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A Uniformização de Jurisprudência

No documento O Cabimento dos Embargos de Divergência (páginas 47-50)

2. ASPECTOS GERAIS DOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA

2.5 OS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA E INSTITUTOS AFINS

2.5.1 A Uniformização de Jurisprudência

A uniformização de jurisprudência está definida nos artigos 476 a 479 do Código de Processo Civil Brasileiro. Trata-se de incidente para solução de divergências entre teses jurídicas que possam influenciar o julgamento final.

O artigo 476, do CPC95, reporta a competência para qualquer julgador, antes de conferir seu voto em turma, câmara ou grupo de câmaras, suscitar a divergência entre interpretações do direito, a ser enfrentado por pronunciamento anterior ao julgamento do veículo em que foi suscitado o incidente.

Pela leitura do referido artigo, somente no parágrafo único o legislador preferiu conferir à parte a permissão de requerer em petição avulsa o incidente, deixando claro o dever do julgador em buscar a solução de possíveis divergências96.

Por seu caráter uniformizador, surge a semelhança com os embargos de divergência, que, como tratado acima, intentam uniformizar o entendimento das Cortes Superiores. Não podemos deixar de considerar, no entanto, que são institutos completamente distintos, impossibilitando qualquer confusão entre eles.

Os embargos de divergência cumprem tarefa similar à uniformização de

jurisprudência (arts. 476 a 479), mas com esta não se confundem. É que este último

remédio se apresenta como simples incidente que precede ao julgamento de recurso pendente enquanto os embargos de divergência são admissíveis depois de já ultimado o julgamento e, por isso, assumem a natureza de novo recurso97.

95Art. 476. Compete a qualquer juiz, ao dar o voto na turma, câmara, ou grupo de câmaras, solicitar o

pronunciamento prévio do tribunal acerca da interpretação do direito quando: I - verificar que, a seu respeito, ocorre divergência; II - no julgamento recorrido a interpretação for diversa da que lhe haja dado outra turma, câmara, grupo de câmaras ou câmaras cíveis reunidas. Parágrafo único. A parte poderá, ao arrazoar o recurso ou em petição avulsa, requerer, fundamentadamente, que o julgamento obedeça ao disposto neste artigo. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869.htm. Acesso em 01 de agosto de 2011.

96

Em que pese não ser esse o entendimento de nossos nobres julgadores. A própria impopularidade do incidente de uniformização de jurisprudência é uma prova contundente da resistência dos tribunais em reconhecer suas divergências, contando o jurisdicionado muitas vezes com a sorte, e não com a justeza dos julgados.

97THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Vol. I. 51ª ed. Rio de Janeiro: Forense,

José Ignácio Botelho de Mesquita98 resgata as raízes históricas da uniformização da jurisprudência ao prejulgado no direito processual anterior. Para o autor, o incidente dá vida a um procedimento próprio para resolver a divergência.

Em verdade, trata-se de incidente processual, não possuindo característica de recurso. Rodolfo de Camargo Mancuso99 o considera de certa maneira um instituto eclético ou a meio-caminho, pois não é modalidade recursal, nem ao menos ação autônoma de impugnação. Em crítica ao instituto, fala sobre a pouca eficácia da súmula resultado de tal incidente, “mais do que um conselho, menos do que uma ordem... De fato, a súmula a que se refere o art. 479 do CPC é menos do que a lei, porque desprovida de obrigatoriedade ampla, geral e irrestrita, não projetando a desejável eficácia panprocessual obrigatória”.

Eduardo Cambi100 quando trata sobre a jurisprudência lotérica, defende a importância da uniformização, como incidente, entretanto permanece realista quanto às suas limitações, pois apenas alcança a divergência conhecida antes da causa ser julgada.

Para o autor, tal incidente se apresenta falho na tentativa de evitar o acontecimento da divergência jurisprudencial, prestando tão somente para que o dissídio não se prolongue no tempo, o que não gera a certeza jurídica necessária para o jurisdicionado e não evita a proliferação de recursos, interpostos justamente para sanar uma divergência que já o deveria ter sido pelo tribunal.

Por seu caráter de incidente, deverá ser inaugurado um procedimento autônomo para dirimir o dissídio e assim uniformizar a jurisprudência, o que poderá se tornar em súmula e constituir precedente na uniformização da jurisprudência, por inteligência do artigo 479, CPC.

Por meio do instituto em estudo [incidente de uniformização de jurisprudência], pretende-se extrair do tribunal um pronunciamento prévio (ao contrário dos embargos de divergência, cuja manifestação é posterior ao julgado que se pretende

98

MESQUITA, José Ignácio Botelho de. Da uniformização da jurisprudência. In Revista dos Tribunais 613. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986, p. 15-16.

99

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 265-267.

100CAMBI, Eduardo. Jurisprudência lotérica. In Revista dos Tribunais 786. São Paulo: Revista dos Tribunais,

modificar) sobre determinada tese jurídica em discussão no processo em curso e que há divergência101.

Ademais, a uniformização de jurisprudência pode ser admitida em sede recursal, reexame necessário, ou ainda ação autônoma de impugnação, diferentemente dos embargos de divergência, que apenas podem ser interpostos contra acórdãos proferidos em sede de recurso extraordinário ou especial.

Bernardo Pimentel Souza102 ainda suscita uma última diferença:

Por fim, convém lembrar que os embargos de divergência são cabíveis tão-somente nas cortes superiores. Ao revés, o incidente é admissível em corte de segundo grau. No tocante aos tribunais superiores, não há dúvida acerca da igual admissibilidade do incidente do Superior Tribunal de Justiça, consoante o artigo 118 do Regimento Interno de 1989.

O autor ainda fala sobre entendimento do Supremo Tribunal Federal em não aceitar a uniformização de jurisprudência em sua Corte, tendo em vista o tema não haver sido tratado em seu Regimento Interno.

Aqui cabe destacar parte do voto do Ministro aposentado Djaci Falcão, Relator na Ação Rescisória nº 1.198-8/DF, publicado no dia 17/06/1988, sobre a questão ventilada acima:

Por outro lado, esse incidente não existe no âmbito jurisdicional do Supremo Tribunal. O nosso Regimento Interno cogita da Súmula, síntese que corresponde a jurisprudência assentada pelo Tribunal, passível de modificação ou cancelamento por deliberação da Corte (arts. 102 e 103).

(...)

Os arts. 478 e 479 escapam ao processo no Supremo Tribunal Federal, em que a divergência jurisprudencial entre as Turmas ou com o Plenário são solucionadas pelos embargos de divergência (art. 300 do RI)103.

Em que pese tal conclusão, ponderações merecem lugar neste ponto. Sem pretensão de defesa da uniformização de jurisprudência, todavia, como explicitado, os embargos de divergência não se equivalem a tal por diferenças cruciais entre eles.

101

MARINHO FILHO, Luciano. Breves comentários aos embargos de divergência e aos incidentes de

uniformização de jurisprudência no direito processual brasileiro. In Revista IOB de Direito Civil e Processual

Civil n. 58. Porto Alegre: Síntese, 2009, p. 69.

102

SOUZA, Bernardo Pimentel. Dos embargos de divergência. In MAZZEI, Rodrigo Reis (coord), Dos Recursos. vol. II. Vitória: Instituto Capixaba de Estudos, 2002, p. 655.

103Disponível em http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=1868. Acesso em 01 de

A justificativa de não utilização da uniformização por conta da existência dos embargos de divergência no Supremo por si só não pode ser considerada suficiente, por completa incoerência nos veículos – um é incidente e preventivo, apreciado antes do julgamento e o outro é recurso, somente cabível quando a divergência já encontra-se instalada.

Imaginar somente a existência de tais embargos para dirimir divergência, seria admitir que o Supremo não guardasse nenhum compromisso em uniformizar sua jurisprudência, as quais somente seriam unificadas mediante manifestação da parte ou do Ministério Público.

Por certo, o incidente pode ser suscitado por qualquer julgador, acerca da interpretação do direito, antes do julgamento em que suscitar. Por essa e tantas outras razões, data maxima

venia, podemos concluir que os embargos de divergência não poderiam fazer as vias de

incidente de uniformização, sendo incoerente sua não atuação também no Supremo Tribunal Federal.

No documento O Cabimento dos Embargos de Divergência (páginas 47-50)