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O professor poderá utilizar os

No documento Alfabetização e Letramento: volume II (páginas 145-153)

UMA PROPOSTA DE TRABALHO PARA SALA DE AULA

5  O professor poderá utilizar os

recursos disponíveis na escola, no caso de não haver recursos tecnológicos, como data show.

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Eram dois vizinhos. O primeiro vizinho comprou um coelhinho para os filhos. Os filhos do outro vizinho pediram um bicho para o pai. O doido comprou um pastor alemão. Papo de vizinho: - Mas ele vai comer o meu coelho.

- De jeito nenhum. Imagina. O meu pastor é filhote. Vão crescer juntos, pegar amizade. Entendo de bicho. Problema nenhum.

Nesse momento, o professor suspende a leitura do texto, deixando que os alunos façam as inferências sobre o que irá acontecer, levan- tando hipóteses a respeito do motivo de o narrador caracterizar o vizinho como “doido” e sobre o relacionamento entre o cachorro e o coelho. Assim, o conhecimento prévio do aluno, ativado pelas marcas linguísticas presentes no texto, servirá de pistas que serão testadas posteriormente. Prossegue-se com a leitura.

E parece que o dono do cachorro tinha razão. Juntos cresceram e amigos ficaram. Era normal ver o coelho no quintal do cachorro e vice-versa. As crianças, felizes. Eis que o dono do coelho foi passar o final de semana na praia com a família e o coelho ficou sozinho.

Isso foi na sexta-feira. No domingo, de tardinha, o dono do cachorro e a família tomavam um lanche, quando entra o pastor alemão na cozinha. Pasmo. Trazia o coelho entre os dentes, todo

imundo, arrebentado, sujo de terra e, é claro, morto. Quase mataram o cachorro.

- O vizinho estava certo... E agora, meu Deus?

Nova interrupção da leitura para verificar se houve confirmação ou não das hipóteses levantadas e formulação de novas inferên- cias. O professor pode fornecer outro andaime, levando o aluno a analisar o valor semântico da forma verbal “parece”, que inicia

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147 o trecho. É importante também que o professor abra espaço para

que os alunos opinem o que fariam se estivessem no lugar dos donos do cachorro.

– E agora?

A primeira providência foi bater no cachorro, escorraçar o animal, para ver se ele aprendia um mínimo de civilidade e boa vizinhança. Claro, só podia dar nisso. Mais algumas horas e os vizinhos iam chegar. E agora? Todos se olhavam. O cachorro rosnando lá fora, lambendo as pancadas.

– Já pensaram como vão ficar as crianças? – E você cala a boca, porra!

Não se sabe exatamente de quem foi a ideia, mas era infalível. Vamos dar um banho no coelho, deixar ele bem limpinho, depois a gente seca com o secador da sua mãe e coloca na casinha dele no quintal.

Como o coelho não estava muito estraçalhado, assim fizeram. Até perfume colocaram no

falecido. Ficou lindo, parecia vivo, diziam as crianças. E lá foi colocado, com as perninhas cruzadas como convém a um coelho cardíaco. Umas três horas depois eles ouvem a vizinhança chegar. Notam o alarido e os gritos das crianças. Descobriram! Não deu cinco minutos e o dono do coelho veio bater à porta. Branco, lívido, assus- tado. Parecia que tinha visto um fantasma. – O que foi? Que cara é essa?

Nova interrupção da leitura para verificação das hipóteses. Levantar hipóteses sobre o porquê de o dono do coelho ter ficado assustado. Perguntas sobre o léxico do texto podem ser feitas, como, por exemplo, “o que o narrador quis dizer com coelho cardíaco?”, “o que significa lívido?”, “que informação contém a frase formada pela

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148 forma verbal “Descobriram!?”. Nesse caso, qual a importância dessas

expressões no texto? Inferências sobre o que ocorrerá a partir desse episódio devem ser levantadas? Volta-se à leitura.

O coelho... O coelho... – O quê que tem o coelho? – Morreu!

Todos:

– Morreu? Inda hoje de tarde parecia tão bem... – Morreu na sexta-feira!

– Na sexta?

– Foi. Antes da gente viajar as crianças enterraram ele no fundo do quintal!

A história termina aqui, neste domingo de páscoa, de noite. O que aconteceu depois não interessa. Nem ninguém sabe.

Mas o personagem que mais me cativa nessa história toda, o protagonista da história, é o cachorro.

Imaginem o pobre do cachorro que, desde sexta-feira procurava em vão pelo amigo de infância, o coelho. Depois de muito farejar,

descobre o corpo. Morto. Enterrado. O que faz ele? Provavelmente com o coração partido, desenterra o pobrezinho e vai mostrar para os seus donos. Provavelmente estivesse até chorando, quando começou a levar porrada de tudo quanto é lado. O cachorro é o herói. O bandido é o dono do cachorro. O ser humano. Sim, nós mesmos, que não pensamos duas vezes. Para nós o cachorro é o irracional, o assassino confesso. E o homem continua achando que um banho, um secador de cabelos e um perfume disfarçam a hipocrisia, o animal desconfiado que tem dentro de nós.

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Julgamos os outros pela aparência, mesmo que tenhamos que deixar esta aparência como melhor nos convier. Maquiada. Coitado do cachorro. Coitado do dono do cachorro. Coitado de nós, animais racionais.

Finda a narrativa, é hora de os alunos novamente verificarem a confirmação ou não de suas inferências. Abre-se um espaço para que eles falem de expectativas sobre o desfecho da história, se foram surpreendidos ou não. A cada colocação dos alunos, o professor deve proceder como orientador na reformulação, se necessário, das respostas dadas, fornecendo, assim, andaimes na construção de sentido do texto. Volta-se às inferências feitas no início da leitura sobre o gênero do texto a partir de seu título. É possível que o gênero fábula tenha sido sugerido. Nesse caso, o final da narrativa apre- senta mais uma característica desse gênero: a moral. Aqui, andaimes podem ser fornecidos para que os alunos percebam que existe uma moral. Contudo, o professor deve levar os alunos a refletir sobre a possibilidade de se tratar de uma crônica.

Essas são apenas algumas das diversas possibilidades de traba- lhar um texto. Como foi dito antes, o trabalho de mediação leitora deve se adequar a cada turma e a cada aluno, conforme a realidade que apresentam. O certo é que o professor deve ser o facilitador nesse processo de formação de leitores.

CONCLUSÃO

A discussão sobre o novo modo de pensar o ensino da leitura nas escolas brasileiras – nem tão novo assim, uma vez que na década de 1980 já havia estudiosos tratando do assunto – necessita sair do plano teórico, para tornar-se prática nas salas de aula. Já existem manifestações de professores que, compreendendo a sua responsa- bilidade de formação de leitores, executam a função de mediadores de leitura, fornecendo aos alunos andaimes para que participem ativamente da construção de sentido do texto, de maneira a desen- volver habilidades de leitura como prática social.

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150 Com esse trabalho, foi possível perceber e ratificar o pensa-

mento de outros pensadores, como Ingedore Koch e Vanda Elias (2012). Tais autores fornecem sugestões de atividade de leitura com base nos conhecimentos prévios dos alunos e em sua capacidade de levantar hipóteses e fazer inferências antes, durante e após o contato com o texto.

Embora as sugestões sejam bastante pertinentes e condigam com a necessidade real dos alunos brasileiros, já que avaliações internas e externas comprovam o alto índice de discentes que não compre- endem o que leem, percebem-se alguns entraves para que elas se tornem opções possíveis no contexto escolar do país. Entre eles, podemos citar o tímido investimento na formação e na capacitação de profissionais para mediação do processo de leitura da forma como é proposta. Nossas salas de leitura ainda não são promotoras de atividades de leitura frequentes e consistentes, pois a presença de variedades de títulos não constitui garantia de formação de leitores. Faltam, ainda, espaço, tempo e profissionais que propiciem aos professores condições de selecionar livros e analisá-los quanto a sua adequação ao público leitor, considerando as particularidades de cada sala de aula e de cada educando, assim como é necessário planejar previamente a leitura dos textos, para que sejam capazes de conduzir as crianças no processo.

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