestionamento. Aliás, foi a divergência acerca da interpretação do vocábulo constitucional ‘causa’ que deu ensejo à edição do verbete n. 86 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça.

A única exigência que a lei traz é quanto à equivalência entre as decisões conflitantes, o que significa que o cabimento dos embargos de divergência está ligado ao confronto entre acórdãos, se foi dada solução diversa para situações jurídicas equivalentes, sendo irrelevante se tal dissensão ocorreu em juízo de admissibilidade ou de mérito.

Coerente concluir que “tanto os acórdãos que dizem respeito à análise dos pressupostos de admissibilidade quanto os que julgam o mérito podem ser combatidos através de embargos de divergência204”.

O Ministro aposentado Athos Gusmão Carneiro205 levanta um questionamento sobre o cabimento de embargos de divergência contra regras de admissibilidade do recurso especial, discussão já aventada no Superior Tribunal de Justiça.

Dou exemplos: a possibilidade de o dissenso jurisprudencial ser comprovado mediante documento extraído de página de internet da própria Corte; a desnecessidade, quando notória a divergência, da indicação de repositório autorizado onde publicado o acórdão, ou de autenticação do acórdão, ou de juntada da sua cópia integral; a possibilidade de conhecimento do recurso especial quando o acórdão tenha fundamento constitucional e infraconstitucional, e não haja sido interposto o apelo extraordinário etc.

A conclusão possível para o autor é que devem ser cabíveis os embargos de divergência para dirimir os problemas referentes a regras técnicas de admissibilidade do recurso especial,

203

SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. 3. ed. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 689-690.

204

TORREÃO, Marcelo Pires. Dos Embargos de Divergência: teoria e prática no Superior Tribunal de Justiça

e no Supremo Tribunal Federal. Porto Alegre: S. A. Fabris, 2004, p. 94.

205 CARNEIRO, Athos Gusmão. Recurso especial, agravos e agravo interno. 6 ed. Rio de Janeiro: Forense,

eliminando assim divergências deveras danosas para a segurança jurídica, alicerce do Direito, sendo a própria função e finalidade dos referidos embargos.

Para Oreste Nestor de Souza Laspro206, as referidas questões sobre regras de admissibilidade do recurso especial estão, em verdade, ligadas ao juízo de admissibilidade. O autor não descarta a possibilidade de um precedente aplicar lei federal de forma diversa da vista em outro julgado, apesar de as situações jurídicas serem idênticas. Cita a exemplo o prequestionamento como questão de técnica processual que não necessariamente terá que revolver fatos para ser solucionada.

Não há dúvida de que análise da existência do prequestionamento, a princípio, envolve cada caso, sendo, pois, impossível a ideia de precedente para fins de divergência. Todavia, é perfeitamente possível ocorrer divergência a respeito do conceito de prequestionamento. Ora, se há um antagonismo, por exemplo, entre duas Turmas a respeito do conceito objetivo de prequestionamento, a análise da divergência independe de fatos, razão pois do cabimento dos embargos de divergência.

Todavia, este não é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que entende que os embargos de divergência não prestam para discutir questões inerentes a regras de admissibilidade do recurso especial, por não ser via adequada para esse fim207.

206

LASPRO, Oreste Nestor de Souza. O objeto dos embargos de divergência. In RePro 186. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 28-29.

207

Processo AgRg nos EREsp 918298 / RN - Relator(a) Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES - Órgão Julgador: PRIMEIRA SEÇÃO - Data do Julgamento: 11/02/2009 - DJe 27/02/2009 – Ementa: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. SUPOSTO DISSÍDIO ACERCA DE REGRA TÉCNICA DE ADMISSIBILIDADE. NÃO-CABIMENTO DOS EMBARGOS. 1. Sustenta o ora agravante que a divergência reside no fato de que o acórdão paradigma enfrentou o mérito da questão de fornecimento gratuito de medicamento à luz da Lei n. 8.080/90, enquanto a decisão colegiada ora impugnada aplicou a Súmula n. 126 do Superior Tribunal de Justiça. 2. O pleito recursal está comprometido, pois não cabem embargos de divergência quando o dissídio versa unicamente sobre a regras técnicas de admissibilidade. Precedente da Corte Especial. 3. Agravo regimental não-provido; Processo AgRg nos EREsp 439418 / SP - Relator(a) Ministro MASSAMI UYEDA - Órgão Julgador: SEGUNDA SEÇÃO - Data do Julgamento: 28/05/2008 - DJe 09/06/2008 – Ementa: AGRAVO REGIMENTAL - EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA - CARACTERIZAÇÃO DA FRAUDE À EXECUÇÃO - COTEJO ANALÍTICO ENTRE OS CASOS CONFRONTADOS - INEXISTÊNCIA - DISSÍDIO NOTÓRIO - NÃO-CONFIGURAÇÃO - DISCUSSÃO EM SEDE DE EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA ACERCA DA INCIDÊNCIA DE REGRAS TÉCNICAS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL - IMPOSSIBILIDADE - SIMILITUDE FÁTICA ENTRE OS CASOS COTEJADOS - CARÊNCIA – AGRAVO IMPROVIDO. 1. O dissídio jurisprudencial não foi demonstrado na forma das exigências legais e regimentais, dada a não-realização do necessário cotejo analítico entre os casos confrontados, mediante a citação de excertos que os identifiquem ou os assemelhem. Insuficiente é, para esse efeito, a mera citação de ementas, como sucedeu na espécie, em que não se tem dissídio notório. 2. Em sede de embargos de divergência, descabe invocar dissídio jurisprudencial acerca da aplicação de óbices à admissibilidade do recurso especial. 3. A caracterização do dissídio jurisprudencial em sede de embargos de divergência só se aperfeiçoa quando os casos confrontados, assentados em bases fáticas similares, adotam conclusões opostas sobre idêntica questão jurídica. 4. Agravo regimental improvido. Disponível em www.stj.jus.br. Acesso em 09/01/2012.

No documento O Cabimento dos Embargos de Divergência (páginas 84-88)