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1.4 Psicanalistas negras esquecidas e silenciadas: apagamentos sucessivos de uma

1.4.3 Lélia Gonzalez: enegrecendo o feminismo

Diferentemente de Virgínia Bicudo e de Neusa Souza, Lélia Gonzalez (1935-1994) não era psicanalista. Se também a incluímos como um exemplo de algum tipo de silenciamento e apagamento da produção de uma pesquisadora negra sobre a questão racial articulada à psicanálise é porque ela soube apontar claramente a presença da cor na questão das mulheres e das mulheres na questão da cor, valendo-se para isso tanto das articulações da sociologia, como da teoria psicanalítica lacaniana. Ou seja, apesar de Lélia Gonzalez não nos trazer depoimentos e entrevistas de negros e negras como fizeram Virgínia Bicudo e Neusa Souza, ela pôde estender as reflexões da psicanálise para a análise da questão de raça e gênero no Brasil (BARRETO, 2005). Consideramos fundamental dialogar com sua produção na nossa pesquisa, uma vez que Lélia Gonzalez soube destacar pontos fundamentais sobre as singularidades das mulheres negras brasileiras.

Ela soube apontar dentro do Movimento Negro as especificidades da questão feminina e dentro do Movimento Feminista a necessidade de considerar a desigualdade social e econômica, enegrecendo o feminismo e feminizando a raça89, com uma atuação que passou

tanto pela militância e pela política, como pela atividade acadêmica.

Lélia Gonzalez nasceu em Belo Horizonte, mas mudou para o Rio de Janeiro ainda criança, penúltima filha de uma família de baixa renda com 18 filhos. Seu pai era ferroviário e sua mãe, trabalhadora doméstica. Formou-se em História e Geografia e posteriormente em Filosofia na Universidade do Estado da Guanabara; fez pós-graduação em Comunicação e Antropologia. Raquel de Andrade (BARRETO, 2005) aponta que, conforme Lélia Gonzalez avançava nos estudos, rejeitava sua condição de negra, sendo que na faculdade teria ocorrido o “ápice” desse processo:

Eu usava peruca, esticava o cabelo, gostava de andar vestida como lady (Gonzalez)90.

Conforme despertou para a sua consciência racial sua estética mudou radicalmente, tanto que a beleza negra se transformou num ponto fundamental abordado em seus artigos (GONZALEZ, 1982).

89 Parafraseando o título da dissertação de mestrado de Raquel de Andrade A. Barreto: Enegrecendo o feminismo

ou feminizando a raça: narrativas de libertação em Angela Davis e Lélia Gonzalez (BARRETO, 2005).

Seu encontro com a psicanálise não se deu somente através do seu processo de análise pessoal, em que relata ter sido possível buscar suas origens e sua ancestralidade, mas também por uma aproximação entre os dois campos, sociologia e psicanálise, que lhe permitiu produzir seu texto mais conhecido sobre o tema das mulheres negras: “Racismo e sexismo na cultura brasileira” (GONZALEZ, 1984). Nele, as marcas da psicanálise se fazem ouvir tanto em relação ao seu conceito de amefricanidade91, como na sua concepção de mãe-preta92, a

qual evidencia uma concepção de linguagem e de função materna totalmente ancorada na teoria lacaniana.

Lélia participou tanto da Fundação do Colégio Freudiano do Rio de Janeiro93, como da

criação do Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racial94 e do Nzinga –

Coletivo de Mulheres Negras, em 1983 (BARRETO, 2005, p. 27). Aqui novamente encontramos uma pesquisadora que tinha a psicanálise e a negritude como pontos articulados e inseparáveis, tanto na vida, como nos textos acadêmicos. Tanto assim que fez uma apropriação bastante curiosa da linguagem na sua estrutura narrativa, de modo que seus textos pudessem manter ao mesmo tempo um rigor acadêmico e as marcas da fala cotidiana. “Essa característica de Lélia se liga a uma prática das narrativas do feminismo negro, a utilização de exemplos pessoais para exemplificar as teorias”95 (BARRETO, 2005, p. 34). O

reconhecimento de Lélia Gonzalez é inquestionável dentro da militância negra feminista, tanto assim que seu nome aparece em diversas homenagens. O mesmo não se pode dizer da psicanálise, já que não é possível encontrar seus artigos nem nas publicações sobre o feminino, nem nas publicações sobre o racismo e a negritude.

O encontro com essas três mulheres, Virgínia Bicudo, Neusa Souza e Lélia Gonzalez que, movidas assumidamente por um desejo de articular questões sobre a própria cor e o mal- estar vivido nesse mundo dos brancos, foram capazes de uma produção tão interessante, nos mostrou mais uma vez um silenciamento, que podemos chamar de produção de esquecimento. Curiosamente, essa produção de esquecimento se dá justamente num campo de interface entre a sociologia, a psicologia social e a psicanálise; ou seja, em um campo em que a memória tem um sentido fundamental e as relações de poder são temas indispensáveis de pesquisa.

91 Termo inspirado no termo Améfrica Ladina formulado pelo psicanalista carioca M.D.Magno.

92 As formulações sobre as mulheres negras no Brasil segundo Lélia Gonzalez serão desenvolvidas no Capítulo

4.

93 Juntamente com M.D. Magno, Betty Millan e outros, em 1977.

94 Criado em 1978, passou a chamar-se, posteriormente, Movimento Negro Unificado.

95 O uso de depoimentos pessoais ao longo da nossa pesquisa tem a intenção de lembrar e preservar essa

Trata-se de uma repetição, um movimento insistente e persistente que faz desaparecer pelo menos uma das marcas identificatórias fundamentais de cada uma dessas autoras: ou mulher negra, ou psicanalista, ou pesquisadora. Quando Virgínia Bicudo é lembrada como psicanalista, não aparece como negra, nem se divulgam suas pesquisas sobre relações raciais. Quando é lembrada a produção de Neusa Souza, é ela quem desaparece e também sua cor. Quando aparece a produção de Lélia Gonzalez, lembrada como pesquisadora negra, omite-se a psicanálise. Por que seria tão difícil esses termos estarem juntos, se essas mulheres afirmaram, com todas as letras, que para elas eram referências articuladas e indissociáveis?

Com isso não temos como pensar Sandra fora desse campo de conhecimento, desse Outro sócio-histórico que invisibiliza, não só ela, como as mulheres negras de maneira geral; assim como não podemos pensar esse Outro sócio-histórico que não a partir de cada um desses sujeitos, Sandra, Neide, Daniela Gomes, Zaíra Pires, Denise Camargo96, Virgínia Bicudo, Neusa Souza, Lélia Gonzalez e tantas outras, cada uma delas tão singular. É por haver essa dupla causação, como algo que não se pode separar, que utilizamos, como já o dissemos, a Banda de Moebius como aquela figura topológica que permite fazer uma articulação e um uso subvertido do sujeito e do campo social, como se fossem duas faces, mas contidas uma na outra. O que diferenciaria as duas faces seria apenas o acontecimento temporal, uma vez que é somente após a segunda volta completa que se retorna ao lugar de origem; ou seja, o tempo permite que se percorra uma e outra face, ainda que em nenhum momento ocorra uma ultrapassagem da margem (GRANON-LAFONT, 1990).

Neste capítulo, começamos apresentando alguns depoimentos de negros e negras brasileiros desde a década de quarenta até recentemente, destacando uma marca de pertença que lhes seria comum. Estamos na primeira volta da Banda.A partir desse campo discursivo inscrevemos a fala de Sandra, que nos apontava a maneira como os outros, ao se relacionarem com ela, tomavam por sabido o que ela deveria fazer e sentir, deixando assim de conhecê-la. Fomos do Outro sócio-histórico para o singular, estamos na segunda volta da Banda. Este silenciamento apontou para um lugar de pertença e de transmissão fundamental e, curiosamente, foi a partir do nosso encontro com Sandra e com a tentativa de formalizar essa experiência clínica que pudemos perceber um silenciamento que há muito acompanha as mulheres negras no nosso país, desde um processo de embranquecimento como política de Estado até uma injunção a uma branquitude, e apagamento de traços de pertença fundamentais. Outra volta na Banda, fomos do singular para o Outro sócio-histórico.

Silenciamento e apagamento que operam tanto sobre a produção acadêmica em que as mulheres negras aparecem como objeto e causa da pesquisa, como sobre as mulheres negras como autoras, protagonistas e pesquisadoras. Foi Sandra quem foi capaz de nos fazer ouvir que estamos, também nós, inscritos neste processo, uma vez que reproduzimos como psicanalistas e pesquisadores, por bastante tempo e em alguma medida, essa surdez que contribui para o silenciamento do outro.Quarta volta na Banda, voltamos ao singular, com a nossa história, imbricada na história de Sandra e de cada uma dessas autoras e, assim, ao ponto de origem e a uma nova volta.

2 SÔNIA: UMA HISTÓRIA ESCRAVIZADA E SEUS RASTROS

Faltou. Os professores sempre tiveram uma coisa de perguntar: “fale um pouco sobre sua família e sua mãe”. Eu já falava: “faltou saber quem era ela” (Sônia, 2014). Da família da minha mãe sei pouco. Fez falta não conhecer, na hora que perguntavam, eu não sabia (Sônia, 2014).

Esses são dois trechos de uma mesma entrevista com Sônia. Foram pronunciados no mesmo dia, mas em momentos diferentes. O primeiro foi uma resposta à pergunta de como se sentia na escola; o segundo, a uma pergunta sobre a origem de sua família. Sônia insiste nesse termo, faltou, possivelmente porque é a algo fundamental que está se referindo. Faltou sua mãe, fez falta não conhecer sua mãe, faltou saber quem era ela.

Esta fala de Sônia será o nosso disparador para abordar sua inscrição no discurso hegemônico sobre a história dos negros brasileiros e sua capacidade de resistência a esse discurso. Não dá para pensar a vida dos negros que foram escravizados e de seus filhos, netos, bisnetos, trinetos... os afrodescendentes, sem fazer um trajeto que problematize o apagamento da memória sobre o período escravista e a construção de uma história que o encobriu, com o mito de uma harmonia racial e de um sincretismo cultural no Brasil. A invisibilidade e a superexposição, trabalhadas no capítulo anterior como significantes com os quais os negros brasileiros teriam que se haver no seu cotidiano, estão totalmente imbricadas com um silenciamento de suas vozes na construção de uma história das relações sociais durante o período escravista e após ele. A nossa escravidão não só marcou os que foram escravizados com os ferros em brasa para que fossem identificados para a venda, mas sem dúvida os marcou por gerações, com o discurso que os identificava como sujeitos passivos socialmente, incapazes de qualquer ação política consequente e promíscuos sexualmente, destituídos de laços afetivos familiares e comunitários. A fala de Sônia nos auxiliará na discussão do que pode significar estar inscrito numa história que foi, ela mesma, escravizada.

Não conheci minha mãe, quando faleceu eu era bebê, tinha meu irmão e os outros dois morreram. Era uma negra muito bonita, mas não conheci, nunca vi uma imagem. Meu pai e minha avó diziam: “você é a cara dela”. Me olho no espelho e acho parecida, pelo que os outros contam. Ela morreu com 23 anos, teve tuberculose (Sônia, março de 2014).

Sônia consegue se enxergar parecida com sua mãe mesmo sem a ter conhecido, o que nos mostra ainda mais como a linguagem constitui, recobre e erogeniza o sujeito. Enxerga-se parecida no reflexo de espelho a partir das palavras dos outros. Recobrimento da ausência que se faz possível através da voz e da fala daqueles que presentificam a mulher que ela mesma quase não conheceu.

Freud há muito nos mostrou como a linguagem permite que se faça anteparo à ausência, identificando, na brincadeira de seu netinho de aproximar e afastar um carretel pronunciando duas palavrinhas, a possibilidade de domar a ausência sentida (FREUD, 1920/2014)97.

Esse manto de palavras que permite recobrir e fazer anteparo ao insuportável da ausência do outro, diante da perda de alguém querido que não está ou que já se foi, desde nossa mais tenra infância até a maturidade, nos é fornecido por um repertório de possibilidades discursivas recortado familiar e culturalmente. Cada um de nós conta com significantes escolhidos e pinçados de uma rede discursiva por aqueles que nos nomearam e nomearam o que se passava conosco, sendo esse pinçamento submetido tanto ao desejo e à erótica daquele que nomeou, como ao universo de possibilidades da cultura na qual ambos estavam inscritos. Trata-se do que Lacan chamou tesouro de significantes, o que torna o sujeito humano e falante. É com esse repertório de possibilidades que o sujeito vai ter que fazer frente a isso que Sônia nos diz: faltou.

Nada falta nem se ausenta no registro do real, ou seja, fora do mundo simbólico. Dizer que algo faltou exige que se possa bordejar e contornar com as palavras. São bordas que, ao mesmo tempo em que contornam e inscrevem, fundam o que faltou, como a imagem que Lacan nos oferece do oleiro que constrói um vaso em torno do vazio (LACAN,1988b). Assim, as possibilidades de Sônia enunciar isso que faltou, de fazer frente a essa ausência, estão, portanto, inscritas nesse Outro, que é tanto sócio-político, como marcado pelo campo pulsional.

Como nos lembra Miriam Debieux, “os fatos existem enquanto reclamam sentido. É sempre junto da falta de sentido, e pela exigência de preenchimento dessa falta, que se forma o pressentimento daquilo que será a história de cada um e da sociedade” (ROSA, 2015, p. 67).

97 Estamos nos referindo à observação de Freud sobre um menininho de um ano e meio, em que lançava um

carretel para dentro do berço, de modo que desaparecia e pronunciava um som, que sua mãe decodificava como “foi embora” [Fort, em alemão] depois ao puxá-lo saudava seu aparecimento com um “está aqui” [Da, em alemão] (FREUD, 1920/2014). No O Seminário. Livro 11: Os Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise, Lacan retoma essa observação de Freud: “o jogo de carretel é a resposta do sujeito àquilo que a ausência da mãe veio criar na fronteira de seu domínio – a borda do seu berço – isto é, um fosso, em torno do qual ele nada mais tem a fazer senão o jogo do salto” (LACAN, 1988c, p. 63).

É a partir dessa falta que Sônia constrói sua narrativa, com o que encontra de preenchimento possível, para o que diz que faltou.

Ela morreu com 23 anos, teve tuberculose. Meus dois irmãos mais velhos, o Mauro teve tuberculose, a Rosa teve tuberculose98. Também tive, meu irmão também, minha avó tratou com ervas medicinais, chá de... é um chá natural (Sônia, 2014).

Sempre fui muito curiosa, sempre gosto de saber e perguntar. Minha família vem do candomblé, muita erva, muita folha. Ervas curam qualquer doença. A Erva de Santa Maria, a que curou a tuberculose. Se estoura uma ferida, sei que elas curam mesmo, tenho essa fé. Fico lembrando a família do meu pai, “essa erva é para fazer isso”. Gosto da cidreira natural: é tão melhor! (Sônia, 2014).

Com o conhecimento das ervas naturais, sua avó pôde lhe cuidar, e assim Sônia escapou do destino de sua mãe e de seus dois irmãos mais velhos. Sua avó pôde também lhe transmitir um saber que se mantém presente na sua vida tanto como memória atualizada – “fico lembrando a família do meu pai ‘essa folha é para fazer isso’” – como nos chás naturais que prepara para os seus filhos e que reencontrou na experiência compartilhada do candomblé: “Minha família vem do candomblé, muita erva, muita folha”.

Sônia pode comunicar sua experiência recorrendo ao acervo de uma vida que não inclui só a própria experiência, mas também o que ouviu, principalmente através da fala da sua avó, de uma experiência que remonta à escravidão. E assim mostra sua capacidade de se reconhecer num lugar de potencialidades, de resistir encontrando pequenos oásis de ofertas identificatórias, num solo árido de identificações possíveis no que se refere a uma vida reconhecida como digna e de valor.

Minha bisavó [paterna] era escrava, a minha avó nasceu na época do Ventre Livre99.

Terminou a escravidão e meus tios nasceram livres (Sônia, 2014).

Quando afirmamos que há uma aridez de possibilidades identificatórias, estamos considerando que há uma precariedade quanto à transmissibilidade de suas experiências;

98Mauro e Rosa são nomes fictícios de seus dois irmãos mais velhos.

99 A Lei do Ventre Livre (1871) determinava que os filhos de escrava que nascessem a partir daquela data seriam

considerados de condição livre, mas deveriam ficar sob autoridade dos senhores de suas mães até os oito anos. Atingida esta idade, o senhor da mãe teria opção ou de receber do Estado uma indenização ou de utilizar-se dos serviços do menor até a idade de 21 anos completos. Como a Lei Áurea, que proibiu definitivamente a escravidão foi promulgada em 1888, a Lei de 1871 não chegou concretamente a beneficiar ninguém. O que fica explícito, no entanto, é o quanto o projeto emancipacionista oficial baseou-se no princípio do respeito ao direito de propriedade, apoiado numa política de indenização paga pelo Estado (MATTOS, 2013, p. 216).

precariedade esta que é produzida politicamente através de um estreitamento da memória e desqualificação das experiências daqueles que a antecederam. É a essa aridez que atribuímos a sua segunda fala:

Da família da minha mãe sei pouco. Fez falta não conhecer, na hora que perguntavam, eu não sabia (Sônia, 2014).

Faltou poder contar aos outros quando perguntada. Ou seja, poder falar publicamente sobre sua família, ter uma memória que incluísse sua família numa rede discursiva inscrita socialmente. Não lhe foi facilitada pela comunidade linguageira, não lhe foi oferecida essa transmissibilidade a priori, teve que garimpar muito: insistência própria de quem é muito curiosa.

A possibilidade, ou ao menos a facilitação para falar da própria origem e trazer a memória de seus antepassados, é algo que está muito além de um sujeito individual. Está inscrita familiar e socialmente, como será aprofundado no seguimento deste capítulo.

É preciso realmente ser muito curiosa, como ela mesma se define, para conseguir reconhecer a sabedoria da avó paterna, filha de escrava; bem como conseguir inscrever essa sabedoria num universo simbólico de raízes africanas. Pois é preciso fazer frente à versão hegemônica da história de vida de milhões de africanos escravizados e de seus descendentes, enxergados como instrumentos passivos, com carência de escrúpulos, sem vínculos familiares significativos, caracterizados por uma falta de freio frente a seus instintos e por uma promiscuidade sexual100.

Nesse sentido, sua fala: da família da minha mãe sei pouco, fez falta não conhecer não remete a um impedimento do saber ou a um não dito próprio à sua família. É uma frase que poderia ser repetida por tantos homens e tantas mulheres brasileiras, submetidos a um silêncio que ultrapassa suas próprias famílias e vem de gerações. Um silêncio e um apagamento da memória que se inicia junto com a vinda dos primeiros africanos para cá e que, de certo modo, permanece até hoje.

100 Vale ressaltar, como um importante instrumento para modificação deste quadro, a Lei nº 10639, de 2003, que

tornou obrigatório na rede de ensino fundamental e médio, oficial e particular, o estudo da História e Cultura Afro-Brasileira, posteriormente alterada pela Lei nº 11645, de 2008, que tornou obrigatório o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena. Segundo esta última, o ensino obrigatório deverá incluir “diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil”. Disponível em:<http://portal.mec.gov.br/conaes-comissao-nacional-de-avaliacao-da-educacao-superior/323-secretarias- 112877938/orgaos-vinculados-82187207/12989-relacoes-etnico-raciais>. Acesso em: 9 set. 2015.

[...] a gente tem que buscar, é uma coisa de ficar cavando, tateando, onde posso encontrar manifestações da minha origem? Onde posso buscar, onde posso encontrar algo que eu me identifique, que tenha a ver comigo, saber quem são os pais dos meus pais, quem são os pais dos pais dos meus pais, por que não posso saber? Por que não tenho direito de saber quem veio da África para cá, que no final acabou me originando? Por que não consigo saber isso? Eu não consigo saber, a gente não conhece. Os africanos que vieram para cá em condições de escravos já tiveram os