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O estágio na ótica dos professores formadores

6 LETRAMENTO E FORMAÇÃO DOCENTE NA ÓTICA DOS

6.1 Letramento e estágio curricular na visão dos professores formadores

6.1.2 O estágio na ótica dos professores formadores

Nas mesmas entrevistas em que fizemos questionamentos sobre ‘letramento’, perguntamos aos professores e professoras sobre o estágio supervisionado, com o objetivo de conhecer as suas concepções sobre essa atividade curricular na formação de professores de inglês. Nesse sentido, as perguntas foram feitas sobre o papel dos estágios na formação de professores, bem como o papel dos professores formadores – tanto do curso de Letras quanto da ELI – nessa prática formativa, e as expectativas dos professores e professoras sobre os alunos e alunas participantes nesses estágios curriculares.

No que concerne aos papéis das disciplinas de estágio e dos professores envolvidos na realização das atividades relativas a essas disciplinas, ilustramos as respostas que obtivemos nos seguintes extratos:

(1) “Olha, ao meu ver, as disciplinas de estágio ela tem... elas têm o papel de... é... instruir o aluno, né... o futuro professor... é... a... elaborar material... a... saber como se comportar em situações diversas em sala de aula, como lidar com o aluno, como adaptar... é... conteúdos ao contexto dos alunos, como... ahn... deixe-me ver... utilizar toda uma... uma variedade de... instrumentos, de atividades que estão à disposição dele ou em sala de aula, ou mesmo no dia a dia pra poder integrar em sala de aula. Né, então eu acho que as disciplinas de estágio elas dariam a conscientização ao aluno... ele se tornaria um... um... um... um indivíduo consciente a respeito da função dele como professor em sala de aula...” (Soraia, professora da ELI).

(2) “Os papéis. No... no caso, é orientar... por exemplo, tem muitos estudantes... até (...) alunos que já... que já são professores... eles não tem uma orientação realmente de como... às vezes, de como realmente deve proceder em sala de aula em termos de metodologia, não é? Então, eu acho que nesse caso... é... a

universidade ajuda bastante... essas disciplinas ajudam...” (Milton, professor da ELI).

(3) “A disciplina de Estágio I, ela objetiva dar ao aluno um panorama das... das diferentes... é... abordagens ou teorias, né... voltadas para o ensino. Então, o aluno tem um contato com... os diferentes métodos, né... é... basicamente ele vai... ver a teoria. E o Estágio II que é o que eu estou mais... é... sou responsável, né... ele vai tratar mais da prática... ele vai agregar a teoria que foi en... ensinada na I, né... no Estágio I... e a prática... não tô dizendo que no Estágio II não tenha... é ... teoria... também... é... a gente ainda insere alguma coisa de teoria, principalmente se a gente sentir que o aluno... é... não tem experiência nenhuma...” (Flávia, professora do curso de Letras).

(4) “Eu acredito que mais um... uma troca de experiência... seria o meu papel, uma troca de experiência... 32 anos, eu vi muitas coisas que eles não viram... mas o que é que eles leram... o que é que eles ach... estão acreditando... o que é que pode ser inserido nesse processo. Então o meu papel é mais de uma troca de experiência... eu não quero impor. Eu quero um trabalho de colaboração, né...” (Márcio, professor da ELI).

(5) “No caso... é... no primeiro momento... em que ele está observando... a gente se vê como modelo, né... do que a gente... realiza... então... é... por... ser um modelo, a gente tenta dar o melhor que a gente pode naquele momento... [...]. Já na parte II, que é a parte que a gente tem mais uma atuação... mais incisiva com ele... que ele vem antes... conversa sobre a aula... prepara a aula.. executa a aula... você assiste a aula... você observa... você... faz as observações... mas não no sentido de interferir... mas no sentido de melhorar... de mostrar uma outra visão... de como fazer a coisa... então, nesse momento, eu acho que... é... a gente trabalha de uma forma mais... próxima... e... duma... assim... no sentido de orientar, né... então, de... e ajudar a fazer a reflexão...” (Gisele, professora da ELI).

(6) “...a gente acaba sendo uma apresentadora do que tá de mais... do que tá acontecendo na área, né... eu acho isso importante porque... quando a univers... quando eles se formam... na verdade, assim... eles vão contin... ter que continuar se informando... né... então, se você ensinar os canais, onde tão as... as discussões é muito importante... pra que eles possam não somente ler e ficar a par, mas participar das discussões que existem na área dos professores, né?...” (Milene, professora do curso de Letras).

Nesses extratos, registramos a modalidade epistêmica, na função de fala de afirmação, quando os professores e professoras compartilham suas percepções dos papéis das disciplinas de estágio curricular em inglês no curso de Letras da UPL, bem como dos seus próprios papéis nas práticas formativas. A construção dos sentidos nas

respostas dos participantes é orientada por modalizações que significam subjetivamente (“...ao meu ver...”; “...eu acho...”; “Eu acredito...”) as suas concepções relacionadas ao estágio supervisionado, indicando, em algumas formas verbais empregadas (“...dariam...”; “...tornaria...”; “...seria...”) uma modalidade hipotética, o que sugere a compreensão de possibilidades de realizações contidas nas atividades de estágio.

As escolhas lexicais feitas pelos professores e professoras (‘instruir”; “orientar”; “agregar”; ensinar”) sugerem a compreensão do estágio curricular como um momento da prática formativa dedicado ao desenvolvimento de saberes docentes tendo em vista a preparação para o mercado de trabalho, no sentido de ensinar e praticar “como fazer a coisa”123. Essa compreensão dialoga com a concepção dos professores e professoras sobre os seus papéis nas atividades relativas ao estágio supervisionado, gravitando em torno das escolhas lexicais (“conscientização”; “orientação”; “teoria”; “prática”; “experiência”; “modelo”; “apresentadora”) que sugerem reconhecer os professores formadores como agentes da hegemonia 124 na educação, guias ou fontes de compartilhamento do conhecimento a ser captado ou aprimorado pelos professores em formação. Ainda no que concerne aos termos escolhidos para designar as suas concepções, observamos nas falas dos professores e professoras uma variação terminológica que reforça a percepção da bidimensionalidade constitutiva do professor em formação (ver Seção 2.2) que, durante a execução das atividades do estágio supervisionado – em especial, no estágio de regência de aulas – assume afazeres de aluno(a) e, ao mesmo tempo, de professor(a), devendo transitar nesse espaço de (trans)formação. Nesse sentido, registramos que os professores e professoras, ao referirem-se aos professores em formação, alternam o uso da designação125 (“...o aluno

123 Nesse aspecto, as concepções dos professores e professoras que entrevistamos parecem alinhar-se ao que é estabelecido pelos dispositivos reguladores que dispõem sobre o estágio curricular supervisionado (ver Seção 2.2).

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Conforme Fairclough (2010, p. 63), “a hegemonia produz tanto um modelo quanto uma matriz. Na educação, digamos, ela fornece um modelo em grupos dominantes que também parecem exercer poder por meio da constituição de alianças e da integração, em vez de simplesmente promover a dominação de grupos subordinados, conquistando o seu consentimento...” e como matriz “a realização da hegemonia na sociedade requer um nível de integração de instituições locais e semi-autônomas e de relações de poder, de modo que essas últimas sejam parcialmente moldadas por relações hegemônicas”.

Tradução nossa do original: “...hegemony still provides both a model and a matrix. It provides a model: in, let us say, education, the dominant groups also appear to exercise power through constituting alliances, integrating rather than merely dominating subordinate groups, winning their consent…” (…) “It provides a matrix: the achievement of hegemony at a societal level requires a degree of integration of local and semi-autonomous institutions and power relations, so that the latter are partially shaped by hegemonic relations” (FAIRCLOUGH, 2010, p. 63).

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[...] se tornaria [...] consciente a respeito da função dele como professor...”; “... alunos [...] que já são professores...”; “...pra que eles possam [...] participar das discussões que existem na área dos professores...”), o que caracteriza a compreensão da visão bidimensional do ser-professor, enquanto ser na fronteira (BAKHTIN, 2011).

No que diz respeito ao aspecto sócio-discursivo nas falas dos professores e professoras, observamos que as concepções dos participantes sobre os papéis das disciplinas de estágio dialogam com a compreensão dos papéis dos professores, orientando-se pela percepção do contexto social no qual o letramento se situa. De forma correlata com as percepções de ‘letramento’ dos professores e professoras, das quais tratamos na seção anterior, esse contexto social de realização das práticas de letramento está primordialmente associado à sala de aula, na agência de letramento escolar. Portanto, os papéis das disciplinas de estágio constituem-se na instrução do professor em formação, com enfoque nas “situações”, nos “instrumentos” e nas “atividades” que estão ao alcance das práticas letradas na sala de aula, como forma de promover a formação teórica para o exercício do magistério. Com base nas respostas dos professores e professoras, esse aspecto sócio-discursivo relaciona-se a um outro: as realizações concretas e socialmente situadas das práticas de letramento docente, que, na perspectiva dos participantes, podem ser compreendidas no sentido da “prática” – significando, aqui, o conceito de aprender a fazer algo ou aprimorar uma performance pelo exercício sistemático e repetitivo de procedimentos supervisionados – sendo, nessa ótica, um complemento e uma aplicação das teorias sobre o ensino. O aspecto sócio- discursivo das realizações concretas dos eventos comunicativos também se manifesta, nas respostas dos participantes, por meio das concepções do(a) professor(a) formador(a) como “modelo” ou “apresentadora” que parecem ser considerados como parâmetros para a ação (“...por ...ser um modelo, a gente tenta dar o melhor que a gente pode naquele momento...”) na formação e na prática docente. Portanto, os estágios curriculares supervisionados, como parte das práticas formativas de professores de inglês, parecem ser compreendidos na dimensão das relações entre teorias e performances na prática, como requisito para o reconhecimento de habilidades que, conforme os preceitos que orientam a formação docente, capacitariam ao exercício do magistério.

Nesse sentido, consideramos pertinente conhecer as expectativas que os professores formadores têm sobre a participação dos alunos e alunas de Letras nos estágios supervisionados. Nas suas respostas sobre o que esperam dos alunos e alunas nessas disciplinas, os professores e professoras apontam as seguintes direções:

(1) “...eu espero que.... é ... ao final do Estágio II, né... porque aí eu acho que já é... abarca tudo, ele seja capaz de... é... dar uma aula de forma interativa, dinâmica, que ele saiba... é... se posicionar... na sala de aula e tal... a gente vai ver a postura desse aluno... a atitude dele em relação aos alunos, né... como ele inicia uma aula... se a aula tá bem planejada... se a aula tem começo, meio e fim... se ela tem um ‘timing’, né... é... correto pra cada atividade que ele planejou pra aquela... pra aquela aula que ele se propõe a dar... se ele tem o domínio do... do conteúdo que ele vai ensinar... [...] A gente não vai dizer que o aluno tenha que fazer tudo perfeito, mas ele tem que mostrar pelo menos em cada um desses quesitos, né?... é... algum... é... melhoramento, né, ao longo do curso... que ele... que ele consiga se desenrolar bem, desenvolver um bom trabalho e alcance o aluno...” (Flávia, professora do curso de Letras).

(2) “A primeira que eu espero é que eles tenham uma mente aberta... a primeira coisa... porque alguns deles já vêm pra cá... com experiências de outros cursos que já trabalharam... e chegam aqui, se deparam com alguns comportamentos diferentes do que eles esperam, né... então o que se espera é que eles tenham a mente aberta pra ver... analisar o contexto... sa... e tentar entender com aquele professor... porque que aqueles métodos tão sendo aplicados daquela forma ou não, né... e também estejam dispostos a contribuir... porque... acho que nenhum professor sabe de tudo...” (Sheila, professora da ELI).

(3) “Acho que eu penso, assim, no aluno ideal, né? O aluno ideal seria aquele que realmente... realmente tem... é... é... interesse em ser professor, né... então, nesse ... esse aluno... tendo em mente esse aluno ideal, né, eu espero que ele... é... é... se engaje nas atividades propostas... que na prática 1 ele possa... é... ter acesso a ambientes... é... onde há... onde ocorrem aulas... observar as aulas... observar a prática de professores que teoricamente já têm mais experiência, né... que possam contribuir pra essa formação” (Sandra, professora da ELI).

(4) “Olha... uma das coisas que eu sempre digo pra eles que eu espero... é que eles não saiam da mesma forma que eles entraram... então eu sempre espero que haja uma mudança ao longo do tempo que eles passam... junto conosco aqui na... na... na ELI, né?...” (Soraia, professora da ELI).

Os extratos citados ilustram as expectativas dos professores formadores sobre a participação dos professores em formação nas disciplinas de estágio. Nesses exemplos, registramos a modalidade deôntica, com a função de fala de demanda, que estabelece um tom prescritivo (“...ele tem que mostrar...”; “...que ele consiga...”; “...que eles tenham uma mente aberta...”; “...se engaje...”; “...que eles não saiam...”), no sentido de expressar o que se espera que os professores em formação façam ou sejam na realização das atividades no estágio supervisionado. Essa perspectiva sugere a concepção de um modelo aplicacionista (TARDIF, 2014) na formação docente, na qual deve-se aprender a ‘fazer’ para ‘ser’ (ver Seção 2.1). Nesse sentido, as escolhas lexicais feitas pelos participantes (“capaz”; “dinâmica”; “planejada”; “aberta”; “ideal”) sugerem a compreensão do professor em formação como um aprendiz (“aluno”) do qual se espera o desenvolvimento de capacidades docentes, pela mobilização e articulação de saberes, para comprovar sua habilitação ao desempenho da função, de forma minimamente aceitável (“...mostrar [...] em cada um desses quesitos [...] algum... é... melhoramento...”). Além disso, o emprego de termos como “melhoramento” e “mudança” sinaliza a expectativa de vivenciar uma experiência de transformação na prática formativa que possa ser avaliada como algo ‘melhor’ para as vidas profissionais dos professores em formação: “que eles não saiam da mesma forma que eles entraram”.

Observamos ainda que, nas referências feitas a professores em formação, destaca-se o sentido da sua bidimensionalidade constitutiva (ver Seção 2.2) no contexto do estágio supervisionado. Isso parece ocorrer de tal forma que, nas falas dos professores formadores, o professor em formação é representado como “aluno”126 que ministra conteúdos a “alunos” (“...a gente vai ver a postura desse aluno... a atitude dele em relação aos alunos...[...] ...se ele tem o domínio do... do conteúdo que ele vai ensinar...”), na perspectiva de um aprendiz (“O aluno ideal seria aquele que [...] realmente tem [...] interesse em ser professor...”) em um processo assistido de ‘tornar-se professor’. A concepção de supervisão na prática formativa é marcada, nas falas dos participantes, em relações semânticas condicionais (“...se a aula tá bem planejada...”), aditivas (“...que ele consiga [...] desenvolver um bom trabalho e alcance o aluno...”), e causais, nas quais se indica um propósito ou uma consequência (“...que eles tenham a mente aberta pra ver... analisar o contexto...”; “...então eu sempre espero que haja uma

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mudança...”), sinalizando as orientações naquele contexto de formação de professores de inglês.

No aspecto sócio-discursivo, registramos os significados que a prática docente assume (“...dar uma aula de forma interativa, dinâmica...”) no contexto de formação de professores, bem como a compreensão do contexto social dessa prática (“...alguns deles já vêm pra cá...”; “...aqui [...] na ELI...”) que está associado ao espaço institucional da escola na qual as atividades do estágio se realizam. Destacam-se, também, as realizações concretas e socialmente situadas (“...desenvolver um bom trabalho...”; “...se deparam com alguns comportamentos diferentes...”; “...ter acesso a ambientes...[...] ...observar a prática de professores...”) na prática formativa, significando ações possivelmente desenvolvidas pelos professores em formação, sob a supervisão de profissionais “que teoricamente já têm mais experiência” 127. Portanto, podemos compreender que as expectativas dos professores formadores sobre a participação dos alunos e alunas nos estágios supervisionados refletem as suas concepções sobre os papéis das disciplinas no processo formativo, bem como sobre os seus próprios papéis como instrutores nessas práticas formativas, reconhecendo o momento do estágio como espaço de uma possível (trans)formação no ‘ser professor’.

Na próxima seção, enfocamos os dados obtidos nas observações e notas de campo que realizamos nas salas de aula dos professores formadores, tanto no curso de Letras quanto na ELI.

6.2 A prática de sala de aula: observações docentes no contexto do estágio