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LEITURA MEDIADA PELO PROFESSOR DA OBRA “OS INVISÍVEIS”, DE TINO FREITAS E RENATO MORICON

No documento Alfabetização e Letramento: volume II (páginas 167-177)

A obra “Os invisíveis”, escrita por Tino Freitas e ilustrada por Renato Marconi, apresenta um projeto gráfico primoroso e um tema atual e interessante: a invisibilidade social. As ilustrações são estilizadas e feitas apenas com as cores preta, branca, cinza e laranja. Há um cuidado especial com as proporções das imagens e o recurso de

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168 projeção de cenas em primeiro e segundo planos. Quanto ao texto

verbal, é interessante destacar que é simples, porém não simplista. As frases são curtas e estão bem diagramadas na página, mantendo uma relação de complementariedade com as ilustrações.

Antes de iniciar a leitura, é importante que o professor prepare o ambiente físico de forma acolhedora. Se não houver um tapete para “contação de estórias”, pode-se improvisar colocando as cadeiras (ou carteiras) em círculo ou semicírculo. É interessante que o professor possa sentar-se de forma que todos o vejam e vejam o livro, mas que não fique muito distante, ou simplesmente em pé, numa postura autoritária. A disposição do grupo na sala deve possibilitar a visualização do livro, a escuta do professor e a participação de todos. Imprescindível também é a determinação do momento do dia em que a atividade ocorrerá. Atividades de leitura que demandam concentração por parte dos alunos não devem ser realizadas após atividades cansativas que geram agitação e fadiga, como o recreio ou a educação física.

Preparado o ambiente, é importante que o professor crie estraté- gias de motivação para a escuta da narrativa. Antes de apresentar o livro, o professor pode, por exemplo, contar para os alunos o que o levou a selecionar aquele livro, quais as impressões que teve durante a primeira leitura, por que considera a obra importante para uma leitura compartilhada com a turma, o que espera da turma durante a leitura da obra, em suma, o professor pode fazer um pequeno relato de seu envolvimento pessoal com a obra que irá compartilhar, pois, como defende Solé (1998),

[...] a motivação está intimamente relacionada às relações afetivas que os alunos possam ir estabele- cendo com a língua escrita. Esta deveria ser mimada na escola e mimados os conhecimentos e progressos das crianças em torno dela. Ainda que muitas vezes se preste atenção à presença e funcionalidade do aspecto escrito na sala de aula, gostaria de insistir de novo em que esta vinculação positiva se estabelece principalmente quando o aluno vê que seus profes- sores, e em geral as pessoas importantes para ele, valorizam, usam e desfrutam da leitura e da escrita e, naturalmente, quando ele mesmo pode desfrutar com sua aprendizagem e domínio (SOLÉ, 1998, p. 92).

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169 Após esse breve relato, o professor pode iniciar as atividades de

pré-leitura. Entende-se por pré-leitura o conjunto de atividades em que o leitor é convidado a imaginar, prever, adivinhar, formular hipó- teses. São atividades importantes porque ativam o conhecimento prévio do leitor iniciante e também estimulam as habilidades de investigação. Segundo Kleiman (1995, p. 34-35),

Os objetivos são também importantes para um outro aspecto da atividade do leitor que contribui para a compreensão: a formulação de hipóteses. Vários autores consideram que a leitura é, em grande medida, uma espécie de jogo de adivinhação, pois o leitor ativo, realmente engajado no processo, elabora hipóteses e as testa, à medida que vai lendo o texto.

Uma alternativa viável é o professor preparar sacolas de plás- tico escuro, cada uma contendo algo dentro (podem ser pequenos objetos de formato peculiar, como lápis, chave, livro, sabonete, ursinho de pelúcia, colher ou até alimentos como laranja, banana, maçã, grãos de feijão etc.).

Com os alunos sentados em círculo, o professor distribui uma sacola de cada vez para ser passada pelas mãos dos alunos, que tentam deduzir, por meio do tato, da audição e do olfato, o conteúdo de cada sacola. Esse desafio pode ser denominado “O que você não pode ver?”, sendo essa a pergunta mobilizadora, à medida que cada nova sacola é entregue para um aluno, após o aluno precedente ter deduzido o conteúdo da sacola anterior. O professor, evidentemente, precisa comunicar ao grupo a principal regra da brincadeira: “não é permitido abrir a sacola”. A ideia principal é tentar descobrir o que muitas vezes se encontra invisível aos olhos. Encerrada a brincadeira, o professor pede para alguns deles comentarem com o grupo como se sentiram no decorrer do desafio.

A seguir, o professor pede que todos olhem atentamente a capa do livro “Os invisíveis”. Questiona sobre a ilustração: “O que mostra a capa do livro?” Depois, lê em voz alta o conteúdo da capa para o grupo: título, autor, ilustrador e editora, mostrando a posição de cada palavra na capa. Então, dirige-lhes perguntas, como: “O que podemos encontrar nesse livro?” e “O que ou quem são ‘os invi- síveis’?”. Considerando as respostas dadas pelos alunos, faz um registro das hipóteses sobre o conteúdo do livro no quadro, para posterior verificação.

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Figura 1 – Reprodução da capa do livro “Os invisíveis” de Tino Freitas e Renato Moriconi (Ed. Casa da Palavra).

Inicia-se, então, a leitura propriamente dita. É preciso observar sempre a velocidade da leitura e da mudança de páginas, a pronúncia clara das palavras, o tom da voz e outras estratégias de sedução que podem ser treinadas previamente nas horas dedicadas a preparação das aulas.

Finalizada a leitura do livro, o professor iniciará as atividades de compreensão leitora. A primeira delas pode ser a checagem das hipóteses registradas no quadro. Essa verificação é essencial porque contribui para a interiorização da função da escrita como registro, além de valorizar as participações orais. É útil também para desenvolver a habilidade “realizar inferências a partir da leitura de textos verbais” (descritor H6 da ANA), pois cada hipótese formulada pelos alunos será retomada, considerando o texto ouvido. Logo, compete ao professor favorecer a realização dessas inferências, indagando a turma sobre qual hipótese foi confirmada, qual ficou próxima do assunto tratado no livro e qual se distanciou, possibilitando que façam confronto entre o imaginado por eles com o registrado na obra lida.

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171 Outra possibilidade é a retomada oralmente dos elementos

formais do texto, como: título, autor, ilustrador e editora, ativando, assim, a memória dos alunos. Nessa etapa, há o trabalho com a habilidade “localizar informações explícitas em textos” (descritor H4 da ANA), já que os alunos precisam compreender as especificidades do suporte livro, aprendendo sobre os elementos da capa. Nota-se atualmente que muitas crianças escolarizadas, mas que têm pouco acesso a materiais impressos, não sabem diferenciar livros, revistas, folhetos ou gibis, por exemplo.

O professor passa, então, a investigar sobre o conteúdo da história com questionamentos do tipo: quem é o personagem principal? Como ele era no início da história? Com quem ele vivia? Como era o seu dia a dia? Qual a diferença existente entre ele e seus familiares? Passado um tempo na história, o que houve com ele? Por que o livro chama-se “Os invisíveis”? Essas questões facilitam a “identificação do assunto de um texto”, habilidade descrita em H8 da ANA.

É interessante também recuperar oralmente a história por meio do texto não verbal. O professor passa página por página, pergun- tando aos alunos qual parte da história é contada naquela página. No caso específico do livro “Os invisíveis”, o léxico pode ser explorado a partir das ilustrações, uma vez que, em muitas páginas, elas mostram mais do que está expresso no texto verbal (Figura 2). Logo, cabe ao professor pedir a descrição da cena.

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172 Nessa segunda leitura do mesmo texto, privilegia-se o não verbal

e, consequentemente, propicia-se a “realização de inferências a partir da leitura de textos que articulam a linguagem verbal e não verbal” (Descritor H7 da ANA). Dessa forma, o professor verifica tanto a compreensão da narrativa quanto das ilustrações. Cria, inclusive, oportunidade para explorar o uso de elementos reinterativos e conectores (como pronomes, sinônimos, conjunções, advérbios e tantos outros) na oralidade, pois pode intervir significativamente nas participações orais das crianças. É comum, por exemplo, as crianças usarem quase que exclusivamente o termo “aí” para expressar sequ- ência de ações. Cabe ao professor intervir, mostrando alternativas sinônimas, como “depois”, “e assim”, “então”... Apesar de ser uma atividade oral, há a oportunidade de desenvolver a habilidade “esta- belecer relações entre partes de um texto marcadas por elementos coesivos” (descritor H9 da ANA).

Ao descrever cada cena oralmente, o grupo está na verdade fazendo uma releitura do texto, sendo que, desta vez, os leitores-aprendizes fazem uso da estratégia da inferenciação, já que buscam nas imagens o não expresso no texto verbal. Evidentemente, essa atividade favorece o aprimoramento da habilidade “compre- ender os sentidos de palavras e expressões” (descritor H5 da ANA), devido ao fato de uma criança aprender com a outra, pois se um aluno diz que o “invisível” das páginas 5 e 6 (Figura 2) é o “homem do lixo”, outro pode dizer que se trata de um “lixeiro” ou de “um gari”. O professor pode intervir mostrando que todas as palavras descrevem o homem, porém, na carteira de trabalho desse profis- sional, provavelmente, virá registrado “coletor de lixo” ou até “coletor de resíduos”. Em síntese, nas descrições orais, há uma grande opor- tunidade de desenvolver o conhecimento lexical.

Outra atividade que desenvolve a compreensão leitora de uma obra literária é resumir as principais ideias de um texto. Como os leitores ainda são iniciantes, o professor pode ser o escriba nessa atividade e produzir coletivamente uma resenha no quadro, regis- trando não apenas os elementos essenciais da narrativa mas também a apreciação do grupo pelo livro lido. As resenhas produzidas podem ser expostas em um mural ou agrupadas em uma pasta para poste- rior consulta (se houver acesso à internet na escola, podem ser publicadas no blog da turma).

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173 A resenha pode ser escrita no dia subsequente à leitura

compartilhada do livro, pois assim os alunos terão oportunidade de distanciar-se um pouco da história para retomá-la na produção coletiva. Salienta-se que as habilidades (descritores H5, H6, H7 e H8) são exploradas novamente, à proporção que as dúvidas na redação da resenha surjam e o livro precise ser consultado para saná-las.

Contudo, a habilidade “reconhecer a finalidade do texto” (descritor H3 da ANA) será enfatizada na produção coletiva, pois a turma precisa conscientizar-se de que a resenha resume o livro, sem simplesmente transcrevê-lo, isto é, reconta-se a história, mas não se copia o mesmo texto feito por Tino Freitas. O professor precisa mostrar que a resenha expressa também uma apreciação do leitor. Nessa escrita coletiva, há a oportunidade, inclusive, de praticar a habilidade “estabelecer relações entre partes de um texto marcadas por elementos coesivos” (H9).

Já na pós-leitura – etapa de ampliação da visão de mundo do leitor –, o professor pode propor reflexões sobre a temática do livro. Ele, por exemplo, pode estimular o grupo a pensar se o que o menino tinha era realmente um “superpoder” ou se simplesmente os “adultos” ao seu redor eram indiferentes à existência do lixeiro, do artista de rua, do mendigo, do coveiro... Outra problematização possível é em relação às páginas a seguir.

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174 A sensibilidade do professor permitirá que ele perceba no grupo

alunos que provavelmente já viveram situações de abandono e negli- gência, podendo abrir espaço para relatos de solidão em família, como casos em que os pais ignoram a existência de filhos, irmãos que não conversam entre si e tantos outros problemas de convivência familiar. Esse é um momento favorável à sensibilização de realidades adversas, em que as crianças aprendem que nem todas as pessoas convivem de forma amigável.

É comum na literatura infantil o desfecho favorável, ou seja, o famoso “E foram felizes para sempre...”. Entretanto, “Os invisíveis” quebra esse paradigma, pois o personagem principal cresce e passa a ignorar a realidade ao redor, como faziam seus familiares em sua infância. O professor pode sugerir, então, que os alunos criem outro final para a história.

Como tarefa extraclasse, pode-se pedir para que eles registrem com desenhos, fotos recortadas de jornal ou revista (ou, se possível, feitas pelo celular) tudo o que não está sendo visto pelos adultos na escola, na rua ou no bairro em que moram. Podem ser “pessoas”, “lugares”, “objetos”, “situações” que são ignoradas pelos adultos. O professor pode disponibilizar uma semana para a tarefa e, no dia marcado para os alunos entregarem os desenhos e as fotos, produzirem legendas explicativas cada uma das imagens com a ajuda do professor. Esses desenhos e fotos podem ser expostos num mural com o título “Não podemos fingir que não vemos!” ou “Você vai fingir que não vê?” ou outro título criado pelo grupo.

Muitas outras atividades podem ser elaboradas a partir dessa obra (ou de outra selecionada). Todos concordam que o planejamento cuidadoso, a escolha de um bom livro de literatura e a sensibilidade do professor na execução da leitura e atividades são fundamentais na formação do leitor iniciante. Para finalizar, apresentam-se algumas considerações sobre o uso de ‘andaimes’ nas leituras mediadas pelo professor de obras literárias para alunos dos anos iniciais do EF.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nos anos iniciais do EF, ao usar recursos de andaimagem, o professor favorece o desenvolvimento do pensamento autônomo das crianças e ainda contribui para a elevação da autoestima, já que os alunos vão progressivamente ganhando independência tanto

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175 na expressão oral quanto na escrita. Tal fato é comprovado ao se

observar atividades em pares, em que um aluno auxilia o outro usando os mesmos andaimes utilizados pelo professor, ou seja, ele desenvolveu não apenas a habilidade que o torna capaz de ajudar o colega mas também aprimorou uma capacidade de intervir na ação do outro, de forma estimulante e respeitosa.

Reitera-se, portanto, as palavras de Paulo Freire (citadas na ‘Introdução’ deste artigo), em que o educador defende que o professor é para seus alunos um modelo de conduta. Em poucas palavras, acre- dita-se que o professor, para formar leitores, precisa antes ser leitor. Já para promover a interação entre os alunos, o profissional necessita criar um clima na classe de respeito e de estímulo às participações orais e escritas de todos, utilizando a andaimagem como elemento facilitador da aprendizagem de cada um.

REFERÊNCIAS

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Disponível em: <http://download.inep.gov.br/educacao_basica/ saeb/2013/livreto_ANA_online.pdf>. Acesso em: 7 jul. 2017. BRASIL. Avaliação nacional da alfabetização (ANA). Brasília: Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2013. BORTONI-RICARDO, S. M. ; MACHADO, V. R. ;

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176 FREITAS, Tino. Os invisíveis. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013.

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SOARES, Magda. Alfabetização e literatura. Revista educação: guia da alfabetização. São Paulo, n. 2, p. 90, 2010.

LEITURA E ESCRITA DO GÊNERO

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