• Nenhum resultado encontrado

O espraiamento da língua inglesa: registros textuais

5 PERSPECTIVAS DE LETRAMENTO: UMA ABORDAGEM INICIAL NA

5.2 Letramento informal em inglês como uma vivência social: experiências diárias

5.2.1 O espraiamento da língua inglesa: registros textuais

Conforme Barton e Hamilton (2000), “existem diferentes letramentos associados aos diferentes domínios da vida”114. As informações registradas pelos alunos e alunas de Letras nos seus diários de participantes confirmam essa proposição, convidando à reflexão sobre a importância dos letramentos socialmente situados que contribuem para a construção de significados na língua estrangeira. Com base nos eventos relatados pelos participantes nos diários e nas entrevistas focadas nos diários, podemos ampliar a percepção do letramento como um fenômeno plural (STREET, 1984, 2012; SOARES, 2010) que não se encapsula nas instituições de ensino formal e ultrapassa a dimensão do indivíduo para se realizar plenamente nas interações em contextos socioculturalmente constituídos.

Nos diários de participantes e nas entrevistas, são relacionadas como fontes de letramento informal os contatos com a língua inglesa na internet, em tecnologias digitais, na mídia (rádio, televisão, jornais e revistas), e em campanhas publicitárias. Outra forma de acesso ao letramento informal em inglês, relatada pelos alunos e alunas de Letras, é a leitura de livros e textos na língua estrangeira, tanto como fonte de lazer ou de informação quanto como complemento dos conhecimentos adquiridos no curso de graduação. Nos contextos extra-escolares, o letramento é associado a tarefas socialmente situadas, ou seja, ao desenvolvimento de atividades cotidianas como parte do desempenho em afazeres na sociedade. Nessa perspectiva, o letramento em inglês assume o caráter de uso ‘real’ da língua, por não estar condicionado à prática de convenções formais, e parece tornar-se amplamente significativo por não estar limitado ao alcance linguístico de um programa de ensino que é comumente imposto na sala de aula de língua estrangeira. O seguinte trecho de uma das entrevistas expressa o significado do letramento informal na língua estrangeira:

114 Tradução nossa do original: “There are different literacies associated with different domains of life” (BARTON e HAMILTON, 2000, p. 8).

“Eu me sinto bem mais à vontade, assim... é... quando eu tô lendo eu não tenho aquela... por exemplo, eu leio notícias do The New York Times, eu não tenho aquela pressão de entender tudo... de... é...me deparar com uma palavra que eu não entendo e ter que tá checando no dicionário... pelo contexto eu vou entender.” (Elisa, aluna de Estágio I – 2014.1).

A seguir, apresentamos a nossa análise dos dados gerados nos diários de participantes e nas entrevistas focadas nos diários sobre o letramento informal em inglês, abordando as categorias de análise textual de Fairclough (2003), como descrito anteriormente.

Percebemos que, ao relatar as suas experiências com a língua inglesa além dos limites da sala de aula, os alunos e alunas parecem sentir-se empoderados para falar sobre algo que lhes pertence, por fazer parte das suas vivências socialmente situadas. Os seguintes exemplos de relatos produzidos pelos participantes na segunda entrevista ilustram esse ponto da nossa análise:

(1) “...eu parei pra observar assim... ahn... e realmente nos três... três turnos... eu... é uma opção pessoal mesmo... de... querer se expor o máximo possível... e... eu vi que no dia eu tenho muitos contatos...” (Eugênio, aluno de Estágio I – 2013.2).

(2) “... eu leio com muita frequência... então assim... esse ano eu li... 14 livros já, até agora, sendo que 8 deles eram livros de literatura inglesa...” (Vivian, aluna de Estágio I – 2013.2).

(3) “... hoje em dia é muito fácil conversar com gente de fora pela internet...” (Mariana, aluna de Estágio I – 2013.2).

Nos três exemplos transcritos, podemos observar que a função de fala é de afirmação e a modalidade é a epistêmica. Nas falas dos participantes é assumido o comprometimento com as colocações feitas. Não há modalizações subjetivas, o que pode ser percebido nas relações gramaticais, nas quais as formas verbais apresentam asserções (‘...eu tenho muitos contatos...”; “...eu leio com muita frequência...”; “...hoje em dia é muito fácil conversar...”), demonstrando que os participantes parecem sentir que podem se apropriar do que dizem nas suas entrevistas. Nesses exemplos, as modalizações são marcadas pelos advérbios (“realmente”; “mesmo”) que sugerem a ideia de afirmação categórica sobre o acesso ao letramento informal em contextos socialmente situados.

Por meio das escolhas lexicais (“à vontade”; “entender”), os marcadores coesivos sinalizam que, no contexto do letramento informal, o uso da língua ocorre livre de constrangimentos ou pressões curriculares, o que parece trazer uma sensação de conforto e de adequação ao contexto de uso da língua, como pode ser visto no primeiro exemplo que transcrevemos nessa seção (“...me sinto bem mais à vontade...”; “...eu não tenho aquela pressão...”; “...eu vou entender.”). Nesse sentido, a construção do significado na leitura do texto é viabilizada pela compreensão do leitor ou da leitora sobre o contexto no qual a língua se situa. A presença da língua inglesa em contextos de uso informal também é manifestada em um outro exemplo, no relato de outro aluno:

(4) “...ela chega... nocauteando, sabe?... é uma loja... é um comentário... é uma blusa... é... então, não... não existe mais essa fronteira...” (Ronaldo, aluno de Estágio I – 2013.2).

Observamos que as escolhas lexicais na fala do aluno (“chega”; “não... mais... fronteira”) significam a proximidade que pode ser verificada nos contatos com a língua estrangeira aos quais somos expostos em nosso cotidiano, de forma inescapável, que é expressa na metáfora (“nocauteando”), o que sugere a compreensão de uma força simbólica da língua inglesa nas vidas das pessoas, em contextos de uso socialmente situados. Outro recurso coesivo utilizado foi o uso de retomadas por referência pronominal, como observamos nos seguintes exemplos:

(5) “...eu acredito, assim... que o inglês pra mim... ele tá sempre ali meio que atenuado... só esperando uma chance pra... pra... pra aparecer...” (Selma, aluna de Estágio I – 2014.1).

(6) “É interessante é... descobrir ao... aos poucos como o inglês, ele tá presente...” (João, aluno de Estágio I – 2013.2).

Por meio das retomadas de elementos textuais, os alunos e alunas expressam a ideia da presença da língua inglesa em eventos informais, além do limite da sala de aula. Em outros termos, com base nos argumentos dos participantes, compreendemos que o letramento na língua inglesa não está encapsulado na sala de aula, mas situa-se nas atividades que as pessoas realizam em diversos contextos sociais. Nos registros feitos nos seus diários, os alunos e alunas relatam que a língua inglesa faz parte das suas vivências em filmes, músicas, em contatos informais com amigos em redes sociais na internet, bem como em leituras diversas, tais como revistas e jornais na internet. Nesse sentido, podemos perceber que a língua estrangeira contribui para as experiências das

pessoas, construindo significados nas suas vidas. Nas entrevistas, os alunos e alunas também exemplificam os meios que possibilitam os seus contatos com a língua inglesa, nas suas rotinas além da sala de aula.

(7) “...a leitura é realmente... a... maior fonte... pra esse... assim... esse contato com a língua” (Vivian, aluna de Estágio I – 2013.2).

(8) “...os seriados... por serem mais curtos, né... acabam... o pessoal acaba tendo mais tempo pra ver... ter mais contato... até porque é mais comum... (...) é, sites de interação, também... ‘facebook’...” (Nidia, aluna de Estágio I – 2013.2).

(9) “...acho que pra mim seria: música, internet e literatura” (João, aluno de Estágio I – 2013.2)

Nesses exemplos transcritos, observamos que as relações lexicais convergem para os sentidos de “contato” e “interação” na sociedade contemporânea por meio da língua estrangeira. As relações semânticas causais, em (8), sinalizam que em suas rotinas diárias as pessoas encontram nos recursos disponíveis os meios que lhes são mais adequados para promover os usos socialmente significativos da língua inglesa, conforme os seus interesses e as suas necessidades.

Com base nos elementos textuais analisados, podemos perceber que o letramento informal não é representado de uma forma neutra, sem relação com as vidas das pessoas. Observamos que, nos registros de letramento informal em inglês, a agenda na qual o tema se situa é (re)definida conforme o contexto sociocultural do letramento, ou seja, não há um plano pré-definido para delimitar o escopo do letramento informal e sim tendências socioculturais nas quais as experiências com a língua estrangeira se realizam. Essa perspectiva contribui para o empoderamento das pessoas ao lidar com o(s) letramento(s) na sociedade. Uma vez que não há preceitos escolares, onde a autoridade institucional estabelece as regras a serem seguidas para a promoção de níveis de conhecimento linguístico, o letramento extra-escolar se realiza em contextos que propiciam a sensação de liberdade, como é relatado por Elisa (“...eu tô mais livre pra ler...”). Nesse sentido, a afirmação de um dos alunos é representativa dessa percepção do letramento informal na língua estrangeira e da própria percepção do falante como agente desse letramento:

(10) “É interessante é... descobrir ao... aos poucos como o inglês, ele tá presente na minha... presente na minha vida... é... em letra de... em música... em...

em... em livros... em um monte de coisa assim que eu não tinha percebido antes e... e eu passei a perceber... Então, comecei a abrir a minha mente pra outras coisas...” (João, aluno de Estágio I – 2013.2).

Nessa esteira, apresentamos, a seguir, a nossa análise dos aspectos da prática discursiva dos alunos e alunas nos seus diários e na segunda entrevista da pesquisa.

5.2.2 “Então, comecei a abrir a minha mente pra outras coisas...”: novas percepções de uma realidade linguística socialmente situada

Iniciamos esta seção da análise retomando uma parte da citação da fala de João porque consideramos que esse trecho capta a relevância que a percepção crítica, socialmente situada, do letramento deve ter na formação de professores e no ensino de línguas estrangeiras. Para analisar as perspectivas sócio-discursivas dos alunos e alunas, nos seus diários e na segunda entrevista, enfocamos os cinco aspectos da prática discursiva propostos por Blommaert (2005).

No primeiro desses aspectos, os significados da língua para os seus usuários, consideramos que a língua estrangeira é vista pelos alunos e alunas como um recurso para a interação e para a construção de sentidos, seja entre grupos de pessoas que falam a língua inglesa ou, de forma mais ampla, na sociedade em geral quando as pessoas, nas mais diversas situações do cotidiano, são expostas a contatos com a língua estrangeira. Os seguintes exemplos ilustram essa percepção do sentido interativo no letramento informal, conforme as falas dos alunos:

(1) “...eu acho que eu sempre tô pensando um pouco em inglês... então, assim... tem coisas que eu expresso melhor em inglês do que em português...” (João, aluno de Estágio I – 2013.2).

(2) “... às vezes eu penso em inglês, falo comigo mesma em inglês, converso na rua com meus amigos...” (Selma, aluna de Estágio I – 2014.1).

Percebemos, com base nas falas dos alunos, que a língua estrangeira é incorporada a eventos que constituem a realização de atividades corriqueiras. Não se trata de ouvir, falar, ler ou escrever na língua inglesa, mas também de “pensar” em inglês. Nesse sentido, a língua inglesa parece ocupar, definidamente, uma posição de destaque, ao ponto de o aluno argumentar sobre a sua facilidade de expressão na língua estrangeira (“... tem coisas que eu expresso melhor em inglês...”). Conforme Bakhtin (2011, p. 270), “a língua é deduzida da necessidade do homem de autoexpressar-se, de

objetivar-se”. Nesse ponto, compreendemos o significado que a língua inglesa assume quando a aluna afirma “falo comigo mesma em inglês”. A relevância dessa observação consiste no fato de que a aluna constrói representações do mundo e, possivelmente, dela própria na língua inglesa, o que contribui para que a língua deixe de ser um mero objeto da aprendizagem e passe a se consubstanciar na construção e na expressão de significados na vida social.

Outros aspectos que também enfocamos na nossa análise da prática discursiva incluem os contextos sociais nos quais a língua é utilizada, as suas realizações concretas na sociedade, e os repertórios linguísticos dos usuários da língua. Para ilustrar esses aspectos, citamos os seguintes trechos das entrevistas:

(3) “...então, eu acho que a leitura realmente é a minha maior fonte... que a música, às vezes eu ouço por hobby e às vezes eu não presto muita atenção, né... tem músicas que eu coloco no celular que é nova... aí eu não presto muita atenção, né... mas as leituras, não... eu faço a leitura... tomo notas... isso engrandece muito o meu... é... conhecimento...” (Vivian, aluna de Estágio I – 2013.2).

(4) “... fora da sala de aula, tem as minhas leituras, o material da própria faculdade... tem, assim, as leituras extras que eu procurei sobre... ahn... livros... que estavam no meu nível de inglês, pra melhorar... melhorar o meu vocabulário e a estrutura da língua... e... eu assisto muitos filmes... pra ver a língua... e pra ouvir e ver a língua em uso, pra aprender novas expressões e escuto música...” (Elisa, aluna de Estágio I – 2014.1).

Tanto nos registros feitos nos diários de participantes quando nas entrevistas focadas nos diários, os alunos e alunas de Letras apresentam relatos de eventos, nos quais o letramento informal na língua estrangeira pode ser observado. Seja na leitura, na música, na televisão ou no cinema, entre outras possibilidades, as experiências socialmente situadas constituem parte do repertório linguístico dos alunos e alunas e demonstram que a língua inglesa se atualiza em contextos específicos, integrando-se aos afazeres das pessoas e construindo sentidos na sociedade. Na nossa perspectiva, esse conhecimento linguístico deve ser considerado pelas agências de letramento formal, uma vez que representa os valores socioculturais que fazem parte das vidas das pessoas. Por se tratar de uma forma amplamente significativa para o acesso e para o uso da língua, compreendemos que as experiências vivenciadas nos contextos de letramento informal na língua estrangeira representam uma das fundações sobre a qual o letramento

formal pode se apoiar para construir sentidos nas vidas das pessoas, também, na sala de aula.

O outro aspecto considerado na análise da prática discursiva dos alunos e alunas sobre o letramento informal trata da influência que as estruturas do mundo globalizado têm nos eventos comunicativos. Nesse sentido, podemos fazer uma reflexão sobre o seguintes trechos das entrevistas focadas nos diários de participantes:

(5) “É o mundo globalizado, né? A necessidade da comunicação... muitas vezes não é nem a comunicação que vai existir em si, mas é... uma espécie de... paradigma criado pela sociedade, né, de que... ao ter uma língua... o conhecimento de uma língua, você vai ter oportunidades de emprego... vai ter melhores salários... ou coisas do tipo... mas... muitas vezes não é nem verdade...” (Eugênio, aluno de Estágio I – 2013.2).

(6) “...mais relevantes... eu diria que o Facebook... tem até no plano que tinha colocado aí...é o que mais utilizo pra falar com os alunos... pra falar com os amigos... porque é muito acessível, né?... pelo celular mesmo você pode usar... e é uma coisa rápida... que você manda mensagem... posta lá... depois você pode sair... depois você pode olhar...” (Nidia, aluna de Estágio I – 2013.2).

Esses exemplos ilustram o engajamento dos alunos e alunas com a sua participação na estrutura do mundo social globalizado. “Viver significa participar do diálogo” (BAKHTIN, 2011, p. 348) e, no contexto da globalização, a dialogicidade tem seguido a tendência de orientar-se pelas relações com as línguas estrangeiras que se estabelecem em sociedade. Em geral, motivado – entre outros fatores – pela busca da qualificação profissional, o conhecimento da língua estrangeira pode ser considerado como um pré-requisito para a promoção na carreira profissional – como sugere Rajagopalan (2003, p. 65), para “subir na vida” – o que, como constata um dos alunos, “muitas vezes não é nem verdade”. Essa observação nos remete ao “mito do letramento” (GRAFF, 1979, apud STREET, 1984), segundo o qual deve-se atentar para o argumento de que “o incremento do letramento não está relacionado a uma maior igualdade e democracia social, nem a melhores condições para a classe trabalhadora115. Nessa perspectiva, o letramento pode ser compreendido como um mediador para a mobilidade social, que não é garantida pelo mero acesso ao conhecimento linguístico nem

115 Tradução nossa do original: “... greater literacy does not correlate with increased equality and democracy nor with better conditions for the working class” (GRAFF, 1979, apud STREET, 1984, p. 105).

totalmente inviabilizada pela falta dele. De todo modo, a língua estrangeira tem uma significativa influência para a realização de tarefas na sociedade, estando presente quando, por exemplo, as pessoas mantêm uma rede de contatos sociais (“...o Facebook... é o que mais utilizo pra falar com os alunos... pra falar com os amigos...”). A presença da língua estrangeira, influenciada pelas estruturas sociais globalizadas, pode ressignificar as formas de desempenhar tarefas e de (inter)agir na sociedade, levando em conta novas formas de representar o mundo ao nosso redor.

Com base nos relatos feitos nos diários de participantes e nas respostas dos alunos e alunas nas entrevistas, percebemos que parecer haver um entendimento comum da língua inglesa como uma ferramenta para a realização de afazeres considerados socialmente relevantes, seja para as relações pessoais, acadêmicas ou profissionais. Nessa ótica, uma questão que podemos discutir é se a noção de ganho ou de capacitação atribuída ao letramento incentiva a proposta da grande divisão (GOODY, 1968, apud STREET, 1984), que pode contribuir para a segregação social em função do domínio linguístico. Preocupa-nos, então, que essa concepção seja defendida ou promovida na escola, em decorrência das práticas de letramento na língua estrangeira, como forma de motivar a aprendizagem da língua.

Defendemos, portanto, que o letramento seja considerado como um recurso para a conscientização das pessoas sobre as suas responsabilidades sociais e não como meio para a imposição de relações assimétricas de poder. Pela sua natureza essencialmente social, o letramento deve ser situado no contexto sociocultural em que se realiza, com base no princípio de que a prática de letramento deve adequar-se aos interesses das pessoas, e não o inverso. Entendemos, portanto, que o conhecimento deve, idealmente, ser promovido em benefício da sociedade, visando situar o desenvolvimento dos indivíduos na e pela coletividade.

Com essas considerações em vista, entendemos que é relevante analisar as concepções dos professores formadores sobre letramento no contexto das práticas formativas no curso de Letras da UPL. Dessa forma, no próximo capítulo, abordamos as relações entre as perspectivas de letramento e de formação docente no contexto dos estágios curriculares supervisionados de regência de aulas em língua inglesa.

6 LETRAMENTO E FORMAÇÃO DOCENTE NA ÓTICA DOS