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Letramento em uma perspectiva sócio-discursiva

Para tratar do aspecto sócio-discursivo das práticas de letramento, trazemos ao nosso aporte teórico as contribuições de Blommaert (2005). Para Blommaert, a análise de fenômenos linguísticos deve levar em consideração uma perspectiva sócio- discursiva. Nesse sentido, são apresentados cinco princípios que podem orientar a análise socialmente situada de textos. Esses princípios abordam como critérios para a análise os contextos, sentidos e recursos que constituem o evento comunicativo.

Dessa forma, a análise do fenômeno linguístico considera que os textos são produzidos com significados próprios para os usuários da língua, em contextos sociais específicos e em realizações concretas nas quais os usos da língua são situados, com o emprego dos recursos linguísticos disponíveis aos usuários, e nas estruturas sociais do mundo globalizado atual. Vejamos, então, como esses critérios de análise podem ser compreendidos.

O primeiro princípio de análise defendido por Blommaert refere-se aos significados que o uso socialmente situado da língua assume para os seus usuários. Conforme Blommaert (2005),

Nós podemos, e devemos, partir da observação de que a língua tem importância para as pessoas, que as pessoas fazem investimentos na língua, e que isso é uma parte crucial do que elas acreditam sobre o

que a língua faz por elas e sobre o que elas podem fazer com a língua76 (2005, p. 14).

Com base nesse princípio, compreendemos que o letramento se encaixa nos interesses das pessoas para significar linguisticamente os sentidos e as perspectivas que as pessoas atribuem às suas vidas na sociedade. Dessa forma, tornar-se letrado pode ser entendido como um investimento para o cumprimento de empreendimentos comunicativos, na realização de fazeres sociais que são parte dos contextos nos quais as pessoas estão situadas. Portanto, esse primeiro princípio dialoga com o segundo que diz respeito aos contextos sociais dos quais as pessoas participam.

De acordo com o segundo princípio de análise definido por Blommaert (2005, p. 14), “é necessário estar atento ao fato de que a língua funciona de formas diferentes em diferentes ambientes e que, para compreender o seu funcionamento, é necessário contextualizá-la apropriadamente”77. Esse princípio de análise sinaliza no sentido da compreensão dos aspectos sociais que definem as condições e os propósitos do uso da língua. Na sua argumentação, Blommaert alerta que ‘modelos’ que oferecem uma explicação geral dos fenômenos linguísticos devem ser examinados de forma crítica, pois é necessário que sejam consideradas as especificidades dos contextos nos quais a língua é empregada pelas pessoas. Encontramos, nesse ponto, um fundamento para a crítica ao Modelo Autônomo de Letramento – descrito na Seção 3.1.1 – pela natureza neutra e socialmente desconexa que o caracteriza. Em consonância com o segundo princípio de análise, Blommaert nos apresenta o terceiro princípio, segundo o qual as realizações linguísticas não devem ser analisadas com base em abstrações, mas com enfoque nas “formas reais e densamente contextualizadas nas quais a língua se realiza na sociedade”78 (2005, p. 15). Dessa forma, adotando essa perspectiva em nosso estudo, temos em foco eventos concretos de letramento em um contexto de formação de professores, na dimensão de práticas discursivas socialmente situadas. Esses critérios são complementados pelo quarto princípio de análise de Blommaert.

76 Tradução nossa do original: “We can, and must, start from the observation that language matters to people, that people make investments in language, and that this is a crucial part of what they believe language does for them and what they do with language” (BLOMMAERT, 2005, p. 14).

77

Tradução nossa do original: “We have to be aware that language operates differently in different environments, and that, in order to understand how language works, we need to contextualise it properly…” (BLOMMAERT, 2005, p. 14).

78 Tradução nossa do original: “… the actual and densely contextualised forms in which language occurs in society” (BLOMMAERT, 2005, p. 15).

Conforme o quarto princípio, os usos da língua ocorrem mediante os recursos que estão disponíveis aos usuários. Esses recursos constituem os repertórios linguísticos que são empregados pelas pessoas em atos comunicativos. Blommaert afirma que “esses repertórios são o material com o qual eles [os usuários da língua] se engajam na comunicação; eles determinam o que as pessoas podem fazer com a língua”79 (2005, p. 15). Um ponto que deve ser considerado sobre os repertórios linguísticos é que as pessoas não se comunicam de forma inteiramente livre porque são constrangidas pelo alcance e pela estrutura dos recursos linguísticos de que dispõem. Dessa forma, as atuações linguísticas das pessoas estão condicionadas às vivências socialmente situadas que têm na língua e, consequentemente, aos letramentos aos quais têm acesso.

O quinto princípio de análise apresentado por Blommaert trata da influência que o mundo social globalizado exerce sobre os eventos comunicativos e está relacionado aos outros quatro princípios. Quando adotamos uma perspectiva sensível aos efeitos da globalização, é possível ampliar a nossa percepção sobre os hábitos e os valores que viabilizam e orientam a construção de significados entre os participantes das práticas discursivas na sociedade contemporânea. Nesse sentido, Blommaert destaca que, no contexto da globalização, a análise do discurso precisa “incluir as relações entre diferentes sociedades e o efeito dessas relações nos repertórios dos usuários da língua e no seu potencial para construir voz”80 (2005, p. 15). Nessa perspectiva, o letramento, como um fenômeno socialmente situado, reflete os contornos das práticas e das relações sociais vigentes, propiciando possíveis integrações entre conhecimentos e culturas. Compreendemos, portanto, que a análise de eventos de letramento deve levar em consideração as influências que podem ser exercidas pelas práticas sociais globalizadas sobre as práticas de leitura e de escrita na sociedade contemporânea.

A compreensão do letramento como uma prática discursiva, situada em um contexto de formação de professores, norteia as análises dos eventos que registramos no presente estudo. Nessa ótica, com base nos princípios teóricos delineados, buscamos depreender os significados que o letramento assume na prática formativa de professores

79

Tradução nossa do original: “... these repertoires are the material with which they engage in communication; they will determine what people can do with language” (BLOMMAERT, 2005, p. 15). 80 Tradução nossa do original: “… include the relationships between different societies and the effect of these relationships on repertoires of language users and their potential to construct voice” (BLOMMAERT, 2005, p. 15).

de inglês, com o objetivo de promover conhecimento socialmente situado e compreender como esses significados podem influenciar as práticas docentes.

Nesse sentido, apresentamos no próximo capítulo o desenho metodológico do estudo que realizamos, tendo em vista detalhar os procedimentos adotados e os princípios que nortearam a pesquisa desde a sua concepção em 2012, quando desenvolvemos duas fases iniciais da pesquisa – de fundamental importância para a elaboração da tese – compreendendo os contextos e as etapas que constituem a sistematização na investigação do letramento.

4 METODOLOGIA DA PESQUISA

Neste capítulo, apresentamos as escolhas metodológicas e os procedimentos que sistematizaram a realização da presente investigação. O estudo teve a sua gênese no ano de 2012, quando realizamos duas fases iniciais da pesquisa que foram de fundamental importância para a construção teórico-metodológica do nosso objeto de pesquisa. Essas fases iniciais da pesquisa, realizadas em uma escola de língua inglesa em uma cidade no nordeste do Brasil – que aqui denominamos Escola Local de Inglês (ELI) 81 – contribuíram para os questionamentos que, subsequentemente, nos motivaram e nos orientaram na investigação nesta tese de Doutorado. Portanto, consideramos pertinente revisitar o cenário no qual essas fases foram realizadas, sobretudo porque a ELI está intrinsecamente relacionada ao contexto das práticas formativas no qual desenvolvemos este estudo. Uma vez feitas as devidas explanações sobre as fases iniciais da pesquisa, apresentamos também, neste capítulo, as informações relativas à natureza da pesquisa, ao desenho metodológico do estudo, aos contextos de realização e aos participantes, aos instrumentos e procedimentos utilizados. Iniciamos, então, pelo relato das fases iniciais da pesquisa.