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Práticas discursivas sobre o letramento em inglês

5 PERSPECTIVAS DE LETRAMENTO: UMA ABORDAGEM INICIAL NA

5.1 O letramento em inglês na visão dos alunos e alunas de Letras

5.1.2 Práticas discursivas sobre o letramento em inglês

Nesta seção, enfocamos as práticas discursivas desenvolvidas pelos participantes dessa pesquisa, abordando os cinco aspectos listados com base em Blommaert (2005). Dessa forma, é relevante tecer as nossas considerações sobre os seguintes tópicos.

Primeiro, tratando do que a língua significa para os usuários, compreendemos que o letramento em inglês pode, ainda, ser associado ao valor de prestígio e de diferenciação de indivíduos na sociedade. Como citamos anteriormente, em um trecho da entrevista com um dos alunos, a língua inglesa pode fazer a pessoa sentir-se diferente dos outros, conforme o aluno entrevistado:

(1) “...uma nova pessoa. Tanto que... algumas pessoas... principalmente família... que percebem que antes de pegar o inglês fluente eu tinha um sotaque e agora eu tenho outro... e não é só uma ou duas pessoas que perguntam: tu é daqui?... e eu: sim... Aí alguém que tá do lado: não, mas ele

111 Tradução nossa do original: “...we must take account of the institutional position, interests, values, intentions, desires, etc. of producers; the relations between elements at different levels in texts; and the institutional positions, knowledge, purposes, values, etc. of receivers” (FAIRCLOUGH, 2003, p. 10-11).

fala inglês, é por isso que ele fala assim...” (Ronaldo, aluno do Estágio I – 2013.2).

Com base na perspectiva da posição social de destaque que, supostamente, é atribuída aos que falam a língua inglesa, algumas pessoas podem acreditar que se tornam melhores, de alguma forma, ao aprender a língua estrangeira. O argumento justificaria o investimento que se faz na aprendizagem da língua e, consequentemente, a valorização da sua ‘aquisição’112 e do seu domínio como um bem de consumo. A fala desse aluno nos faz lembrar do valor subjetivo que a língua inglesa pode assumir em alguns contextos. Estamos nos referindo ao evento no qual a professora da ELI, participante da primeira fase inicial da pesquisa, afirmou em sala de aula (ver Seção 4.1.1.1), ao destacar alguns sons da língua estrangeira, “Olha o charme do ‘think’!”, categorizando a pronúncia do inglês como um recurso distintivo da elegância da sociedade letrada. Da mesma forma, o aluno de Letras parece pensar que fala diferente dos outros e, aparentemente baseado em uma crença na sua superioridade linguística, ele conclui a sua resposta com uma afirmação que representa o seu sentimento de lucro diante da sociedade não-letrada em inglês: “...ganhei isso”.

Outros aspectos a considerar na prática discursiva dos alunos e alunas sobre letramento em inglês dão conta dos diferentes contextos sociais nos quais se operam os funcionamentos da língua, das realizações socialmente situadas da língua estrangeira, bem como dos repertórios linguísticos dos usuários da língua. Nesse sentido, o seguinte trecho da entrevista com uma das alunas, ao responder a pergunta sobre como se tornar letrado(a) em inglês, ilustra esses aspectos:

(2) “Eu, por exemplo, eu... eu... aprendi a falar inglês sozinha... antes de eu entrar no curso de Letras eu nunca tinha estudado, mas eu já conseguia me comunicar... claro que não era com aquela fluência desejada e tudo mais, né...” (Vivian, aluna de Estágio I – 2013.2).

A noção de comunicação na língua estrangeira referida pela aluna parece estar relacionada a um contexto de tarefas específicas que, provavelmente, não exigiam

112 Halliday (1978) afirma que o termo ‘aquisição’ deveria ser evitado quando se refere à línguas. “Esse parece ser um termo bastante inadequado porque sugere que a língua é algum tipo de mercadoria que pode ser adquirida, e, embora a metáfora seja inocente na sua essência, se for compreendida muito literalmente, as consequências podem ser bastante danosas”.

Tradução nossa do original: “This seems rather an unfortunate term because it suggests that language is some kind of a commodity to be acquired, and, although the metaphor is innocent enough in itself, if it is taken too literally the consequences can be rather harmful” (HALLIDAY, 1978, p. 16).

“aquela fluência” (que, como fica subentendido113 na fala da aluna, é desenvolvida na educação formal) e, portanto, poderiam ser cumpridas no nível linguístico desenvolvido pela aluna, até então. Vemos também nesse trecho da entrevista, uma referência aos limites que o repertório linguístico impõe ao usuário da língua, no sentido de poder constranger a sua atuação em tarefas mais complexas. De toda forma, o nível linguístico dominado pela aluna antes de iniciar seus estudos de graduação, parecia ser suficiente para desempenhar uma variedade, possivelmente limitada, de afazeres, não deixando, contudo, de assumir um sentido próprio de realização pessoal na língua estrangeira: “...aprendi a falar inglês sozinha...”.

O quinto aspecto da prática discursiva que nos propomos a analisar diz respeito à globalização e aos valores que estão associados à globalização na sociedade contemporânea. Nesse sentido, é possível colocar em foco as diferentes possibilidades de acesso ao conhecimento e de compartilhamento de informações, nas quais o uso da língua estrangeira representa uma forma de superar fronteiras e situar-se como participante de diversas práticas discursivas. Nessa perspectiva, a seguinte resposta de uma das participantes situa o letramento como uma forma de comunicação em potencial. Ao definir ‘letramento’ na língua estrangeira, a aluna emprega o termo ‘autonomia’ e explica a sua compreensão do termo da seguinte forma:

(3) “Por exemplo, é... eu preciso de uma informação X... não encontrei... vou lá no Google, não encontrei em português, eu posso ir em inglês... eu vou desenrolar. Acho que isso é autonomia. Um exemplo, ahn... eu preciso de um livro... preciso de tal coisa pra ler pro meu trabalho... eu consigo... eu tenho autonomia pra ir atrás desse livro numa língua estrangeira, ler, entender e aplicar. E assim vai... ou então eu vou viajar e lá eu preciso me virar... preciso perguntar as direções, eu preciso comprar uma comida... conseguir fazer isso” (Rita, aluna de Estágio I – 2014.1).

Entendemos que o sentido expresso na resposta da aluna significa o potencial comunicativo para a realização de tarefas em um contexto socialmente situado. Na primeira exemplificação da resposta da aluna, esse contexto no qual as tarefas são realizadas envolve uma esfera global, por meio do uso da internet. Nesse contexto, o uso da língua representa possibilidades de estabelecer contatos com pessoas e com fontes de

113 Conforme Fairclough (2003, p. 11), “o que é ‘dito’ em um texto sempre se apóia no ‘não-dito’, desse modo parte da análise de textos consiste em tentar identificar o que está subentendido” (grifos do autor). Tradução nossa do original: “What is ‘said’ in a text always rests upon ‘unsaid’ assumptions, so part of the analysis of texts is trying to identify what is assumed” (FAIRCLOUGH, 2003, p.11).

informação para obter acesso ao conhecimento e para viabilizar o compartilhamento de informações. Não há distâncias intransponíveis (“... vou lá no Google...”) nem afazeres cujas realizações sejam inviáveis, do ponto de vista linguístico, (“... eu posso ir em inglês... eu vou desenrolar...”) uma vez que o letramento na língua estrangeira possibilita as relações com um mundo de saberes que passa, então, a estar ao alcance.

Feitas essas considerações sobre as respostas dos alunos e alunas de Letras às três perguntas relativas ao letramento na língua estrangeira, e à luz das análises que tecemos, envolvendo tanto aspectos textuais quanto sócio-discursivos, compreendemos que o letramento é representado em um processo comunicativo para o qual os participantes (usuários da língua) desenvolvem habilidades linguísticas que são promovidas primordialmente nas agências de letramento formal, mas que também se realizam em outros contextos socialmente situados. Nessa esteira, consideramos pertinente tratar do tema em uma perspectiva mais ampla, buscando conhecer o(s) letramento(s) que se realiza(m) em outros contextos sociais, além dos limites da sala de aula da agência de letramento formal. Com esse objetivo, propusemos aos alunos e alunas de Estágio I que fizessem registros de eventos de letramento informal nos diários de participantes (ver Seção 4.3.3) e, em seguida, realizamos uma segunda entrevista focada em cada diário de participante. A seguir, apresentamos a nossa análise dos dados gerados nos diários de participantes e das entrevistas focadas nos diários.

5.2 Letramento informal em inglês como uma vivência social: experiências diárias