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Fonte: autor, 2011

Sobre a compreensão dos bens patrimoniais, o grupo dos visitantes fez referência a vários elementos materiais que são protegidos pela lei. O gráfico 6 apresenta a diversidade dos elementos que segundo esse grupo seriam legalmente reconhecidos como de valor, variando entre tipologias diversas como espaços públicos, patrimônios religiosos, patrimônios modernos, conjuntos urbanos, entre outros.

Do total de entrevistados 10 pessoas (38%) não souberam responder quais seriam os patrimônios reconhecidos legalmente. Por outro lado é significativo notar que muitos elementos culturais não protegidos institucionalmente foram citados, como é o caso do prédio da prefeitura do Recife, do Obelisco localizado no cais da Alfândega e da Praça do Diário.

Gráfico 6: Bens protegidos legalmente no centro do Recife segundo os visitantes

Fonte: entrevistas orais realizadas pelo autor, 2011

Apesar da Praça da República não apresentar ainda uma proteção oficial de tombamento51

, sendo parte integrante da ZEPH-10 segundo a Prefeitura do Recife, os elementos que compõem seu entorno foram bastante citados (Palácio do Campo das Princesas: 34%; Teatro Santa Isabel: 23%; Palácio da Justiça: 11%). Segundo um entrevistado na Praça da República: “O palácio do governo é um patrimônio, porque é o que está mais bem cuidado aqui, até porque tinha que ser né... e o Teatro de Santa Isabel porque é muito bonito, principalmente por dentro”.

Alguns elementos foram citados pelas suas características históricas, como as pontes e a Torre Malakoff, enquanto outros como o Marco Zero, a Rua da Moeda e Praça Arthur Oscar como local de divertimento ou descanso. Segundo um frequentador da Praça Arthur Oscar: “Eu fico aqui sempre na minha hora do almoço, fico aqui o tempo todo porque

51 A Praça da República encontra-se em processo de tombamento junto ao IPHAN como Jardim Histórico, por

é calmo, agradável, bom para passar o tempo e relaxar, a praça é boa por isto”. Outro visitante da Rua da Moeda considerou:

“eu sempre estou aqui com a minha turma tomando uma no sábado a noite. É bacana, tem festa, tem liberdade. As vezes a gente sente que é meio perigoso quando vai ficando é mais tarde, mas aqui ainda é uma opção do centro para a turma se divertir”

Também é válido observar que a Igreja de Nossa Senhora do Pilar, protegido pelo IPHAN em 1965 pelos seus atributos históricos e artísticos, foi lembrada pela primeira e única vez. Segundo o entrevistado que a citou, frequentador do centro a 30 anos, a construção era “uma igreja muito boa, mas que agora está esquecida”. Devido a vários processos de transformações ocorridos através do tempo, com o entorno da Igreja sendo ocupada por uma população de baixa renda, conhecida como “Comunidade do Pilar”, a Igreja do Pilar e a sua comunidade no entorno são desconhecidas pelos visitantes da área central do Recife. Neste caso a proteção patrimonial não tem qualquer eficiência já que o bem foi esquecido pela sociedade, mostrando mais uma vez as falhas em se reconhecer um patrimônio a partir de critérios baseados nos desejos de técnicos e especialistas.

Um total de 22 entrevistados (84%) julgou que os recursos hídricos do centro poderiam se tornar um patrimônio, por motivos variados. Um dos entrevistados, frequentador do centro há 40 anos, considerou que: “Apesar de ser coisa viva, é um patrimônio. Porque o Recife em si é uma ilha.”, outro entrevistado leu a paisagem de forma diferenciada:

“Constitui um patrimônio histórico no sentido que foi uma coisa que aconteceu no passado que hoje não acontece mais. Essa relação não acontece mais, porque é imundo. Apesar de ter esse barquinho que faz essa trajetória turística é irrelevante. Não é um meio de transporte, não acontece nada nesse rio fora isso ai, além de que eu acho que a pessoa passear num rio sujo desse, perde até um pouco da emoção de olhar a cidade e passar por suas pontes.”

Os dois relatos são significativos. No primeiro podemos observar como a noção de patrimônio ainda está vinculada a ideia do que passou. Já o segundo depoimento associa as águas do Capibaribe ao relacionamento histórico entre homem e natureza, que vem se perdendo frente aos impactos ambientais. Nesse sentido, o rio assume um caráter nostálgico ao não propiciar algo anteriormente possível.

Uma turista, entrevistada também na Praça da República, considerou a integração do rio com a cidade como um fator que justificaria sua proteção, afinal, segundo ela: “[...] um rio sempre está integrado na vida de uma cidade”.

Já os 4 entrevistados que julgaram o rio como não merecedor de um título patrimonial, justificaram que a poluição seria o principal motivo para a negação de qualquer título. Segundo algum deles: “Não. Porque o rio é muito poluído, sujo e deveria ser melhor. Podia ser navegável”, outro afirmou que: “Não como deveria. Porque o que é patrimônio a gente cuida e não é o que parece”.

Em relação as vinculações desses atores com os recursos hídricos, todos consideraram que o rio é de extrema importância para a cidade, devido motivos diversos. Para um entrevistado, ele é significativo devido as possibilidades de uso para o desenvolvimento da cidade: “Porque corta quase toda a cidade. É uma ilha, o rio corta todo o centro. E ai é onde eu falo que o rio deveria ser navegável por causa dessa geografia que nós temos”. Já outro, consultado as margens do rio Capibaribe, disse que ele “[...] representa a cidade. A cidade nasceu dele. Se não fosse ele, isso aqui não existiria. Nada disso existiria se não fosse esse rio”.

Também foram presentes nesse grupo significados de repulsa e negação em função da situação das águas:

“Elas fedem pra caralho e é um inferno atravessar as pontes. É feio para quem vem visitar. As pessoas vêm com aquela história de Veneza brasileira, mas se você olhar, a água é uma merda, é feio pra caramba. Baixo astral. É uma coisa que desagrada muito. De certa forma, o rio é bonito, mas é baixo astral”

Da mesma forma outro entrevistado considerou as águas como: “Uma nojeira, uma merda. Falta muito para o governador ajeitar isso”.

No âmbito dos elementos e significados que compõem a paisagem cultural do

centro do Recife, nota-se uma semelhança dos elementos selecionados com os grupos

anteriores. Como pode ser visto no gráfico 7, o Marco Zero foi citado por 57% dos entrevistados nesse grupo.

Um entrevistado na Praça Arthur Oscar destacou que o local é “[...] o que mais lembra mesmo a cidade”, da mesma forma outro considerou o espaço significativo “por ser um centro cultural”. Outro entrevistado interpretou o elemento como "um local que tem sua importância, aonde as pessoas vão para se divertir e apreciar a cultura pernambucana".

Gráfico 7: Elementos da paisagem cultural do centro do Recife, segundo os visitantes

Fonte: entrevistas orais realizadas pelo autor, 2011

Por outro lado, outros entrevistados consideraram o espaço como “um ar livre e bom de ser lembrado”, “um local muito bonito [...]” ou “aquele arco do marco zero é um dos pontos chaves do bairro do Recife”. Aqui o Marco Zero ganha o significado de beleza em função de suas constituições arquitetônicas e ambientais. Se as construções em formato de arco são belas e atrativas, por outro o fluxo de vento no final da tarde como também a presença das águas, dos arrecifes e do mar, contribuem para a leitura positiva do espaço, como visto nas figuras 16, 17 e 23.

Novamente o conjunto das Pontes do Recife (30% dos entrevistados) com o Rio Capibaribe (26%) foi destacado. Segundo um dos entrevistados, esses dois elementos “[...] são as coisas principais daqui do centro”. Já outro considerou que a junção dos dois “formam a cara da cidade”, enquanto que um terceiro entrevistado considerou que eles são “a coisa mais bonita daqui que vale a pena mostrar”.

Por fim, novamente o conjunto da Praça da República apresenta bastantes referências e significados expressivos. Segundo os entrevistados o local é “[...] especial, um lugar bonito [...]”, representando um significado de cunho estético. Outro importante significado foi o político, já que o local tem uma “representatividade política na cidade”. Assim, o conjunto da Praça da República, resultado da criação de engenheiros e arquitetos como Vauthier e Burle Marx, representa um importante elemento da paisagem cultural do

centro do Recife, já que agrega significados diversos em um ambiente diretamente ligado a natureza.

Figura 23: Marco Zero. As construções formam um "arco" ao fundo

Fonte: autor, 2011

4.1.4. Leituras dos moradores

Composto pelos moradores do centro do Recife, o último grupo dos usuários entrevistados é formado por pessoas de média e baixa renda. Do total de 14 entrevistados (MAPA 6), 7 são residentes em pensões ou ocupações ilegais no Bairro do Recife, enquanto que os outros 7 moram em endereços tradicionais da cidade, sendo 3 entrevistados na Rua da Aurora, 3 na Rua da União e 1 na Ponte Buarque de Macedo.

Como resultado das diferenças sociais, a paisagem também foi lida de forma diferenciada por cada um deles. Na leitura podemos ver o encantamento de morar no centro transmitido pela população de classe média, enquanto que os moradores de baixa renda não demonstraram qualquer tipo de vinculação com a paisagem.

Sobre a compreensão dos bens patrimoniais, o grupo dos moradores apresentou uma significativa diferença em relação aos outros atores. Se nos outros relatos a Praça do Marco Zero foi constantemente citada, tanto como um bem patrimonial ou como possível de ser protegida, nesse grupo a Rua da Aurora foi mais destacada, conforme apresentando no gráfico 8, sendo citada por 57% dos entrevistados.