• Nenhum resultado encontrado

Letícia e a solidão

No documento Despedindo-se da Terra (Chico Xavier) - PDF (páginas 71-75)

LETÍCIA E A SOLIDÃO

Enquanto tudo isso acontecia com Marisa e Gláucia, naquele final de semana, os Espíritos inferiores trabalhavam com Sílvia e Marcelo, para que os planos trevosos pudessem ter continuidade.

Além do mais, Letícia seguia com seus sentimentos estimulados pelo interesse do colega de escritório, dedicando-se ao estudo do caso específico que ele lhe havia submetido à apreciação.

Seu desejo de solucioná-lo, modo pelo qual poderia demonstrar sua capacidade profissional e a superar, em parte, a ausência de outros atributos exteriores, dominava seus pensamentos.

Ao mesmo tempo, devaneios e mais devaneios faziam parte de suas horas naquele final de semana, quando a solidão, acompanhada pela música suave e pela carência afetiva se uniam em uma explosiva combinação para o coração que sonha em se ver correspondido.

Antes, a afetividade de Letícia por Marcelo era algo existente no mundo platônico, sem qualquer possibilidade de ser concretizada no mundo real. No entanto, depois que o rapaz passou a procurar seus conselhos, envolvido pela onda de perfume inebriante, pelo modo gentil e pelas palavras elogiosas, esta possibilidade de migrar do sonho para a realidade passou a dominar os pensamentos da jovem.

Ela sabia que ele era casado, mas, até aí, o que a impedia de se fazer notar? Ele mesmo havia dito que ela não devia se preocupar, porque sua esposa não se importava com o assédio feminino. Ouvindo esse tipo de informação, a astúcia da mulher criou o cenário de uma esposa indiferente, relegando o marido a plano secundário, o que facilitava em muito as suas chances.

De outra parte, não foi ela quem foi procurá-lo e, sim, o contrário. Ela bem que estava no seu canto, cuidando de sua vida, sem se permitir qualquer tipo de aproximação do rapaz, até porque imaginava que nunca poderia ter alguma chance com ele.

Letícia, assim, reunindo todos os indícios, se via alimentada pela esperança de prosseguir na sua cartada de envolver Marcelo e de lhe conquistar o afeto, ainda que isso não fosse além de alguns contatos mais íntimos, coisa que, se acontecesse, já possibilitaria que ela se fizesse sentir pelo homem desejado e, quem sabe, favoreceria que o mesmo se sentisse abalado ou colocasse em dúvida em suas escolhas íntimas.

Assim, no sonho de mulher solitária em tarefa de conquista, Letícia passou em revista as roupas que possuía em seu armário, tirando de circulação aquelas que julgava ultrapassadas para o trabalho de sedução, dando preferência às mais vistosas, que melhor realçassem seus atributos femininos e que provocassem o interesse do homem desejado, naqueles processos que as mulheres bem sabem manipular, num mundo dominado pelos homens ainda deveras animalizados em seus instintos.

Com isso, Letícia se municiava de novas aquisições para compor o cenário adequado que trazia em mente, de forma a possibilitar a adesão de Marcelo ao processo de sedução que ela iria iniciar.

E ainda que seus dois perseguidores invisíveis tivessem determinado ao terceiro, Gabriel, o Aleijado, que ali permanecesse com a finalidade de observar e estimular seus desejos e inclinações. O que se podia observar é que Letícia se mantinha nesse padrão de pensamentos e idéias por si mesma, sem nenhuma interferência da referida entidade que, com tal cooperação, sequer se manteve ali por muito tempo, tendo se ausentado para dedicar-se a outras coisas.

Como se pode observar, Letícia se entregava ao poder criativo das próprias idéias, sem a inspiração negativa ou maliciosa de nenhum Espírito, valendo que o leitor querido possa compreender que a ação negativa ou positiva do mundo invisível não se impõe ás pessoas, adulterando-lhes a vontade. Ao contrário, como já se referiu antes, é um processo de sugestão sutil ao qual o encarnado adere segundo seus desejos mais íntimos e suas intenções mais ocultas, sempre ligadas à busca do prazer, à satisfação de seus interesses ou à vivência de suas fraquezas.

A partir dessa adesão, as entidades passam a colaborar com o processo de indução, sutil a princípio. Com o passar do tempo, à medida que tais Espíritos vão se assenhoreando da vontade do encarnado, e que vão se instalando na casa mental do ser que influenciam, naturalmente passam a agir com maior liberdade, adotando um processo de simbiose, que mescla a sua vontade com a daquele que os hospedam, o seu pensamento com o dele, de forma a que não se consegue mais, com facilidade, identificar qual é o pensamento de um e qual é o do outro.

Letícia estava ali, encantada com os próprios sonhos, sem a participação direta ou constrangedora de nenhum Espírito, enquanto que, numa outra parte da cidade, Sílvia estava na aventurosa relação com seus dois comparsas, dando vazão aos seus instintos mais inferiores, que ambos exploravam como quem se diverte às custas de uma criança euforizada, produzindo o envolvimento e extraindo as energias de baixo teor que tal tipo de intercâmbio é capaz de gerar.

Queremos lembrar a nossos queridos leitores e leitoras, que a sexualidade é uma das mais belas e potentes fontes de energia realizadora de que o ser humano se vê dotado.

No entanto, não a sexualidade que é representada pelos órgãos físicos, localizada nos instrumentos biológicos, desenvolvidos pela evolução para a multiplicação da espécie.

A força e o poder criador se radicam na estrutura do psiquismo de cada ser, no qual as relações energéticas traçam as linhas da afetividade e que, por comandos diretos, estimulam os demais centros biológicos na produção das células responsáveis pelo processo de procriação.

As ações de tais órgãos e centros são extremamente mais mecânicas do que se supõe e, por isso, não é na região genésica que se radicam as fontes sublimes do potencial criador. Tal estrutura está vinculada à mente e ao sentimento das pessoas de tal maneira que, quando a vida, nos seus processos de reparação ou resgate impõe ao indivíduo a solidão como forma de experiência refazedora, a sexualidade e as forças que a representam podem ser transferidas da ação procriadora de corpos para a ação plasmadora de ideais, fecundada nas inspirações superiores da alma, a serviço da transformação do mundo e do reequilíbrio de si mesmo.

Assim, quando alguém se veja na condição compulsória de isolamento afetivo, atendendo aos imperativos da jornada evolutiva, isso não impede que se transforme em uma geradora ou um gerador de filhos, que não se representarão por seres corporais, mas sim, por construções idealistas na área da arte, do saber da ciência, do devotamento ao próximo, deixando fecundados não com o sêmem biológico, mas sim com a semente espiritual os caminhos por onde passou, pelo exemplo de dedicação e renúncia.

Dessa maneira, cada pessoa no mundo é um potencial transformador das estruturas emocionais, usando para tanto todas as forças que lhe estão disponíveis e, além daquelas que o próprio organismo físico concentra em suas células, as que lhe chegam através da ligação com a força cósmica do Universo, na absorção dos princípios

regeneradores e abastecedores de que o Princípio Cósmico Universal é rico por excelência.

As pessoas que se vêem compelidas a uma vida de solidão e isolamento no afeto poderão usar tais forças disponíveis para canalizá-las na realização de obras do bem nos diversos setores da vida, respeitando em seus semelhantes os compromissos afetivos já firmados, ao invés de criarem armadilhas para que eles se vejam enredados por sensações, interesses ou condutas que poderão complicar a vida de ambos, que é o que costuma acontecer.

Sem se conformarem com a condição solitária que a vida lhes assinalou com a sua concordância — concordância esta que corresponde, na verdade, à solicitação pessoal, antes do renascimento físico — muitas pessoas passam a se martirizar nos processos de busca desesperada por uma companhia, insatisfeitas com a lição solicitada que propiciaria um amadurecimento maior da questão da responsabilidade das relações têm promovido uma promiscuidade cada vez maior entre os seres humanos em busca de aventuras, sem nos referirmos, ainda, às pressões sociais que pesam sobre os que se mantêm solteiros, como que a fazê-los se sentir como seres extraterrestres ou problemáticos, aquilo que deveria ser aproveitado como uma experiência produtiva, acaba transformada pela pessoa em um martírio vergonhoso e insuportável, abrindo espaço em seus pensamentos mais secretos para as estratégias de conquista, a adoção de posturas sedutoras e perigosas, a repetição dos equívocos de outras vidas quando a sexualidade foi usada como armamento a atrair e destruir os sentimentos alheios.

Como o leitor pode perceber, muitas vezes, a causa da solidão em uma vida se radica na irresponsabilidade afetiva vivenciada em outras existências.

De tanto viciar o centro do afeto com aventuras superficiais do sentido ou da sexualidade depravada através de comportamentos que a aviltavam, homens e mulheres solicitam, em uma nova vida física, uma jornada desértica na afetividade, durante a qual, sentindo a falta de uma companhia, redirecionam o impulso primitivo para a esfera mais elevada dos sentimentos, reprogramando seu psiquismo para que a leviandade outrora experimentada não faça mais parte de suas opções naturais.

Mas, ao invés de se conduzirem por tal trajeto, com a opção de modificarem o mundo íntimo e o mundo ao seu redor com gestos de devotamento oferecidos a causas nobres, boa parte dos assim considerados exilados do afeto se perdem novamente, relembrando os antigos processos de sedução, saindo à cata de experiências envolventes e estimulantes, com as quais vão revivendo os antigos vícios, procurando companhias, exatamente em lugares em que não encontrarão, senão, aproveitadores de suas carências, prontos a abusarem de seus sentimentos famintos e, logo depois, descartá-los no vazio de um prazer físico que acaba rapidamente e frustra aqueles que esperavam alguma coisa a mais do que isso.

Dessa forma, forçando a situação, muitas pessoas que poderiam estar se recuperando e se fazendo queridas de seus irmãos menos felizes, passam a se ajustar em processos dolorosos a homens levianos, a mulheres exigentes e caprichosas, a pessoas que jogarão com seus sentimentos, explorando suas forças para, logo a seguir, dificultar- lhes a vida com exigências sem fim, representando dessa maneira a triste, mas justa expiação que aquele indivíduo acabou impondo-se, quando poderia ter escolhido outro tipo de atividade criadora que, nas belezas do ideal realizado, o manteria livre para seguir pelos caminhos que melhor escolhesse.

A teoria que costuma imperar nos dias de hoje é aquela que, simplificada no ditado popular, inverte seus termos dizendo:

E se, de alguma sorte, é compreensível tal opção, isso não quer dizer que ela não venha a produzir seus malefícios próprios, dos quais aquela pessoa poderia estar livre se tivesse entendido o caminho que poderia desenvolver ao conduzir-se pela fórmula antiga do ANTES SÓ DO QUE MAL ACOMPANHADA (O).

Esse era o caso de Letícia, de Sílvia e de Camila, além de ser o problema da própria Marisa que, unida a Marcelo por sentimentos superficiais e de interesse, no fundo, dele já estava separada há mito tempo.

Por isso, seja na forma que for, todo aquele que, para se ver feliz, se aventura a produzir o rompimento de outras relações, se permite destruir as próprias relações com comportamentos levianos, desrespeita os compromissos do afeto assumidos livremente, se vale das carências dos outros para usá-las na conquista e bens materiais ou situações que ambicione, se aproveita da solidão alheia para desfrute do prazer sem compromisso, se relaciona de forma vil para compensar o vazio do coração, sem respeitar os sentimentos dos demais que utiliza como alimento sem lhe poder corresponder com sinceridade, não importa, seja qual for a forma pela qual alguém pretenda ser feliz às custas da dor de outro, isso produzirá os efeitos de sofrimento e de responsabilidade que o obrigarão a uma futura reparação, arcando cada um com a quota de deveres correspondentes aos sofrimentos que infringiu.

Daí, então, queridos leitores, serem muitos graves, porque das mais tristes, as dores que podemos produzir com nossas condutas irresponsáveis, tanto na área do afeto quanto na área da sexualidade, uma vez que isso não se resumirá a uma relação física, com a contração muscular, com a expressão transitória de um prazer biológico, com a produção de hormônios. Isso representará uma ligação de Espírito a Espírito, com reflexos na estrutura da mente, na construção de sonhos, na criação de expectativas, na desestruturação de outras vidas e outras relações que poderão, dependendo do grau a que chegarem, ser responsáveis pelo desajuste do equilíbrio da psique de alguém, a produzir processos obsessivos, idéias fixas, autodestruição moral e, até, suicídios, infelizes estradas não apenas para aqueles que escolheram ou se deixaram transitar por elas, mas, sobretudo, para aqueles que ajudaram a construí-las na vida de seus semelhantes.

No documento Despedindo-se da Terra (Chico Xavier) - PDF (páginas 71-75)